Desemprego: mercado de trabalho tem dado sinais de moderação, apesar de as taxas de desemprego continuarem em patamares considerados baixos (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 30 de março de 2015 às 18h04.
São Paulo - "O passado é um rico depósito de analogias que molda percepções e orienta decisões de políticas públicas. Essas analogias são especialmente influentes em crises, quando não há tempo para reflexões.
Elas são potentes quando, num momento de tensão, os chamados especialistas não conseguem concordar nem sobre as bases que devem sustentar uma análise. Carregam ainda mais peso quando há uma estreita correspondência entre eventos atuais e um fato histórico. São extremamente poderosas quando a situação é grave e o momento pode ser definidor para um país.
Para as autoridades econômicas confrontadas em 2008 com a crise financeira mais grave em 80 anos, a analogia foi a Grande Depressão, ocorrida na década de 30. Dada a estreita correspondência entre os dois eventos, a história da Grande Depressão acabou moldando percepções e reações.
Por isso, o governo americano e o de outros países reagiram rápida e energicamente. Bancos centrais cortaram taxas de juro e injetaram liquidez nos mercados financeiros. Não demorou para que programas de estímulo fiscal fossem lançados.
Ao fim, os esforços para recapitalizar os bancos, ainda que provisórios, foram suficientes. O colapso do sistema monetário e financeiro foi evitado. Acima de tudo, a confiança na democracia e na economia de mercado não desmoronou.
Na minha visão, o grande paradoxo é que não conseguimos fazer mais. O desemprego nas economias avançadas ainda se mantém na casa dos dois dígitos — não tão alto como na Grande Depressão (que chegou a 27%), mas superior ao de recessões normais e mais elevado do que o projetado por aqueles que aprenderam a crer que a ciência econômica havia desvendado a fórmula de como evitar um colapso.
Além disso, as dificuldades financeiras foram mais graves do que as esperadas por aqueles que acreditavam que bancos centrais e reguladores haviam aprendido a impedir uma crise nos moldes da vista nos anos 30. Vale também lembrar que a recuperação foi prejudicada por crescimento lento, desemprego alto, taxa de participação da força de trabalho em queda e que permaneceu morosa demais em razão do excesso de endividamento das famílias e das empresas.
Pode-se argumentar que desemprego alto e recessão profunda são inevitáveis depois de uma crise financeira. Mas, caso se tome isso como verdade, o paradoxo, então, é que não conseguimos prever e muito menos nos preparar para a possibilidade de uma grande crise.
A crença de que sabíamos como evitar um novo colapso econômico, agora sabemos, era terrivelmente equivocada. A instabilidade econômica e financeira dos anos 20 e 30 pode ter sido fortemente influenciada por inflação e deflação. Mas isso não significa que, controlada a questão dos preços, outros riscos à estabilidade tenham sido eliminados. Pelo contrário, como demonstra o período que antecedeu a crise de 2008 e 2009.
O longo período de estabilidade econômica encorajou investidores a assumir riscos extras. Os 80 anos que se passaram desde que as economias avançadas experimentaram pela última vez uma crise igualmente séria enfraqueceram a consciência de que sistemas financeiros são instáveis.
Os operadores do mercado inovam continuamente, ora para melhor servir a seus clientes, ora para se esquivar da regulação. Os cães de caça dos órgãos reguladores são incapazes de acompanhar os cães de corrida bem nutridos do setor privado. Isso sugere que, quanto mais tempo dura o período de estabilidade, maiores são os riscos.
Além disso, um longo período de bonança reforça argumentos de que as regras do mercado são excessivamente duras. A resposta regulatória à Grande Depressão foi um sistema financeiro rigidamente controlado, mas, com o passar do tempo, representantes do sistema financeiro começaram a argumentar que as regras para os bancos poderiam ser relaxadas ou removidas.
Experiências recentes nos lembram que as causas de crises não são simples e, consequentemente, não tão facilmente identificadas e evitadas. Os economistas do presidente Barack Obama não sabiam quão rapidamente a economia estava encolhendo em 2009. O problema não era que eles não sabiam como reagir a determinado conjunto de condições. Era que eles não conheciam quais eram essas condições.
Uma crise é um período em que o ritmo dos acontecimentos parece se acelerar e em que as informações ficam particularmente incompletas.
Esse é apenas um exemplo de como a Grande Recessão provocada pela crise de 2008 mudará a maneira como compreendemos a Grande Depressão dos anos 30.
Hoje podemos avaliar melhor a tendência ao endividamento provocada por longos períodos de estabilidade. Entendemos melhor a tentação de reduzir toda a arte da política econômica a uma regra simples — como uma meta de taxa de inflação de 2%. Compreendemos melhor a raiva gerada por salvamentos de banqueiros inescrupulosos e como isso complica a concessão de respaldo público a bancos encrencados.
Descobrimos que ver o futuro pelas lentes do passado pode tanto distorcer como iluminar (em 2010, os europeus estavam obcecados com o risco de uma inflação nos moldes dos anos 20 quando a deflação era um perigo real e presente). E compreendemos melhor os instintos que levaram governos a cortar gastos prematuramente no meio de uma crise.
Em resumo, compreendemos melhor que análises econômicas não bastam. As políticas concebidas com base nessas análises precisam ser implementadas — e geralmente ideologias e agendas políticas criam obstáculos. O fato de que as autoridades econômicas tenham feito apenas o suficiente para impedir outra Grande Depressão significa que pouco se avançou no sentido de tornar o mundo um lugar financeiramente mais seguro.
Apesar de os bancos agora estar sujeitos a requisitos de capital e liquidez ligeiramente mais altos, pouco de significativo foi feito sobre o problema das instituições “grandes demais para quebrar”. O fato de outra Grande Depressão ter sido evitada enfraqueceu o argumento em defesa de mudanças mais radicais.
A crise criou um sentido de urgência, mas não urgência suficiente para superar os problemas. Com isso, o êxito das autoridades econômicas em limitar os danos da pior crise financeira em 80 anos significa que provavelmente veremos outra crise do gênero em menos de 80 anos.”
Barry Eichengreen é economista e professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley.