Campo de futebol construído pela Nike no Rio: estratégia para perenizar a marca na cidade (Caio Guatelli / EXAME)
Da Redação
Publicado em 19 de setembro de 2016 às 05h56.
Rio de Janeiro – Desde abril a fabricante de artigos esportivos Nike, numa parceria público-privada com a prefeitura do Rio de Janeiro, reinaugurou três centros comunitários para a prática de esportes na zona norte da cidade — e se prepara para reabrir o quarto centro ainda em setembro.
Os locais passaram por reformas estruturais e, juntamente com 18 outros espaços semelhantes na capital, vão receber material esportivo da marca até 2020. Tais centros começaram a ser construídos na cidade no final de década de 80, quando a Nike ainda não operava no Brasil, e foram batizados de Vilas Olímpicas.
A iniciativa de apoiá-las faz parte de uma estratégia maior da marca que começou a ser desenhada em 2011, um ano antes de ela começar a patrocinar a delegação olímpica brasileira. Na época, depois de ouvir líderes comunitários, ONGs e atletas da cidade para entender as necessidades dos moradores de cada região, a Nike começou a firmar contratos com a prefeitura.
A partir daí, renovou a iluminação da praia do Arpoador para a prática de surfe à noite e construiu uma pista de skate na Lagoa Rodrigo de Freitas e um campo de futebol no Aterro do Flamengo. É claro que alardeou todas essas benfeitorias com inaugurações regadas a shows e presença de celebridades para fazer muito barulho e colocar a marca sob holofotes.
“Enquanto muitos dos patrocinadores só tiveram o momento dos Jogos para se mostrar, nós apostamos num modelo que permitiu à marca estabelecer uma relação mais duradoura com a população”, diz Henry Rabello, vice-presidente de marketing da Nike Brasil.
A declaração do executivo não deixa margem a dúvidas. O que está por trás das reformas das Vilas Olímpicas, da iluminação do Arpoador e da construção do campo de futebol não é apenas um desejo da Nike de se posicionar como uma empresa socialmente responsável.
O que a empresa quer de fato com as intervenções na infraestrutura da cidade é fazer valer seu alto investimento em patrocínios — que ela não revela — e perenizá-lo. Além de patrocinadora das delegações olímpica e paralímpica brasileira, a Nike foi fornecedora oficial de artigos esportivos da Rio 2016 e também patrocina a Seleção Brasileira de Futebol há 20 anos.
“Diferentemente da Copa do Mundo e de outros eventos, em que a exposição das marcas apoiadoras costuma ser bastante visível em campo, os organizadores dos Jogos Olímpicos são mais restritivos e oferecem aos patrocinadores pouco espaço para aparecer durante a transmissão das competições”, diz Marcelo Boschi, professor de marketing estratégico e gestão de marcas na ESPM do Rio de Janeiro.
A consequência disso veio à tona numa pesquisa recente da agência de publicidade britânica Greenlight. Realizada no início de agosto com 1 000 britânicos, ela concluiu que metade deles não lembra mais quais foram os patrocinadores da Olimpíada de Londres. Pode-se argumentar, é claro, que, passados quatro anos do evento, seria exigir muito da memória das pessoas.
Mas não se trata só de uma questão de tempo. Na mesma pesquisa, questionados se prestariam atenção nas marcas patrocinadoras da Rio 2016, um em cada cinco consumidores simplesmente disse não. O que ajuda a entender por que a Nike se empolgou com a ideia de construir o campo de futebol da foto acima.
A empresa de produtos esportivos não é a única que aproveitou a Olimpíada para contribuir para a melhoria da combalida infraestrutura da cidade e fortalecer sua marca. O conglomerado industrial General Electric venceu a concorrência da Rio 2016 para trocar 200 000 luminárias da cidade e prepará-la para receber o evento esportivo.
O que a empresa não botou nessa conta foi a obra de revitalização da iluminação do bairro boêmio da Lapa e do Parque do Flamengo, que ela entregou às vésperas da abertura dos Jogos — 1 600 postes dotados de tecnologia LED, que permite controle remoto da intensidade da luz. No total, foram 20 milhões de reais investidos na empreitada, que também abrangeu a doação de equipamentos a um hospital.
Essa não foi, porém, a primeira incursão da GE, patrocinadora dos Jogos há dez anos, nessa seara. Tudo começou em 2008 em Pequim, na China, quando, depois da Olimpíada, a empresa presenteou a cidade com dois sistemas avançados de tratamento de água. Foi um teste que ajudou a companhia a aperfeiçoar a estratégia.
Dali em diante, os executivos perceberam que deveriam ser mais pragmáticos e doar obras que fossem mais visíveis e atraentes aos olhos da população — e fazer isso antes ou durante os eventos para aproveitar por mais tempo a repercussão do fato. Em 2012, dois meses antes da Olimpíada de Londres, a GE trocou a iluminação da Ponte de Londres, um dos principais cartões-postais da cidade, e divulgou o feito ao projetar com luzes num prédio vizinho a seguinte mensagem: “Orgulhosamente iluminada por GE”.
Por mais que as intervenções da iniciativa privada nos espaços urbanos para fins de marketing estejam em alta, a ideia não é exatamente nova. A Estátua da Liberdade, maior símbolo dos Estados Unidos, foi reformada em 1982 graças à doação de 87 milhões de dólares de 20 empresas, como Coca-Cola, AT&T e American Express. Muitas delas financiam até hoje, inclusive, a associação que cuida do monumento.
A consultoria americana Trendwatching, porém, especializada em mapear tendências, identificou uma forte retomada da estratégia depois da crise global de 2008. “Acentuaram-se as discussões sobre a ganância no mundo dos negócios, e a generosidade passou a ser um valor cada vez mais apreciado”, afirma Luciana Stein, pesquisadora da Trendwatching. “Mais recentemente, o movimento ganhou força entre as empresas na América Latina e na Ásia.”
As boas ações das empresas são reivindicadas principalmente pelos mais jovens. A multinacional de relações públicas MSLGroup ouviu recentemente 8 000 pessoas com idade de 22 a 39 anos, em 17 países, e descobriu que 73% delas acreditam que os governos não conseguem resolver sozinhos os problemas sociais. Quanto às empresas, a expectativa em relação ao papel que elas devem desempenhar é alta: 83% esperam que as corporações estejam ativamente envolvidas em ações de cidadania.
Diante desse cenário, e do dinamismo que atualmente permeia os grandes centros urbanos, cabe às empresas estar atentas às muitas oportunidades que podem surgir para intervir e colocar a marca em evidência. Foi o que fez o italiano Paolo Dal Pino, presidente da subsidiária da fabricante de pneus Pirelli na América Latina.
Em janeiro de 2014, quando soube da notícia de que um raio havia atingido e destruído partes do Cristo Redentor, o executivo entrou em contato com a Arquidiocese do Rio, responsável pelo monumento, e ofereceu ajuda para reparar os danos. Na ocasião, a Pirelli firmou um contrato anual no valor de 1,9 milhão de reais para financiar a obra, a manutenção da estátua e a segurança do lugar, além de projetos sociais ligados ao Cristo Redentor e ao Corcovado — e tem renovado o compromisso de lá para cá.
A reinauguração do ponto turístico, seis meses depois, foi amplamente divulgada e a companhia soube aproveitar como poucas a visibilidade que sua boa ação rendeu: a Pirelli demarcou o local perfeito ao pé do Cristo para os visitantes posarem para fotos e, no topo da cabeça da estátua, instalou câmeras.
Em junho, para manter viva a campanha — e a relação que ela estabeleceu com um dos maiores símbolos do Brasil —, a Pirelli começou a divulgar casos de benfeitorias realizadas por pessoas comuns. Em dois anos, o conteúdo online relacionado à história da empresa com o Cristo Redentor somou 7,5 milhões de visualizações.
Mas não é só por meio de investimentos em infraestrutura que as empresas podem alterar a rotina das cidades e colocar sua marca em evidência. No último verão em Florianópolis, época em que a população de 480 000 habitantes da capital chega a triplicar, a fabricante sul-africana de bebidas Distell fez isso usando outra fórmula.
Dona do licor Amarula — que tem um elefante estampado no rótulo da garrafa —, a empresa decidiu apoiar a primeira edição da Elephant Parade na América Latina. Trata-se de uma franquia global de uma exposição que espalha por uma cidade dezenas de esculturas de elefantes fofinhos pintados por artistas locais.
Para aproveitar o barulho que o evento gerou em Florianópolis e propagá-lo no resto do país, o time de marketing da Distell também enviou miniaturas das esculturas para 18 celebridades, junto com pincéis e potes de tinta. Cada uma customizou seu elefantinho, tirou fotos e divulgou como queria.
Conclusão: a Amarula declara ter atingido 7 milhões de pessoas durante dois meses — 90% delas fora de Santa Catarina. Quem mais se envolveu com a iniciativa foram adultos de 25 a 34 anos. Nesse universo, a Amarula conseguiu aumentar de 80% para 85% o conhecimento da marca de 2015 a 2016.
Também cresceu a percepção de qualidade e a disposição dos clientes para pagar mais pela bebida. “Viramos referência para a matriz, que agora quer repetir o patrocínio em outras cidades do Brasil e do mundo”, diz Paula Passarelli, gerente de marketing da Distell para a América Latina. A campanha do elefante custou à empresa de bebidas cerca de meio milhão de reais.
A Tramontina, fabricante de produtos para o lar, como panelas e talheres, usou espaços urbanos da cidade de São Paulo para impulsionar o lançamento de um cortador de grama. De março a abril deste ano, a empresa escolheu nove parques e praças da capital cujos jardins estavam abandonados e, por meio de anúncios em mídias digitais, atraiu moradores dispostos a fazer um test-drive do produto.
Uma décima praça foi escolhida por voto popular, pela internet. A empresa não revela quanto investiu na ação, mas especialistas estimam que tenha sido pouco. O plano da empresa agora é replicar a iniciativa em outros locais. Faz sentido. Companhias dispostas a mudar a realidade das cidades e de seus habitantes para fortalecer suas marcas devem estar mesmo preparadas para fazer bem mais do que um esforço episódico. No fim, ganham todos — empresas e moradores.