Henk de Jonk, da Philips: o trabalho remoto trouxe aumento de 5% na produtividade (Germano Lüders / EXAME)
Da Redação
Publicado em 30 de maio de 2015 às 21h57.
São Paulo - Na essência, pouca coisa mudou na rotina dos funcionários do Banco do Brasil desde sua fundação, em 1808. Acordar cedo e sair de casa para trabalhar até o final do expediente é a regra para eles — assim como para a maior parte dos trabalhadores do mundo. Desde maio, porém, um grupo seleto teve uma mudança substancial no dia a dia: agora eles podem trabalhar sem sair de casa.
O projeto, em fase de testes com nove funcionários da área de tecnologia, terá 100 participantes até julho. Eles precisarão ir uma vez por semana ao escritório para ter reuniões com suas equipes. As pesquisas de clima apontavam essa como uma demanda dos funcionários, mas a principal razão para a mudança foi outra: isso poupa dinheiro.
De acordo com estudos do banco, cada funcionário no sistema de trabalho remoto aumenta 15% a própria produtividade. Além disso, cada um gera uma economia de 17%. “Com as análises, vamos conseguir expandir o programa para o restante da empresa”, afirma Carlos Alberto Netto, diretor de gestão de pessoas do Banco do Brasil.
Nos Estados Unidos, 40% dos trabalhadores usam a opção do home office. Uma pesquisa recente mostra que no Brasil 26% das grandes empresas oferecem a possibilidade de trabalho remoto em parte da jornada a pelo menos uma parcela dos funcionários — um ano antes eram 22%.
Estudos apontam diversos benefícios desse modelo. Um levantamento do instituto americano Gallup mostra que os funcionários que adotam parcialmente o home office dedicam mais horas ao trabalho — 4 horas semanais a mais do que quem cumpre jornada no escritório — e relatam índices maiores de engajamento e satisfação.
A consultoria americana Global Workplace Analytics, especializada em novas organizações do trabalho, estima que nos Estados Unidos a economia com a mudança chegue a 11 000 dólares por ano por funcionário, consideradas as contas de aluguel e energia. Do ponto de vista do trabalhador, as vantagens são grandes. As horas perdidas no deslocamento para o trabalho se revertem em até três semanas em horas livres a mais por ano.
O trabalho flexível também tem se tornado uma bandeira geracional. Uma pesquisa exclusiva da consultoria PwC, em parceria com a Fundação Getulio Vargas, de São Paulo, com 113 companhias que juntas empregam 1,6 milhão de pessoas, mostra que uma das principais aspirações de seus funcionários é buscar formas alternativas de trabalhar — lado a lado com demandas por remuneração mais competitiva e um sistema de promoções baseado na meritocracia.
Quase 70% desses funcionários têm entre 30 e 40 anos — faixa etária na qual a maioria tem filhos pequenos. “As empresas que não perceberem esse tipo de demanda de seus funcionários vão perder talentos”, afirma João Lins, sócio da PwC.
Algumas empresas optaram por uma versão radical, em que todos adotam o trabalho remoto em parte do tempo. O holandês Henk de Jonk, presidente da fabricante de eletrônicos Philips no Brasil, mostra com orgulho seu local de trabalho: a ponta de uma bancada ocupada por outros cinco funcionários.
Henk e toda a área administrativa da empresa compartilham dois andares de um condomínio de escritório em Barueri, região metropolitana de São Paulo. Os 600 funcionários precisam escolher um dia da semana para trabalhar de casa — inclusive o presidente. Há dois anos, a filial brasileira adotou um modelo de trabalho flexível, seguindo uma diretriz da matriz, na Holanda.
O plano global da empresa era tornar as operações mundo afora mais ágeis, visando ao aumento de produtividade. Acabou reduzindo também custos com aluguel e energia. No antigo endereço, em São Paulo, a Philips ocupava oito andares e acabava convivendo com muito espaço vazio.
“Com as atuais ferramentas de tecnologia, não faz diferença trabalhar aqui ou em casa”, afirma Henk, que contabiliza um ganho de produtividade anual de 4% a 5% com o novo regime de trabalho.
A transição de um modelo presencial no escritório para um esquema remoto exige um novo protocolo de relacionamento entre chefes e empregados. Inicialmente podem surgir questões de ambas as partes. Para os gestores, fica a dúvida se o funcionário está realmente trabalhando.
Para os funcionários, a sensação de se tornar invisível pode gerar insegurança. “Quando comecei a trabalhar em casa, não saía da frente do computador nem para almoçar”, diz Claudia Cavalcante, diretora de recursos humanos da multinacional anglo-holandesa Unilever. “Temia que, se não respondesse imediatamente a qualquer demanda dos chefes e colegas, poderiam pensar que não estava trabalhando.”
Na Unilever, dos cerca de 1 500 funcionários da área administrativa elegíveis para trabalhar remotamente (no total, são 2 300 pessoas), 73% ficam em casa uma ou duas vezes por semana. No Banco do Brasil, para selecionar os participantes, o gerente de cada equipe analisa as avaliações de desempenho dos candidatos e faz uma entrevista com cada um deles. Só passa pelo crivo quem tem um histórico de comprometimento e bom nível de concentração.
Os escolhidos passam por um treinamento em que aprendem sobre o novo sistema e a maneira ideal para trabalhar longe do escritório. Uma das regras é estar disponível integralmente durante o expediente — e por isso o banco optou por um modelo em que os funcionários têm hora certa para começar e terminar o trabalho.
O sistema de acesso aos arquivos da empresa simplesmente cai quando o expediente termina. Essa, aliás, é uma maneira para lidar com o que pode se tornar um embate trabalhista. No Brasil, como a legislação não contempla regras claras sobre o trabalho remoto, muitos empregadores temem ficar expostos a ações judiciais.
Na pesquisa feita pela PwC, 69% das empresas brasileiras gostariam de implementar horário flexível e 64% de oferecer o trabalho remoto, mas não o fazem porque temem problemas legais. “As maiores dúvidas giram em torno de como contabilizar horas extras no caso de uso do celular ou do e-mail corporativo”, diz Lins, da PwC.
Embora haja economia no longo prazo, a migração para um sistema remoto pode custar caro. De saída, as empresas podem sentir necessidade de investir em tecnologia de mobilidade. Basicamente, notebook, celulares e softwares para conectar quem está dentro e fora do escritório.
Junto vem a mudança física do escritório. Saem as baias e entram mesas coletivas, salas de reunião de diferentes tamanhos e armários para os funcionários guardar seus pertences — em São Paulo, a reforma de um espaço corporativo custa cerca de 4 000 reais o metro quadrado.
“Os melhores resultados ocorrem quando a empresa está mudando de endereço. Junto com o novo espaço físico, vêm as mudanças comportamentais”, diz Izabel Barros, da área de pesquisa da Steelcase, empresa americana de mobiliário corporativo.
Nos próximos anos, a Philips planeja investir mais 100 milhões de reais em tecnologia que dá suporte ao trabalho remoto no Brasil. O Banco do Brasil optou por estimular que os funcionários usem os computadores que já tinham em casa e ajustou o mobiliário para garantir a ergonomia.
Trabalhar em casa faz sentido para um grande número de pessoas, mas sua eficácia tem sido contestada por alguns. Em fevereiro de 2013, a americana Marissa Meyer, presidente da empresa de tecnologia Yahoo!, baniu o trabalho remoto e trouxe os empregados de volta para os escritórios no mundo todo.
A justificativa era que manter os trabalhadores lado a lado torna as decisões mais ágeis — algo particularmente importante para o período de mudanças que a companhia passava. Um mês depois foi a vez da gigante do varejo Best Buy cortar parte de suas políticas de home office. De fato, alguns estudos encontraram desvantagens no modelo aclamado por tanta gente.
Segundo uma pesquisa feita neste ano pela Steelcase, 70% dos profissionais que trabalham de casa dizem não conseguir executar a tarefa como esperavam porque a distância do escritório e dos colegas atrapalha. Uma das dificuldades é bem prática — 43% afirmaram que muitas vezes é difícil ter o mesmo nível de entendimento por telefone ou vídeo.
Um levantamento da Universidade Stanford concluiu que a taxa de promoção de funcionários que trabalham em casa é 50% menor do que a de funcionários presentes no escritório. Essa é uma das razões pelas quais algumas empresas, como Philips e Unilever, mantêm os funcionários apenas de um a dois dias da semana fora do escritório.
“O trabalho remoto não é para todas as empresas nem para todas as funções”, afirma Claudia Cavalcante, diretora de RH da Unilever. “Mas, para muita gente, os resultados são animadores tanto para o funcionário como para a empresa.”