Mark Zuckerberg, presidente-executivo do Facebook: “Não construímos serviços para fazer dinheiro. Fazemos dinheiro para construir serviços melhores” (Andrew Harrer/Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 27 de novembro de 2013 às 05h00.
São Paulo - O empreendimento mais inusitado do empresário americano Jeff Bezos, fundador da varejista online Amazon, está em obras no oeste do Texas, nos Estados Unidos. É um relógio com cerca de 60 metros de altura, projetado para durar 10 000 anos.
Feito de aço inoxidável e titânio, ele ficará dentro de um salão fechado por duas portas, uma de jade e aço e outra só de aço, e deverá custar mais de 40 milhões de dólares, tirados da fortuna pessoal do empresário.
Mais do que pura excentricidade, Bezos tem a intenção de criar uma alegoria em favor de uma causa — a perenidade e a construção de estratégias para o longo prazo. O empresário sempre defendeu o tempo como aliado do negócio, desde que abriu o capital, em 1997. É no futuro, aliás, que reside boa parte da promessa de Bezos para seus investidores.
A companhia demorou oito anos para dar lucro e deliberadamente abriu mão dele em favor de uma ambiciosa estratégia de expansão global. O empresário nunca cedeu à pressão de quem esperneou para que ele aumentasse o preço dos produtos e assim ampliasse o lucro no curto prazo.
Fazer isso, segundo ele, seria trair a confiança de seus 209 milhões de clientes no mundo. O discurso pegou. Neste ano, a empresa acumulou prejuízo de 34 milhões de dólares até setembro. Suas ações, porém, valorizaram mais de 41% no mesmo período.
Antes de conseguir seguidores na bolsa, Bezos teve de desafiar um princípio predominante há mais de três décadas nos principais mercados do mundo — o de que o propósito primordial de uma empresa é colocar o interesse dos acionistas acima de qualquer outra coisa.
A ideia foi consagrada pelo economista americano Milton Friedman num artigo publicado no jornal The New York Times, em 1970. “Um executivo é selecionado pelos acionistas para ser um agente a serviço dos interesses deles”, escreveu. É um princípio que faz todo o sentido. Afinal, em tese, eles sempre querem o melhor para a companhia.
Os problemas começaram à medida que os investidores passaram a se importar mais com o curto prazo para fazer lucro rápido do que com a perenidade do negócio. Para corresponder à cobrança de apresentar resultados melhores a cada trimestre, executivos cederam a exageros capazes de deixar o balanço instantaneamente mais atraente, mas também de comprometer o futuro — como se viu na crise financeira de 2008.
Bezos encontra cada vez mais respaldo entre seus pares e também entre especialistas, como o diretor-geral da consultoria de estratégia McKinsey, o canadense Dominic Barton. “Para o capitalismo prosperar, as empresas precisam urgentemente abandonar o foco exclusivo nos acionistas para servir consumidores e funcionários”, afirma Barton.
O americano John Mackey, fundador e presidente da rede de supermercados americana Whole Foods, batizou essa nova etapa da relação entre empresas e sociedade de “capitalismo consciente”. Desde que criou a rede, há 42 anos, ele nunca tomou decisões em busca de atalhos para o crescimento rápido — embora tenha o capital aberto. Ao contrário.
Escolheu não comprar produtos de grandes indústrias e privilegiar pequenos fornecedores locais. A rede faturou 13 bilhões de dólares em 2012 e lucrou 744 milhões de dólares. “Não há nada errado em lucrar, mas essa não é a função primordial de um negócio, e sim a consequência”, afirma Mackey em seu livro Capitalismo Consciente, escrito em parceria com o professor de marketing da Universidade de Bentley, Raj Sisodia, e lançado em novembro no Brasil pela Editora HSM.
Outra empresa citada no livro é a companhia aérea americana Southwest Airlines, que nunca iniciou operações em mais de quatro cidades no mesmo ano. E nem mesmo nos piores períodos de crise abriu mão de permitir até duas bagagens despachadas por passageiro sem cobrança adicional, um ponto em que as rivais cederam há muito tempo. Em meio a um setor problemático, a empresa lucrou nos últimos 40 anos e suas ações valorizaram 77% neste ano.
Novo perfil
Manter distância da cobrança dos investidores não significa se esconder atrás de metas menos agressivas. Em 2010, Paul Polman, presidente mundial da fabricante de bens de consumo Unilever, desafiou o mercado ao deixar de publicar o lucro trimestral (algo permitido na Europa, mas que não seria possível no Brasil ou nos Estados Unidos).
Ao mesmo tempo, prometeu dobrar as vendas e reduzir à metade seu impacto ambiental até 2020. Para Polman, as grandes empresas têm de adaptar o perfil dos acionistas à sua estratégia, e não o contrário. É o que empresas como a fabricante de cosméticos L’Oréal tentaram estimular ao pagar um bônus para os investidores que mantêm as ações por mais tempo.
Embora os casos de Amazon e Unilever provem a existência de investidores de longo prazo, a maioria ainda pensa diferente. Um levantamento do banco Morgan Stanley em 2012 mostrou que 55% dos investidores analisam o retorno num horizonte de um trimestre. Menos de 20% projetam mais de um ano.
Para se proteger deles, Mark Zuckerberg, fundador do Facebook, adiou a abertura do capital o quanto pôde e manteve um lote de 57% das ações com poder de voto, o que o torna menos suscetível ao humor do mercado. Ele faz parte da geração de executivos que defendem a resistência à pressão por curto prazo. Ainda é uma minoria.
O grosso da manada parece mesmo obcecado pelo próximo trimestre. Para essa turma, se preocupar com o que vai ocorrer daqui a uma década é algo tão distante quanto o ano 12000, data prevista para que o relógio de Bezos pare de funcionar.