(Richard Drury/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 5 de novembro de 2020 às 05h36.
No Brasil, fazer faculdade parece mais compulsório para os jovens do que o serviço militar é para os homens quando fazem 18 anos. Se a pessoa chega aos 17 anos sem saber qual graduação ela vai fazer, logo é tachada de perdida. Eu faço questão de ir na contramão: faculdade não deveria ser mandatório. Nem todo mundo precisa de graduação, muitas profissões podem ser construídas de outras maneiras. E a faculdade há muito tempo já não entrega o que promete. Quando penso na área que conheço melhor porque é a área em que atuo, publicidade, minha certeza se intensifica. Ninguém deveria passar quatro anos em uma faculdade de modelo tradicional e engessado para poder trabalhar com publicidade e marketing. Sei disso na prática porque, como dono de agência, contrato gente recém-graduada a todo momento.
Toda vez que eu contratava um estudante ou um recém-formado em publicidade, propaganda, marketing e relações públicas, eu percebia que o candidato chegava cru e desatualizado. O que essas pessoas ficaram fazendo quatro anos na faculdade? E, pior, quanto elas gastaram para ter essa formação deficitária? Cansado de ter de treinar cada novo funcionário que chegava, decidi eu mesmo criar uma escola de formação em publicidade e marketing de curta duração, com grandes nomes do mercado e muita mão na massa. A Cria já tem milhares de alunos — e eu já tenho um lugar de onde tirar os futuros talentos da minha agência.
Eu não entendo por que esse modelo de educação do ensino superior continua sendo replicado por anos, e menos ainda em áreas de conhecimento que poderiam ser atendidas por cursos curtos, práticos, híbridos de aulas presenciais e virtuais, e de preferência bem mais baratos. Por que, em um mundo onde as pessoas vivem hiperconectadas, a educação não se reformulou?
Fazer faculdade se tornou um fetiche social, em especial em uma sociedade desigual como a nossa. O diploma virou sinônimo de acesso a uma profissão melhor e, logo, de ascensão social e uma vida mais confortável. Ao longo das décadas de 1990 e 2000, com a proliferação das faculdades particulares e com um maior aumento na renda das classes C e D, mais gente passou a realizar o sonho do diploma. Essa democratização do ensino foi importante. O problema é que não foi tão democrática assim. As universidades públicas continuaram redutos da elite, mais preparada para os vestibulares concorridos, e coube às classes mais baixas as particulares.
Já na década da crise, em especial de 2014 para cá, o brasileiro se viu diante da grande cilada que é esse sonho do diploma. As faculdades, mesmo as mais baratas, ficaram caras. Enquanto o salário mínimo em 2020 equivale a 1.045 reais, o preço médio de uma faculdade de marketing é de 1.000 reais. Quem pode se dar ao luxo de passar quatro anos pagando uma mensalidade alta como essa? Ainda mais por uma educação que não acompanhou a evolução da sociedade nem do mercado de trabalho.
Nos Estados Unidos, onde as universidades públicas são pagas, o sonho do jovem americano de fazer uma faculdade de ponta faz alguns pais pouparem dinheiro por toda uma vida e outros se endividarem para o resto dela. Em 2020, os Estados Unidos já somam 1,56 trilhão de dólares (mais de 8 trilhões de reais) em dívidas estudantis para 45 milhões de estudantes.
LONGA, CARA E INEFICIENTE
O ensino superior sempre foi composto pelo combo educação (o que de fato se aprende em sala de aula), credencial (o sonhado diploma na parede) e experiência (ah, a vida universitária!). No contexto da covid-19, todas essas variáveis foram afetadas. A educação se tornou remota, mas não se tornou e-learning. Na maioria dos casos foi apenas transposta para o virtual e está capenga. A credencial perde a força no momento em que o foco é o pensamento inovador — e isso, definitivamente, não é algo que se aprende em uma formação tradicional. E a experiência, bom, essa é a maior perda, uma vez que é tão atrelada ao convívio físico e não existe preparo para oferecer algo similar no ambiente digital.
Os desafios do ensino à distância durante a pandemia estão deixando grandes instituições se perguntando como não se prepararam antes para uma revolução tão óbvia. E, passados longos sete meses de quarentena, já sabemos que nada de muito revolucionário aconteceu. Seguir oferecendo a mesma fórmula apenas transposta para a versão online, e cobrar o mesmo preço de aula presencial, me soa enganação. O que isso significa na prática? Que os alunos não estão vendo valor em suas formações e estão exigindo a diminuição das parcelas das mensalidades.
Por tudo isso, faço o convite: esquece o diploma. Vamos, juntos, buscar novos caminhos e outras soluções para a educação superior. Não sou contra estudar, buscar conhecimento, se aprimorar. Pelo contrário, acredito que as experiências devam ser ensinadas e compartilhadas. Sou contra a faculdade como ela é hoje: longa, cara e ineficiente. E se você ainda acha que não vai ter nenhuma chance no mercado sem a graduação formal, repito o que disse no título deste artigo: eu contrato sem diploma. Dou mais valor ao profissional ativo, antenado, cheio de garra e vontade de aprender do que a um pedaço de papel com o nome de uma faculdade.