Degustação de bebidas: a Danone entra na disputa pelo mercado de “refrigerantes” de baixa caloria (Germano Lüders/Exame)
Marina Filippe
Publicado em 6 de dezembro de 2018 às 05h28.
Última atualização em 6 de dezembro de 2018 às 12h34.
Nos últimos anos, a vida ficou mais difícil para as fabricantes de refrigerantes. Nos Estados Unidos, o maior mercado do mundo para esse tipo de bebida, a crescente preocupação com problemas de saúde, como obesidade e diabetes, fez com que as vendas desses produtos — considerados por alguns como “o novo tabaco” — caíssem em 2017 pelo 13o ano seguido. No Brasil, a situação não é diferente. De janeiro a outubro deste ano, o volume de refrigerantes vendidos no país diminuiu quase 4% em relação ao mesmo período do ano passado. Enquanto isso, as vendas de sucos prontos e chás cresceram, respectivamente, 2% e 6%. “A cesta de bebidas não alcoólicas vem diminuindo, puxada pelo desempenho de refrigerantes, que representam 80% do total. As categorias que têm crescido são as que oferecem benefícios a mais de saudabilidade”, diz Thiago Torelli, diretor da área de bebidas da consultoria Nielsen.
O segmento de bebidas saudáveis, do qual fazem parte desde produtos naturais até versões com menos açúcar, cresceu 73% em valor desde 2013 — o faturamento neste ano deverá chegar a 32 bilhões de reais. Ao que parece, a tendência não é passageira. A consultoria Euromonitor prevê um crescimento de 30% no mercado nos próximos cinco anos. “O sobrepeso atinge mais da metade da população brasileira”, diz Angelica Salado, analista sênior da Euromonitor. “Nesse cenário, aumenta o interesse do consumidor por produtos com apelo saudável.”
De olho nessa tendência, alguns gigantes do setor de alimentos e bebidas começaram a se mexer para atrair consumidores que gostam de refrigerantes, mas buscam opções mais saudáveis. De setembro para cá, a francesa Danone e a americana Coca-Cola lançaram produtos naturais desenvolvidos para o mercado brasileiro. As bebidas são à base de água gaseificada e suco de fruta, sem adoçantes nem conservantes. Para os lançamentos, as companhias criaram novas marcas. Na Coca-Cola, a bebida com três opções de sabor leva o nome de Yas. Na Danone, há dois sabores para esse tipo de bebida e duas opções de chá com frutas sob o nome 4U. “Podemos dar escala e acelerar o crescimento de um segmento que hoje é um nicho”, diz Rafael Ribeiro, diretor de marketing da Danone Águas Brasil.
Os produtos das multinacionais chegam para disputar um segmento de bebidas que parecem refrigerantes, mas que tecnicamente não são consideradas como tais, uma vez que não incluem adoçantes na formulação. É um nicho que, até agora, vinha sendo explorado por pequenas fabricantes. Um exemplo é a paulista Natural One, do empresário Ricardo Ermírio de Moraes, um dos herdeiros do Grupo Votorantim. Ela surgiu em 2014 com a proposta de vender sucos 100% naturais. Na época, o segmento representava 5% do mercado de sucos prontos para beber no país. Hoje a fatia é de 30%, e a Natural One é a líder.
O crescimento do negócio chamou a atenção da Gávea Investimentos: no final do ano passado, a gestora comprou 49,9% de participação na Natural One. Para atrair novos consumidores, a companhia aumentou a verba de marketing em 50% neste ano. Convidou 600 nutricionistas e nutrólogos para conhecer sua fábrica no interior de São Paulo, colocou informações nutricionais mais claras no site e nas redes sociais e participou de feiras do setor. O objetivo das ações foi enfatizar que o produto é 100% natural. “As pessoas se interessam pelos rótulos, mas não sabem diferenças técnicas entre sucos naturais e os adoçados artificialmente”, diz Rafael Ivanisk Oliveira, presidente da Natural One.
A estratégia da empresa é ampliar a participação no mercado não apenas com o lançamento de novos sabores de sucos, mas também com a diversificação de produtos — hoje, oferece 26 opções aos consumidores. Em agosto, por exemplo, lançou quatro sabores de smoothies, uma mistura de frutas e cereais. “Procuramos ampliar os momentos em que podemos estar com o cliente”, diz Oliveira. O mesmo caminho tem seguido a paranaense Campo Largo. A marca de bebidas não alcoólicas surgiu há nove anos com o lançamento do suco de uva integral e abriu uma nova frente de negócios para a fabricante de vinhos Famiglia Zanlorenzi.
De lá para cá, 43 produtos foram lançados, ajudando a Campo Largo a aumentar as vendas em 50% ao ano. O mais recente lançamento é a Kombucha, uma mistura fermentada natural de chás e frutas, inspirada no Oriente. A receita milenar levou ao desenvolvimento de três sabores da bebida, lançados pela Campo Largo em maio. O plano é distribuir a Kombucha em 40.000 pontos de venda espalhados pelo país. “Queremos despertar o interesse do consumidor e fortalecer essa nova categoria de produto”, diz Giorgeo Zanlorenzi, presidente da Famiglia Zanlorenzi.
Conquistar clientes, porém, não é uma tarefa simples. Apesar do avanço de produtos com o apelo de saudáveis, ainda há muitas pessoas que consomem — e preferem — bebidas com alta taxa de adoçantes e calorias. Foi o que constatou a Coca-Cola. Em julho do ano passado, a empresa decidiu tirar do mercado a Sprite e a Sprite Zero, deixando apenas a Sprite Sem Açúcar. Os fãs da velha Sprite reclamaram tanto que, em maio deste ano, a Coca-Cola relançou o refrigerante com a receita original. Dessa experiência, ficou uma lição. “Tivemos a oportunidade de aprender que há todo tipo de consumidor e, muitas vezes, a mesma pessoa pode escolher diferentes produtos em diferentes momentos”, diz Andrea Mota, diretora de sustentabilidade da Coca-Cola. Em linhas gerais, a companhia tem caminhado em direção à fabricação de produtos mais saudáveis — no ano passado, diminuiu o açúcar em 17 de seus 213 produtos e, hoje, 75% das cerca de 20 marcas possuem versões de baixa caloria.
A redução do teor de açúcar é uma resposta das fabricantes a um movimento global que tem impacto na rentabilidade do negócio. Nos últimos quatro anos, mais de 30 países criaram impostos adicionais sobre bebidas açucaradas. Por aqui, a discussão do tema dá os primeiros passos. No fim de novembro, o Ministério da Saúde e a indústria de alimentos assinaram um acordo para reduzir a quantidade de açúcar em alimentos e bebidas, com metas a ser cumpridas até 2020 e 2022. Alguns especialistas consideraram muito tímidas as metas — o refrigerante Coca-Cola, por exemplo, já cumpre o limite de açúcar proposto. Ainda assim, o fato de o tema ter entrado na pauta de debates não deixa de ser um avanço. “No mundo todo, a tendência é consumir menos, mas melhor”, diz a analista Angélica Salado, da Euromonitor. Eis um bom exemplo de que menos pode ser mais — para a saúde do consumidor.