Revista Exame

Conheça o Einstein GPT e como ele traz a IA a favor dos clientes

Como os grandes modelos de linguagem de IA e a nova geração de chatbots estão revolucionando a interação das empresas com os consumidores

Escritório da Microsoft em Washington: investimento de 10 bilhões de dólares no ChatGPT (David Ryder/Bloomberg/Getty Images)

Escritório da Microsoft em Washington: investimento de 10 bilhões de dólares no ChatGPT (David Ryder/Bloomberg/Getty Images)

Daniel Salles
Daniel Salles

Repórter

Publicado em 30 de junho de 2023 às 06h00.

Última atualização em 30 de junho de 2023 às 17h16.

“A única fonte do conhecimento é a experiência”, teria dito Albert Einstein (1879-1955). A célebre frase do físico alemão resume a lógica por trás do primeiro assistente virtual para CRM com base em inteligência artificial (IA) generativa. Apresentada pela Salesforce em março e ainda em fase de testes, a novidade foi batizada, apropriadamente, de Einstein GPT. Trata-se de um aprimoramento de outra tecnologia criada pela companhia, o Einstein, que também recorre à IA e faz atualmente mais de 200 bilhões de previsões por dia na plataforma Customer 360.

Como todo assistente do tipo, o Einstein GPT vai sendo aprimorado conforme é utilizado — daí a relação com a frase do pai da teoria da relatividade. A novidade permite aos clientes da Salesforce utilizarem conteúdos gerados por IA em todas as interações de vendas, serviços, marketing, comércio e tecnologia da informação. O que significa na prática? Que o Einstein GPT pode redigir, por exemplo, e-mails personalizados para os vendedores enviarem aos consumidores. Também é capaz de criar respostas específicas para os profissionais de atendimento ao cliente, acelerando a resolução de problemas, além de gerar códigos automaticamente para os desenvolvedores e produzir conteú­do direcionado para os profissionais de marketing, entre outras soluções.

“Com o surgimento de tecnologias em tempo real e da IA generativa, o mundo enfrenta uma das mudanças tecnológicas mais profundas”, declarou Marc Benioff, CEO e fundador da Salesforce, durante a apresentação do Einstein GPT. “Isso ocorre em um momento crucial, pois todas as empresas estão focadas em se conectar com seus clientes de maneira mais inteligente, automatizada e personalizada.” Na ocasião, o executivo também anunciou que a área de investimentos da multinacional, a Salesforce Ventures, separou 250 milhões de dólares para acelerar startups determinadas a desenvolver IA generativa de maneira confiável e responsável.

Banco Inter: atendimento pelo chatbot Babi (Divulgação/Divulgação)

Os temores que rondam o tema são conhecidos. “Esses sistemas só devem progredir quando estivermos confiantes de que seus efeitos serão positivos; e seus riscos, gerenciáveis”, diz a célebre carta divulgada em março pelo Future of Life Institute, organização que busca reduzir os possíveis riscos de grandes tecnologias para a humanidade. Assinado por figuras conhecidas, como Elon Musk e Steve Wozniak, um dos fundadores da Apple, o documento propõe uma pausa de seis meses no desenvolvimento dos modelos de inteligência artificial.

Apostar demais na IA, tuitou um dos signatários da carta, o historiador e escritor israelense Yuval Noah Harari, “pode servir apenas para fortalecer a estupidez natural dos humanos”. Pouco depois da divulgação da missiva, que angariou milhares de assinaturas, governos como o dos Estados Unidos passaram a refletir sobre a necessidade de regular o segmento. O risco cogitado pelos mais alarmistas é de um amanhã similar ao imaginado pela série O Exterminador do Futuro. Nos filmes protagonizados pelo robótico Schwarzenegger, a Skynet, um sistema de defesa movido por IA, decide, de uma hora para a outra, que a humanidade é uma ameaça — e resolve aniquilá-la com direito a uma guerra nuclear. 

Exageros à parte, ninguém tem dúvidas de que a IA generativa provocará mudanças drásticas. Em um artigo, pesquisadores da OpenAI disseram que quase 80% dos trabalhadores americanos poderão ter 10% de suas tarefas automatizadas por grandes modelos de linguagem (LLM, na sigla em inglês). O mais conhecido é o badalado ChatGPT, a maior invenção dessa startup, na qual a Microsoft prometeu injetar 10 bilhões de dólares. De acordo com o Goldman Sachs, até 300 milhões de empregos em tempo integral serão automatizados graças a novidades do tipo. O banco estima que 18% dos postos de trabalho serão afetados globalmente, principalmente em paí­ses com economias mais avançadas. E a instituição ainda prevê que até um quarto dos empregos americanos e europeus poderá ser completamente substituído por sistemas que se valem de algoritmos.

Yuval Noah Harari: escritor israelense tem ressalvas à IA (Yal Warshavsky/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)

Há também previsões encorajadoras. O mesmo Goldman Sachs estima que, na década seguinte à eventual adoção generalizada da IA, ​​o PIB global poderá crescer a um ritmo de 7% ao ano. Vale dizer que o banco não acredita que os empregos sujeitos à automação serão substituídos por novidades como o ChatGPT — e sim complementadas. De acordo com a instituição, alguns profissionais se veriam livres de executar até 50% das tarefas atuais. Beira o consenso que os chamados white collar jobs, os empregos de quem costuma trabalhar atrás de uma mesa de escritório, geralmente dando ordens, deverão ser bem mais impactados do que os blue collars, que demandam algum tipo de trabalho braçal. Estes, provavelmente, sairão incólumes.

O Einstein GPT já nasceu integrado à tecnologia do ChatGPT — que levou apenas dois meses para atingir 100 milhões de usuários, número que o Instagram demorou dois anos e meio para alcançar. “Estamos entusiasmados em aplicar o poder da tecnologia da OpenAI no CRM”, declarou Sam Altman, o CEO da startup. “Vai permitir que mais pessoas se beneficiem dessa tecnologia e nos possibilitará aprender mais sobre o uso dela no mundo real, o que é fundamental para o desenvolvimento responsável e a implantação da IA.” O novo assistente virtual da Salesforce, líder global em software de gestão corporativa, também foi incorporado a todas as nuvens do grupo, à plataforma Data Cloud, ao ­Slack e às soluções oferecidas por outras divisões, como Tableau e MuleSoft. 

Daniel Hoe, da Salesforce: aposta no Einstein GPT (Divulgação/Divulgação)

A Salesforce, na verdade, lançou cinco assistentes virtuais baseados em inteligência artificial generativa. O Einstein GPT for Service escreve artigos e respostas personalizadas automáticas para os agentes responsáveis pelo atendimento aos consumidores. Voltado para equipes de vendas, o Einstein GPT for Sales se incumbe de preparar e-mails, prever interações e agendar reuniões. Já o Einstein GPT para marketing cria conteúdos personalizados e criativos para engajar consumidores e clientes em potencial por meio de diferentes canais. E ainda há uma versão específica para desenvolvedores de ­softwares e outra para o Slack. Arrematada pela Salesforce por 27,7 bilhões de dólares, a plataforma de comunicação empresarial também está integrada ao ChatGPT.

Os chatbots treinados pelo Einstein — e em breve pelo Einstein GPT — já fazem toda a diferença para diversas companhias. Em resumo, permitem aos clientes resolverem problemas a qualquer hora do dia, de segunda a segunda. Se muitas empresas, até há pouco, obrigavam os consumidores a amargar longos minutos ao telefone, hoje, graças à IA, bastam alguns cliques. Atualmente, de acordo com uma pesquisa da Salesforce, 83% dos clientes esperam interagir imediatamente com alguém quando entram em contato com uma empresa. “É de esperar que esse patamar chegue a 100% em pouco tempo”, diz Daniel Hoe, diretor de marketing da Salesforce na América Latina. “Como consumidores, todos nós estamos muito ‘mimados’. E daí a vantagem de tecnologias que facilitam a interação com os clientes e permitem o atendimento de vários ao mesmo tempo.”

Diretor de engenharia e soluções da multinacional, Gabriel Dornella alerta para a importância de alguns cuidados antes da adesão aos chatbots. “Os clientes devem ser avisados imediatamente de que não estão conversando com atendentes de carne e osso e precisam ser informados sobre a lista de demandas que a automação é capaz de resolver”, argumenta. “Algumas tarefas, como a averiguação de fraudes, costumam ser confiadas apenas a atendentes de verdade, aos quais os chatbots precisam dar espaço sempre que preciso.” Tem funcionado. De acordo com a Salesforce, as empresas conseguem concluir até 80% das conversas travadas com os chatbots sem que um atendente de carne e osso entre em cena.

Goldman Sachs: estimativa de automatização pela IA (Jason Alden/Bloomberg/Getty Images)

No Brasil, o chatbot mais conhecido ganhou status similar ao de muitos influenciadores digitais. Falamos da Lu, do Magazine Luiza. Criada em 2003, ela é apresentada pela varejista como uma influenciadora virtual 3D. Com 6,3 milhões de seguidores, a conta dela no Instagram é a mesma da companhia. A personagem já estampou uma capa digital da Vogue Brasil, figurou em clipes da Anitta e do Alok e fez parcerias com uma porção de marcas, como Samsung, Red Bull, Adidas e McDonald’s. No ano passado, faturou um Leão de Ouro no Festival de Publicidade de Cannes, na França, na categoria Social e Influenciadores. Um estudo realizado pelo site Onbuy.com estima que o Magazine Luiza embolse 17 milhões de dólares por ano só com a imagem da Lu.

A Babi, o chatbot do banco Inter, não chegou a tanto. Lançada em 2018, ela registra 1,4 milhão de interações por mês, está associada a 4.800 fluxos de conversa e a 90 serviços. Mais de 70% dos diálogos são dados como resolvidos. Outro dado animador para o banco: 2% das interações são convertidas em novas receitas graças às sugestões que ela faz, por conta própria, a respeito de aplicações e produtos como seguros e financiamentos. Tudo isso, claro, em função da IA. “Para um cliente que sempre costuma frequentar postos de gasolina, por exemplo, a Babi poderá oferecer um seguro automotivo caso ele ainda não disponha de um”, explica Ernane Drumond, superintendente de customer experience (CX) do Inter. “Em geral, ela consegue compreender com muita assertividade as demandas de nossos clientes.”

Tarefas simples, como o envio de cartões de crédito e a atualização de cadastro, a Babi executa tranquilamente. “Ela pode atender, com um toque personalizado, tanto 100 quanto 1.000 pessoas ao mesmo tempo. Isso permite ao banco concentrar esforços em outras áreas”, acrescenta Drumond. Ele conta que a maioria dos clientes se sujeita de bom grado ao chat­bot. “Geralmente, os que demonstram resistência à Babi nunca interagiram com ela”, sustenta. “Os que fazem questão de falar com um atendente de carne e osso do início ao fim são raridade.” O que a assistente virtual não é capaz de fazer? Renegociação de cobranças, análises relacionadas ao lançamento de faturas e outras demandas do tipo, prontamente repassadas para a equipe de atendimento. O chatbot, no entanto, está programado para dar explicações detalhadas sobre todas as áreas de atuação do Inter.

Chegará um dia em que os assistentes virtuais baseados na IA vão se encarregar do atendimento por completo? Pelo andar da carruagem, provavelmente sim. Por ora, a maioria das companhias enxerga essa hipótese com cautela. “Temos estudado a possibilidade de dar mais autonomia à Babi, mas ainda é cedo”, registra Drumond. “Os grandes modelos de linguagem (LLMs) aprenderam a escrever muito bem e com enorme autoridade, mas os textos criados, às vezes, estão cheios de informações erradas”, lembra Daniel Hoe, o diretor de marketing da Salesforce. “No entanto, estamos só no começo do desenvolvimento da IA a favor dos negócios.” Pelo sim, pelo não, ele recomenda que ninguém se esqueça do principal motivo que leva uma empresa a optar por uma automação: estreitar o relacionamento com os clientes. “Se a tecnologia, por algum motivo, afastá-los, tem alguma coisa muito errada”, conclui.

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