Revista Exame

Melhora nas contas externas vem cercada de más notícias

O ajuste das contas externas é uma rara boa notícia da economia brasileira em 2015. Mas o resultado se deve mais às nossas fraquezas do que aos merecimentos

Montadora de carros: de novo, o governo cede à tentação de intervir (Germano Luders/Exame)

Montadora de carros: de novo, o governo cede à tentação de intervir (Germano Luders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 8 de outubro de 2015 às 10h25.

São Paulo — Tentar achar culpados para seus tropeços tem sido uma das atitudes mais constantes do governo nos últimos anos. Enquanto esteve no cargo de ministro da Fazenda, Guido Mantega cansou de atribuir os problemas da economia brasileira aos efeitos da crise financeira de 2008. É bom que se diga que ele nunca esteve só.

A presidente Dilma Rous­seff e outros integrantes do governo continuam a culpar o cenário mundial pelo desalento de nossa economia, às voltas com uma previsão de recessão de 2% em 2015. Recentemente, foi a vez de Edinho Silva, ministro da Secretaria de Comunicação Social, surrar o mesmo bode expiatório.

Após os protestos anti-Dilma em 16 de agosto, Edinho evocou a “crise que se arrasta desde 2008” para justificar o mau momento do país. Tudo bem — políticos, sejam eles de hoje, de ontem ou de amanhã, não são exatamente a classe mais propensa a admitir publicamente as bobagens que fazem. A questão, aí, é se devemos ou não acreditar no que dizem.

E a verdade é que a realidade atual contradiz frontalmente o discurso oficial. É cada vez mais evidente que o que tem segurado o país são problemas tipicamente made in Brazil. Esses problemas estão por trás até mesmo de uma das únicas boas notícias que tivemos na economia: a melhora nas contas externas. O déficit em transações correntes acumulado em 12 meses passou de 105 bilhões de dólares, em dezembro, para 93 bilhões, em junho, uma queda de 11%.

O resultado mostra a diferença entre os dólares que saem do país — via pagamento de importações, remessas de lucros das multinacionais ou despesas com viagens ao exterior — e o dinheiro que entra ­— pelas exportações ou com os gastos de turistas estrangeiros no Brasil. Quanto menor o rombo, menor a percepção de risco dos investidores.

Mas esse progresso do ajuste externo não ocorre exatamente por méritos próprios do Brasil. O banco americano JP Morgan fez um ranking com 20 paí­ses em desenvolvimento de acordo com o grau de risco para os investidores. Quando apenas os fatores externos são levados em conta, o Brasil aparece como o 12o mercado mais arriscado.

Mas, quando os problemas da economia doméstica entram em jogo, subimos para o segundo lugar, atrás apenas da Rússia. Em outras palavras, nossa fragilidade aumenta quando entram em cena as dificuldades espelhadas nos indicadores internos da economia.
Uma dessas dificuldades é a recessão, que diminuiu a demanda por produtos importados.

No primeiro semestre, as empresas brasileiras gastaram 93 bilhões de dólares em importações, 20% menos do que no primeiro semestre de 2014. É essa queda na demanda de importados que explica em boa medida a melhoria no resultado das contas-correntes. As exportações, fundamentais para a entrada de dólares no país, também caíram.

As empresas nacionais até estão, em volume, vendendo mais para o exterior — mas os negócios estão rendendo menos. Segundo a Fundação Centro de Estudos do Comércio Exterior, no primeiro semestre de 2015 houve um avanço de 7,5% na quantidade de produtos exportados, em comparação com os primeiros seis meses do ano passado.

Um exemplo claro é o da queda no preço das matérias-primas. O preço do minério de ferro caiu 43% em 2015, e o da soja, 30%. “Os preços internacionais diminuíram nossas receitas em dólar”, afirma Julio Piza, pre­sidente da produtora de grãos e cana-de-açúcar Brasil Agro, dona de sete fa­zendas espalhadas pelo país.

Essa é uma das razões pelas quais o faturamento do país no mercado externo foi de 94 bilhões de dólares no primeiro semestre de 2015, ante 110 bilhões no mesmo período do ano passado. Outro ponto que contribuiu para a redução do déficit externo foi a desvalorização do real. Do início de 2015 ao fechamento desta reportagem, no dia 24 de agosto, a moeda brasileira perdeu 32% do valor em relação ao dólar.

Com o real valendo menos, as multinacionais diminuíram a remessa de lucros para as matrizes no exterior. Comparando o primeiro semestre de 2014 com a primeira metade de 2015, a queda foi de 15 bilhões para 9 bilhões de dólares. Do mesmo modo, os gastos dos brasileiros no exterior recuaram de 9 bilhões para 7 bilhões de dólares.

Esses fatores levam analistas a conter o entusiasmo. “O ajuste nas contas externas ocorreu, mas somente porque a economia está em contração”, diz o economista Alberto Ramos, analista-chefe para a América Latina do banco americano Goldman Sachs. “Quando a economia voltar a crescer, a demanda por importações tenderá a crescer novamente, e o déficit externo também deverá ser retomado.”

Eis aí um aspecto do momento pelo qual o país atravessa. É fato que o Brasil não foi o único país emergente que viu sua moeda perder valor nos últimos meses. Em parte, essa desvalorização generalizada se deve à retração da economia chinesa, grande importadora de matérias-primas (veja reportagem na pág. 102).

A expectativa de uma iminente alta dos juros nos Estados Unidos também faz os investidores internacionais tirarem capital dos mercados em desenvolvimento para comprar títulos públicos do governo americano. A queda no Brasil, porém, foi mais intensa.

Um levantamento da corretora XP Investimentos mostrou que a desvalorização média de um conjunto de moedas de nove países emergentes em 2015 foi menos da metade da ocorrida com o real. O que explica a diferença é a crise econômica e política que minou a confiança do setor privado por aqui.

Exceto pela redução do déficit nas transações correntes, não há boas notícias no mercado brasileiro, onde os indicadores econômicos continuam a piorar. Para ficar em dois, inflação e desemprego: em agosto, a alta de preços acumulada em 12 meses chegou a 9,5%, o número mais alto para o mês desde 2004, enquanto a desocupação alcançou 7,5% em julho, também o pior índice para o mês em 11 anos.

Ânimos acirrados

A isso tudo se soma a confusão política, que tem um potencial imenso para aumentar a crise econômica. Há duas fontes de incerteza nesse front: o risco de impeachment da presidente Dilma Rousseff e a deterioração das relações do Executivo com o Congresso. A deposição da presidente antes do fim do mandato, em 2018, provocaria instabilidade na economia.

Não é uma hipótese improvável. Aos poucos, a oposição vem assumindo uma postura mais contundente a esse respeito. “Se houver abertura do processo, o PSDB vai votar pela saída da presidente”, afirma o senador tucano Aloysio Nunes Ferreira.

“Mais preocupante do que os efeitos decorrentes do impedimento de Dilma é a continuidade dela no cargo.” Para piorar esse cenário, as relações do governo com o Congresso podem se agravar à medida que parlamentares, como o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), enrolam-se nas investigações da Operação Lava-Jato.

“Quanto mais as investigações envolvem nomes de deputados, senadores e de líderes como o ex-presidente Lula, maior o risco de polarização do ambiente”, diz o cientista político Christopher Garman, chefe de pesquisa para mercados emergentes da consultoria Eurasia.

O acirramento dos ânimos, aliado à ­perda de popularidade da presidente Dilma, facilita a instauração das “pautas-bombas”, como são chamados os projetos que resultam em aumentos de gastos públicos. O efeito dessas iniciativas sobre o humor dos mercados é imediato.

“Não será preciso que a crise aumente muito para que o dólar chegue à casa dos 4 reais”, afirma ­Celso Toledo, diretor de macroeconomia da consultoria LCA. Prova de que o ajuste provocado pela recessão é modesto é que, em relação ao PIB, a melhora deve ser nula e o déficit em transações correntes vai continuar na casa dos 4% do PIB ao ano, como foi no ano passado.

A saída para um ajuste mais firme passa pela resolução dos problemas internos. Na verdade, o déficit em transações correntes reflete a diferença entre a renda nacional e o que é gasto com consumo — seja privado, seja do governo — e mais o investimento. No caso do Brasil, a encrenca maior está no rombo das contas públicas: o déficit nominal do governo pode fechar o ano acima de 7% do PIB.

Trata-se de um sugador de recursos que precisa ser coberto pelo setor privado daqui e de fora. “A diminuição do déficit público é a melhor forma de depender menos dos recursos externos”, afirma Ramos, do Goldman Sachs. Infelizmente, nos últimos dias, o governo deu sinais de que isso não vai ocorrer tão cedo.

As medidas de incentivos setoriais, típicas nos tempos de Mantega — e em parte responsáveis pela deterioração fiscal —, parecem estar de volta. Apesar da promessa do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, de que esse tipo de proteção localizada não ocorreria mais, o governo abriu uma linha de crédito subsidiado nos bancos públicos para beneficiar montadoras de veículos e fabricantes de autopeças.

Em troca, exige a manutenção dos empregos. “O governo está cedendo à tentação de voltar a intervir para impulsionar a economia”, diz Mário Mesquita, sócio do banco Brasil Plural. “Sabemos o resultado disso pelo que ocorreu no primeiro mandato.”

Para complicar, as notícias que vêm do exterior estão piorando. Depois de tanto invocar a crise internacional, pode ser que o governo tenha de lidar com os efeitos de uma delas de verdade.

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