Revista Exame

Futuro integrado

Empresas integram sua infraestrutura de nuvem para melhorar o uso da IA

Daniel Pretti, do Google Cloud Brasil: desafio é dispor de uma tecnologia de ponta para análise de dados que opere entre diferentes nuvens

Daniel Pretti, do Google Cloud Brasil: desafio é dispor de uma tecnologia de ponta para análise de dados que opere entre diferentes nuvens

AM
Angelica Mari

Colaboradora

Publicado em 29 de abril de 2024 às 06h00.

Última atualização em 6 de maio de 2024 às 10h29.

A digitalização de organizações no Brasil passou por uma sofisticação sem precedentes nos últimos anos. Rumo a um novo estágio de maturidade e em meio a um cenário cada vez mais complexo, empresas agora buscam integrar sua infraestrutura de nuvem para atender às demandas da inteligência artificial (IA).

Uma das principais heranças da pandemia de covid-19, a adoção da nuvem por empresas de diversos setores, foi impulsionada pelo trabalho remoto e por demandas de operações digitais. O mercado de cloud reflete essa evolução: gastos nessa área devem superar a marca de 7,5 bilhões de reais no Brasil em 2024, segundo previsões da empresa de análise de mercado IDC.

Com premissas que incluem armazenamento, gestão e acesso a informações em larga escala, a computação em nuvem é a principal aliada para garantir o sucesso de iniciativas em IA. Nesse cenário, ter à disposição múltiplos serviços de nuvem tornou-se uma prática usual para apoiar o processamento computacional exigido por aplicações com a tecnologia, sobretudo modelos generativos de empresas como a OpenAI.

“A estratégia de ser multi-cloud permite acessar a melhor solução para cada tipo de problema que uma organização pode ter, já que cada provedor de nuvem tem sua especialidade”, diz Gustavo Araújo, CIO e sócio da rede de centros de inovação Distrito.

Ter vários provedores de cloud, porém, requer uma visão unificada e em tempo real dos dados. Essa consolidação ajuda empresas a, por exemplo, identificar tendências e oportunidades mais rapidamente, e tomar decisões estratégicas com base em informações precisas e atualizadas. “[A integração] melhora a eficiência operacional e permite uma experiência do cliente mais personalizada,” explica Gabriel ­Dornella, diretor sênior de arquitetura da Salesforce na América Latina.

A integração também resolve problemas que organizações tendem a encontrar no trabalho com alto volume de informações, ao eliminar silos — coleções isoladas de dados que não são facilmente acessíveis ou utilizáveis por outras partes da organização. “[Silos de dados] podem levar a ineficiências operacionais e a uma falta de visibilidade dos dados da empresa como um todo”, pontua Dornella.

A resolução de questões de conformidade e segurança de dados também pode ser simplificada quando as diversas nuvens de uma organização estão integradas, diz o executivo da ­Salesforce. “Com todas as informações em um só lugar, fica mais fácil garantir que todos os dados estejam seguros e em conformidade com as regulamentações relevantes”, ressalta.

Daniel Lázaro, da Accenture: é preciso garantir governança, segurança e proteção de dados adequadas (Google Cloud Brasil/Divulgação)

Casa em ordem

A integração de dados também é crucial para a utilização plena dos modelos de IA já existentes em uma organização. É o caso da Localiza, de aluguel de veículos, que vê a unificação de plataformas de nuvem como elemento fundamental para apoiar a estratégia de negócio (veja box na pág. 51).

“Com o crescimento de novos modelos de machine learning — que, cada vez mais, suportam tanto a decisão preditiva quanto a prescritiva —, assim como a acelerada experimentação e adoção de métodos de IA generativa, a integração dos dados é imprescindível”, diz André Petenussi, chief technology officer (CTO) na Localiza.

Porém, administrar um ambiente de nuvem com diversas opções não é uma tarefa simples: à medida que as fontes de dados que alimentam a IA se multiplicam, a complexidade da gestão aumenta. O momento atual das empresas no que se refere à cloud e à integração para a era pós-ChatGPT é de compreender seus ativos de nuvem, bem como sua localização, finalidade, custo e como agregam valor aos objetivos de negócios.

Para empresas que acumularam um arsenal de recursos tecnológicos nos últimos anos, que nem sempre foram administrados de forma eficiente, esse não é um exercício trivial. “Falou-se muito em trazer coisas novas [para o portfólio de tecnologia de uma empresa], mas pouco sobre a necessidade de desmantelar sistemas obsoletos e garantir uma governança, segurança e proteção de dados adequadas”, frisa Daniel Lázaro, líder de data&AI para growth markets na consultoria Accenture.

Mas existem diferenças em relação à forma como acompanhias tradicionais e startups tratam o tema. “Empresas tradicionais precisam lidar com o desafio e o custo de substituir sistemas por softwares mais modernos, nativos em cloud”, diz Araújo, da Distrito, acrescentando que startups têm a vantagem de já começarem seus negócios na nuvem, sem a necessidade de reescrever legados. 

O Inter “renasceu” na nuvem em 2018, um ano depois de deixar de se chamar Banco Intermedium. O banco digital fez um “big bang”, movendo todas as aplicações e servidores para a nuvem em um período de cinco dias. De lá para cá, trata a infraestrutura de cloud como uma startup de alto crescimento.

“Nosso foco está no produto, e não em manter a infraestrutura dentro de casa. Ter uma estratégia integrada de nuvem nos dá escalabilidade, eficiência e vantagem competitiva”, diz Carlos Pedrosa, superintendente de TI no banco.

Carlos Pedrosa, do Inter: “Nosso foco está no produto, e não em manter infraestrutura dentro de casa” (Arquivo Pessoal/Divulgação)

Áreas de atenção

Entre os erros comuns que empresas cometem na integração de nuvem está a falta de planejamento adequado, que pode levar a problemas como incompatibilidade e perda de dados, ou tempo de inatividade do sistema. “Para evitar isso, é importante realizar um planejamento cuidadoso antes da integração, incluindo uma análise completa dos requisitos de dados e uma avaliação das capacidades das diferentes plataformas de nuvem”, aponta Dornella, da Salesforce.

Subestimar a importância da segurança dos dados também está no rol de tropeços que tendem a ocorrer em processos de integração. “A transferência de dados entre diferentes plataformas de nuvem pode aumentar o risco de violações”, adverte Dornella, ressaltando a necessidade de medidas de segurança robustas, como criptografia e autenticação, para proteger os dados durante a transmissão.

Não fornecer treinamento e suporte é outra falha comum. “Isso pode levar a erros de usuário e baixa adoção do sistema. Para evitar esse tipo de problema, as empresas devem fornecer treinamento abrangente e suporte contínuo aos usuá­rios durante e após o processo de integração”, diz o especialista da Salesforce.

Porém, o principal desafio no processo de integração é não dispor de uma tecnologia de ponta para análise de dados que opere entre diferentes nuvens, diz Daniel Pretti, head de engenharia do Google Cloud Brasil.

Embora os dados sejam um componente crítico das tomadas de decisões nas organizações, muitas vezes esses dados estão espalhados por várias nuvens públicas, diz o executivo do Google. “O custo da movimentação de dados entre provedores de nuvem gera preocupações para diversas empresas, além de dificuldade de trabalhar com diferentes provedores,” pontua Pretti.

Soluções que empresas como o Inter usam para o custo de transferência entre nuvens (veja box na pág. 53) incluem otimizar dados que serão consumidos por modelos de IA, diz Iago Moura, gerente-executivo de tecnologia no banco. “Todos os grandes modelos de linguagem [LLMs] cobram com base na quantidade de tokens, ou palavras. Ao enviar os dados que fazem a diferença para a IA generativa processar, é possível reduzir esse consumo de tokens”, diz o executivo.

Ter dados de qualidade para consumir só o que é necessário, e assim evitar a ingestão de informações inúteis por modelos — que podem ser produzidas em potenciais “alucinações” da IA —, é crucial para controlar custos: “Mas isso só é possível quando se tem uma camada de dados bem estruturada e integrada”, diz Moura.

Gabriel Dornella, da Salesforce: “Empresas devem fornecer treinamento e suporte contínuo durante e após o processo de integração” (Salesforce/Divulgação)

De olho no futuro

“À medida que as tecnologias de inteligência artificial e aprendizado de máquina continuam a evoluir, esperamos ver cada vez mais processos de integração de dados sendo automatizados”, diz Dornella, da Salesforce. Segundo ele, isso pode ajudar a reduzir o esforço manual envolvido na integração de dados e melhorar a eficiência e a precisão do processo. Outra tendência é o foco na segurança e na privacidade. “Com a implementação de regulamentações de proteção de dados cada vez mais rigorosas em todo o mundo, as empresas precisarão garantir que suas práticas de integração estejam em conformidade com as leis.”

A necessidade de mão de obra especializada é outro tema que precisa estar no radar de decisores, diz Pedrosa, do Inter. “À medida que avançarmos na integração de nuvem e explorarmos tecnologias como a IA generativa, teremos uma demanda cada vez maior por profissionais para navegar por essas complexidades. A competição por essa expertise é intensa no mercado, e deve aumentar no futuro.” 


A jornada da Localiza na integração de cloud

Com uma frota de mais de 600.000 veículos e uma base de clientes que ultrapassa 12​ milhões, a Localiza vê a integração de dados na nuvem como elemento-chave para a estratégia do negócio. “[Esses processos] são fundamentais para o crescimento que estamos experimentando na adoção dos dados como um ativo cada mais presente no dia a dia de nossas atividades”, diz André Petenussi, chief technology officer da companhia.

A locadora de veículos integra dados de diversos ambientes de nuvem de duas formas. Com o CDC (change data capture), a empresa replica eventos de bancos de dados estruturados para um data lake (repositório de dados); com o Apache Kafka, sistema que gerencia dados de diversas fontes, também envia dados para esse lugar central.

“As informações centralizadas no data lake são processadas por várias camadas de processamento, atingindo diferentes níveis de preparação e maturidade. Após essa etapa, esses dados são usados para o treinamento e a aplicação em modelos de IA,” explica Petenussi.

Um dos principais problemas enfrentados pela empresa ao integrar várias nuvens foi o grande volume de dados sendo enviados e gerenciados em tempo real, primariamente da telemetria embarcada nos carros. “Integrar todas essas informações em nossa plataforma de dados foi um grande desafio”, afirma o CTO.

O problema foi resolvido com a ajuda de soluções de internet das coisas (IoT), por meio de uma técnica de processamento de eventos em streaming que permitiu à Localiza organizar e utilizar os dados de maneira eficaz. A empresa então criou uma base de dados catalogada, para estruturar todos os diferentes níveis de maturidade dos dados de diversos serviços de forma segura.

A nova plataforma, projetada para aprimorar a integração e a gestão de dados em um ambiente de cloud, inclui um data lakehouse. A abordagem oferece flexibilidade analítica com dados diversos e permite a consolidação em camadas fisicamente segregadas.

Com dados organizados por níveis de complexidade, a plataforma se adequa às diferentes necessidades e conhecimentos específicos técnicos ou de negócios dos usuários. O projeto usa como referência a metodologia de data mesh, modelo de arquitetura de dados que opera de forma descentralizada. “Isso amplia a democratização no acesso aos dados, privilegiando a equidade do acesso em vez da igualdade — que, nesse caso, pode não beneficiar a todos,” diz Petenussi.


Como o Inter orquestra seu ecossistema de nuvem

No Inter, a união de grandes provedores de nuvem, como AWS, Microsoft, Google e ­Salesforce, é vista como um mecanismo gerador de eficiência operacional e vantagem competitiva no atendimento aos mais de 31 milhões de correntistas do banco. “A integração e a qualidade de dados são essenciais para a criação de produtos digitais assertivos com base em IA”, diz Iago Moura, gerente-executivo de tecnologia na empresa.

O Inter prioriza a interoperabilidade de dados entre nuvens, que permite que insights gerados em uma plataforma sejam aproveitados em outras, em tempo real. “Poder ‘chavear’ o uso de cada uma dessas plataformas de acordo com o que precisamos nos ajuda a otimizar os custos, e impulsiona nossa capacidade de inovação,” diz Moura.

APIs e microsserviços compõem a engrenagem que faz a integração funcionar: “Enquanto APIs facilitam a comunicação entre aplicações e plataformas de nuvem, microsserviços são como pequenos computadores que, juntos, funcionam como um pulmão, que infla ou se retrai conforme a demanda”, explica Carlos Pedrosa, superintendente de tecnologia da informação no banco.

Apesar das vantagens, a integração também traz desafios, como o gasto decorrente da transferência de dados. “Durante a pandemia, usou-se a nuvem para escalar muito rápido. Mas, depois dessa fase, recursos do venture capital mundial ficaram limitados e as empresas digitais precisaram revisar seus planos — no Inter não foi diferente”, diz Pedrosa. “Precisamos fazer mais com menos, e isso levou a um foco em eficiência e revisão de custos em todas as frentes, incluindo cloud.”

Segundo Pedrosa, o Inter mantém visibilidade de custos de cloud por meio de práticas de FinOps — disciplina de gestão financeira em nuvem que visa ajudar empresas a obter o máximo de retorno do investimento em tecnologia — e otimização de códigos e softwares, além da automação da governança da nuvem. “Nossa estratégia de nuvem está focada em escalabilidade e segurança, permitindo o crescimento da base de clientes sem um aumento proporcional de custos”, finaliza. 

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