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Ganhar produtividade não é o bastante para o país crescer

Para Clayton Christensen, o mais renomado guru de inovação, apenas o investimento em produtividade não tira uma economia da crise


	Clayton Christensen, de Harvard: suas ideias influenciam empresários e executivos há duas décadas
 (Getty Images)

Clayton Christensen, de Harvard: suas ideias influenciam empresários e executivos há duas décadas (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 2 de novembro de 2015 às 04h56.

São Paulo — Quando o assunto é inovação nas empresas, não há nome mais respeitado do que o do americano Clayton Christensen. Aos 63 anos, o professor da Universidade Harvard influencia há duas décadas empresários e executivos no mundo todo.

Sua teoria mais famosa, descrita em 1995 num artigo acadêmico e difundida no best-seller O Dilema da Inovação, de 1997, é a que grandes companhias perdem a liderança justamente quando não investem em tecnologias inéditas capazes de criar novos mercados. Recentemente, Christensen voltou a se debruçar sobre o mesmo tema, mas agora de um novo ângulo: o do emprego.

Para ele, o debate deveria estar centrado em por que o investimento em inovação nem sempre gera empregos — e muitas vezes, ao contrário, leva ao fechamento de postos de trabalho. Esse fenômeno é chamado por Christensen de “o dilema do capitalista”.

Ou seja, as empresas investem muito na redução de custos e no aumento da produtividade, mas esquecem a inovação disruptiva — aquela que cria novos mercados e empregos. Isso tem gerado um desequilíbrio no mercado de trabalho que só atrapalha a recuperação econômica após uma crise.

“Demorou seis anos para que os Estados Unidos recuperassem o mesmo nível de emprego que tinham antes da crise de 2008, o maior intervalo entre todas as recessões anteriores”, diz Christensen, que virá a São Paulo em novembro para o evento HSM ExpoManagement. Ele falou a EXAME por telefone.

Exame - Sua teoria da inovação disruptiva completou 20 anos em 2015. O senhor acredita que as empresas desenvolvem mais tecnologias inovadoras hoje?

Se compararmos ao que ocorria há 20 ou 30 anos, creio que estamos num momento menos disruptivo. Existe muita inovação acontecendo, mas a maioria traz apenas um aumento de eficiência. Dinheiro e cientistas para avançar tecnologicamente existem, mas falta direcioná-los para o que real­mente gera impacto.

Exame - O senhor tem afirmado que é preciso investir em inovação disruptiva para acelerar a recuperação econômica em momentos de crise. Por quê?

Há evidências de que uma economia leva cada vez mais tempo para sair de uma recessão. A economia americana, por exemplo, está melhor agora, mas demorou seis anos para recuperar o mesmo nível de emprego que tinha antes da crise de 2008. É o maior intervalo entre todas as recessões anteriores, desde o início do século 20.

Exame - E por que demora mais agora?

Hoje, poucas empresas estão investindo em tecnologias inéditas. Existem três tipos de inovação: sustentadora, de eficiência e disruptiva. Cada uma tem papel importante para que a economia seja robusta e sustentável.

Mas a inovação que gera crescimento econômico é a disruptiva. É a que cria novos mercados, porque permite baratear produtos ou serviços que, historicamente, eram inacessíveis à maior parte da população. É o que vimos acontecer com os computadores e smartphones, por exemplo.

Exame - Outros tipos de inovação não geram crescimento econômico?

Não. A maior parte das inovações está na categoria sustentadora. O propósito delas é fazer com que os bons produtos que já existem fiquem melhores. Elas substituem o antigo pelo novo, o que é importante para manter a concorrência entre as empresas e a rentabilidade dos negócios. Mas elas não criam novos postos de trabalho. Apenas mantêm aqueles que já existem.

Exame - E qual é o mérito da inovação que traz apenas eficiência?

Ela é importante porque permite fabricar um produto ou prestar um serviço com menos capital, aumentando a produtividade. Mas, como conse­quência, ela elimina empregos.

Com isso, o lucro aumenta, e as empresas distribuem mais dinheiro aos investidores. Se esse capital extra fosse aplicado em inovações disruptivas, haveria geração de empregos suficiente para compensar a queda no número de vagas. Mas isso não está acontecendo.

Exame - Por que não?

No mundo todo, as empresas passaram a adotar métricas financeiras para calcular o retorno de seus investimentos em inovação. O problema é que o investimento em tecnologias disruptivas somente produz efeito em cinco ou dez anos. Isso significa que a taxa de retorno cai durante esse perío­do.

Por outro lado, se há mais inovação de efi­ciên­cia, a taxa de retorno sobe e a situa­ção financeira da empresa fica melhor. Esse é o dilema do capitalista. As empresas investem em tecnologias que focam o curto prazo e deixam de se preocupar com o futuro.

Exame - Mas empresas mais eficientes tendem a crescer, a expandir suas operações e, portanto, a contratar mais pessoas...

Sim. Ao analisar uma empresa in­divi­dual­­­­mente, é isso o que ocorre. Quando o Walmart chega com uma loja enorme numa cidade, com preços 20% menores do que os dos concorrentes, a empresa tem de contratar muitas pessoas para operar essa unidade.

Por outro lado, os pequenos comerciantes não conseguem competir e acabam fechando. O saldo para a cidade é que existe mais gente desempregada, embora o Walmart tenha tornado o negócio mais eficiente.

Exame - Ainda assim, há empresas com foco na criação de novas tecnologias?

Sim, existem empresas que perceberam a importância de investir em inovações disruptivas e ganharam mercado. A fabricante de eletrodomésticos indiana Godrej criou uma geladeira de baixo custo, no formato de cooler, vendida por 39 dólares. Por causa disso, muitas pessoas de baixa renda na Índia agora podem ter uma geladeira.

Exame - Mas, nesse caso, qual a garantia de que haverá criação de empregos?

Em qualquer país, as empresas precisam pensar em produtos ou serviços hoje inacessíveis para sua população e criar formas de barateá-los. Toda a cadeia se beneficia, porque é preciso contratar mais pessoas para criar, produzir, vender e servir essa inovação. É dessa maneira que novas indústrias nascem.

Exame - Tradicionalmente, os países desenvolvidos lideram a produção de novas tecnologias. Como eles podem avançar mais?

É preciso focar os problemas das pessoas. A educação superior é um exemplo de transformação que acontece em países desenvolvidos. Em geral, um curso de graduação em uma boa faculdade custa 250 000 dólares nos Estados Unidos. Obviamente, uma típica família americana não é capaz de bancar esse custo.

No entanto, o ensino online a distância tem reduzido o valor e está permitindo que mais pessoas tenham acesso à educação superior de boa qualidade antes confinada à elite dos estudantes. Seja na educação, seja na indústria, as inovações duradouras são as que criam um novo mercado.

Exame - É possível ganhar eficiência e aumentar o número de empregos ao mesmo tempo?

Investimentos em eficiência podem gerar empregos temporariamente. Uma empresa pode abrir uma fábrica no exterior em busca de custos menores, por exemplo. No primeiro momento, há a geração de postos de trabalho. Mas o número de vagas tende a diminuir com o tempo, à medida que a operação fica mais eficiente.

O mesmo ocorre na indústria de extração de recursos naturais. Nesse setor, as empresas têm de alcançar o máximo de efi­ciên­cia para competir no mercado global. Essa é a razão de os países ricos em recursos naturais não conseguirem usar apenas essa indústria para tornar a economia local mais produtiva e próspera.

Exame - Então, se um país continuar a investir só em commodities, não terá uma geração de empregos sustentável?

Correto. Há 40 anos, Taiwan e Filipinas eram países asiáticos bastante pobres. Mas Taiwan investiu no desenvolvimento de uma indústria de microeletrônica e conseguiu prosperar. As Filipinas nunca fizeram isso e conti­nua­ram empobrecidas.

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