Collins: “Empresas longevas inovam e apostam no que já fazem bem”
Da Redação
Publicado em 30 de novembro de 2017 às 05h56.
Última atualização em 30 de novembro de 2017 às 13h20.
Disciplina é um tema sobre o qual o americano Jim Collins fala com propriedade. Ex-professor na escola de negócios da Universidade de Stanford, ele baseou seus seis livros, que juntos já venderam mais de 10 milhões de exemplares, na avaliação meticulosa de milhares de companhias abertas americanas, bem e malsucedidas ao longo de décadas. No mais recente deles, Vencedoras por Opção, publicado em 2012, ele perscrutou uma base inicial de 20.400 empresas, da qual elegeu apenas sete que se encaixavam em certos parâmetros de sucesso. Entre eles está uma taxa de crescimento pelo menos dez vezes superior à de rivais ao longo de três décadas, em cenários caracterizados por mudanças bruscas que os gestores não podiam prever nem controlar.
As melhores, mostra a pesquisa, não seguiram estratégias mirabolantes nem foram mais visionárias do que as demais. E sim mais disciplinadas e paranoicas. Elas reagiram às incertezas com menos mudanças e foram mais fiéis à razão inicial de seu sucesso. Inovar, para elas, significou descobrir o que fazem melhor e repetir aquilo à exaustão. Algumas lições: dar tiros de canhão em novas direções costuma ser o gatilho para a derrocada. Não dá para prever o futuro e fazer planos infalíveis, mas dá para se preparar antecipadamente para o pior com uma dose de “paranoia produtiva”.
Com esses conceitos, há quase duas décadas, Collins se tornou referência para executivos e empresários como Jeff Bezos, fundador da gigante varejista Amazon, e Jorge Paulo Lemann, investidor brasileiro à frente da maior cervejaria do mundo, a AB InBev, e do fundo 3G, dono de empresas como Kraft Heinz e Burger King. Collins costuma recebê-los em seu laboratório de gestão, em Boulder, uma pequena cidade no estado americano do Colorado, onde também pratica montanhismo. De seu escritório, Collins deu a seguinte entrevista por telefone a EXAME.
Qual tem sido a questão mais frequente de quem o procura em seu laboratório de gestão?
A maior parte está às voltas com a seguinte questão: como o mundo vai mudar nos próximos 15 anos e como estar à frente das mudanças? Não é possível prever o futuro. Mas é possível proteger-se contra imprevistos. Em tempos de guerra, como dizia [o ex-presidente americano Dwight] Eisenhower, que comandou a invasão aliada à Normandia [no dia 6 de junho de 1944 — o Dia D da Segunda Guerra Mundial], planejamento é imprescindível. Planos são inúteis.
Como fazer um planejamento eficiente em tempos de incertezas?
É preciso desenvolver o que chamo de “paranoia produtiva” e gastar tempo pensando o que fazer caso ameaças extremas se concretizem, e como sobreviver a elas. Por exemplo, é preciso perguntar: o que pode nos matar? O que fazer se a economia piorar? E no caso de haver alguma mudança tecnológica? O que acontecerá se sofrermos um ataque cibernético?
O que mais, além da paranoia, é essencial para resistir a um ambiente como esse?
É preciso saber muito bem onde colocar suas fichas. No livro Vencedoras por Opção, estudamos um grupo de empresas que se deram bem em ambientes inseguros e voláteis. E descobrimos que as empresas mais bem-sucedidas mantêm várias tentativas paralelas de inovação e só investem pesadamente quando elas se provam, em vez de centrar fogo num único tiro de canhão que pode dar errado. Essas empresas tomaram decisões audaciosas. Quem não faz apostas grandiosas não tem resultados grandiosos. Mas, antes de atirar uma bala de canhão, elas testaram tiros menores naquela direção. É necessário ter certeza de que sua grande aposta está validada por experiências empíricas. A lição: essas empresas sabem que só poderão aprender com os erros aos quais conseguirem sobreviver. Outro aspecto importante é criar no negócio algo que comparo ao efeito de uma grande roldana de um motor. Existem enormes roldanas que precisam de muita energia para começar a rodar. Em determinado momento, elas começam a girar rapidamente e o próprio peso conta a favor dali para a frente. Boa parte do segredo das empresas que estão entre as poucas que resistem ao tempo é ter encontrado seu motor e criado o momento em que a roda começa a girar sozinha em grande velocidade. A partir daí, a empresa consegue promover seu círculo virtuoso. E essa é uma ideia-chave que apareceu logo em nossas primeiras avaliações, ainda nos anos 2000.
Quais são bons exemplos de empresas que conseguiram criar esse efeito?
Em 2001, encontrei pela primeira vez Jeff Bezos e alguns dos executivos da Amazon. Era um momento terrível, em que as pessoas estavam assustadas com a explosão da bolha da internet. Eles estavam começando a desenvolver a ideia de como construir um círculo virtuoso em torno de uma mesma proposta clara que já tinham: priorizar a experiência do consumidor. A lógica era baixar os preços de mais produtos. E, assim, atrair mais clientes. Aos poucos, expandir a loja. E aumentar as vendas em relação ao mesmo custo fixo. E fazer o ciclo voltar ao ponto inicial e se retroalimentar de maneira constante, permitindo a expansão dos negócios. Outras empresas fizeram isso bem em outros setores, como a também americana Vanguard, uma das maiores gestoras de ativos do mundo. Há quase uma década ela passou a oferecer fundos mútuos por um custo baixo, os quais deram um retorno melhor para os clientes, levando a uma fidelidade maior, o que gerou mais escala e permitiu mais descontos. De 2009 a 2016, a Vanguard conseguiu mais que dobrar os ativos sob sua gestão, os quais somam hoje cerca de 4 trilhões de dólares. Os fundadores de uma empresa de bicicleta, com sede na Califórnia, fizeram algo parecido ao analisar a história da Nike. Os executivos da Giro Sport Design fizeram produtos de ponta e conseguiram que atletas de elite os usassem. Isso influenciou outros ciclistas, gerando um círculo virtuoso para a companhia. Procurar uma grande nova aposta, que não alimenta o motor original, é o que empresas malsucedidas fazem. Significa começar a girar a roda do zero de novo e isso exige muito esforço. Por isso, pioneiros nem sempre são os mais bem-sucedidos. Quem vem depois e consegue criar um modelo de negócios com base na lógica do círculo virtuoso costuma se dar melhor.
A Amazon vem diversificando o portfólio, ao comprar a rede de supermercados Whole Foods neste ano, por exemplo. Não é uma aposta fora da proposta inicial?
Comprar o varejista americano Whole Foods e suas quase 500 lojas físicas representa uma grande extensão do círculo virtuoso da Amazon. Porque traz consigo centros de distribuição e pontos de venda que ampliam a capilaridade da entrega e podem turbinar as vendas online. Os líderes não devem se preocupar em prever ou encontrar a próxima grande aposta. Eles têm de criar a próxima aposta. E tornar essa criação parte do efeito cumulativo do círculo virtuoso. Tudo o que é criado para tornar a proposta inicial mais robusta e os ativos existentes mais produtivos costuma trazer resultados melhores.
O senhor conhece muito bem os sócios do fundo 3G, liderado pelo empresário Jorge Paulo Lemann, com quem convive há mais de 20 anos.
Hoje eles estão à frente de quatro marcas icônicas americanas de consumo e conseguiram conquistar a confiança do megainvestidor Warren Buffett.
O que é possível aprender com eles?
Tudo o que eles fazem está apoiado na tríade sonho, pessoas e cultura. Jorge Paulo Lemann criou uma cultura em torno de pessoas muito capazes que trabalham em busca de sonhos cada vez maiores. Eis a característica que, no caso deles, impulsiona o negócio para a frente. Ele gosta de contratar as pessoas excelentes para ter um exército pronto para quando as oportunidades aparecerem. A lógica é: mais gente boa vai trazer coisas grandes, o que vai exigir mais gente boa, o que vai trazer coisas ainda maiores. Manter a produção de liderança viva é um dos segredos. Outra lição é constantemente mirar sonhos grandes. Mesmo em momentos de volatilidade, esses líderes estão sempre olhando para o topo da montanha. A terceira lição é: nunca subestime a importância de nutrir a cultura de uma empresa.
Um dos clássicos escritos pelo guru Peter Drucker, considerado o pai da administração moderna, é o livro O Gestor Eficaz, relançado neste ano, exatamente 50 anos após a publicação original. O que a obra contém que ainda pode ser usado hoje?
Drucker sempre foi uma referência para mim. O trabalho dele foi todo guiado por uma mesma questão: como construímos uma sociedade mais produtiva e mais humana? É uma questão atemporal. E, mais do que isso, atual. Muito do que ele escreveu 50 anos atrás fala do mundo que vivemos hoje. Num momento em que as carreiras estão sempre mudando e é preciso se adaptar, Drucker diz: busque as tarefas que consegue fazer melhor do que qualquer um. As pessoas não deveriam fazer as coisas em que são boas ou o que as outras pessoas querem que elas façam. As pessoas deveriam focar aquilo em que são excepcionalmente boas. Outra questão é que as pessoas hoje têm muitas distrações com o ritmo atribulado ou com a tecnologia. Drucker escreveu que, se alguém quer ser eficiente, deve medir seu tempo. E verificar se a própria agenda está alinhada com as principais contribuições e prioridades que tem. É preciso muita disciplina para focar o que importa. Extrapolando essa máxima para os negócios, Drucker defendia que não se deve colocar energia em coisas que não dão muito resultado. Uma pergunta que se deve fazer ao olhar o portfólio de uma empresa: se pudesse tomar a decisão de começar aquilo hoje, seja uma unidade de negócios, seja uma divisão, a resposta seria sim ou não? Em caso negativo, a decisão correta é parar de fazer isso.
O senhor criou o conceito de líder nível 5, que reúne todas as qualidades que o tornam excelente. Esse líder naturalmente já age dessa maneira?
Além de eficientes, os líderes nível 5 são humildes e ambiciosos ao mesmo tempo. A ambição deles está projetada para fora. Um dos meus exemplos favoritos de líder nível 5 é Anne Mulcahy [ex-presidente da Xerox entre 2001 e 2009, atualmente aposentada]. Ela não queria ser presidente. Mas era ambiciosa em relação à cultura e aos resultados da Xerox. Quando Anne assumiu o comando em 2001, a empresa estava à beira do precipício. Com dívidas que somavam 19 bilhões de dólares e com apenas 100 milhões em caixa, Anne não tirou um fim de semana de descanso durante dois anos. Fechou negócios. Reinvestiu em áreas prioritárias. Em 2006, a Xerox anunciou um lucro líquido de 1 bilhão de dólares.
Pesquisas recentes em diversos países mostram que há a percepção de que o mundo está passando por uma crise de liderança. Os bons líderes são minoria hoje?
O mundo sempre vai para a frente por causa das exceções. Mas olho para essa geração que vem chegando de muitas maneiras e há razão para otimismo. No geral, percebo que eles projetam a própria ambição para causas que extrapolam os próprios interesses.
Se os líderes humildes são melhores, por que os narcisistas parecem despertar tanto fascínio?
Os líderes nível 5 raramente têm uma personalidade magnética. Na superfície, não são interessantes. Aliás, eles não querem que você se torne fascinado por eles. E sim pelo trabalho deles. Jorge Paulo Lemann é outro exemplo de líder que prefere que as pessoas não prestem atenção nele, e sim em seu legado.
Se a receita do que fazer para ser bem-sucedido está nos livros há tanto tempo, por que poucos a seguem?
O princípio básico para o sucesso de uma organização está em pessoas disciplinadas que geram pensamentos disciplinados e tomam ações disciplinadas. Os disciplinados estão sempre se preparando para tempos ruins, mesmo quando as coisas vão bem. E eles são minoria. Tudo começa com pessoas disciplinadas. A equação entre pessoas, pensamentos e ações constrói as empresas feitas para durar.