Raghuram Rajan, economista (Getty Images)
Da Redação
Publicado em 8 de novembro de 2013 às 12h18.
São Paulo - Eleito por seus pares numa pesquisa realizada pela revista The Economist, em 2011, como o economista com as melhores ideias do mundo pós-crise, o indiano Raghuram G. Rajan deixou muita gente estarrecida quando assumiu o cargo de presidente do Banco Central da Índia, em setembro.
Por que um professor da Universidade de Chicago há duas décadas, ex-economista-chefe do FMI e autor de Linhas de Falha — escolhido o melhor livro de 2010 pelo jornal The Financial Times — colocaria sua reputação em risco ao assumir um dos empregos mais complicados do mundo das finanças? O caminho entre a academia e os bancos centrais não é novo.
O americano Ben Bernanke saiu da Universidade de Princeton para o Federal Reserve, mas, em 2006, quando fez essa troca, a economia americana voava em céu de brigadeiro e o cargo em Washington parecia ser uma chance real de subir na vida. Esse, definitivamente, não é o caso de Rajan.
Os indianos vivem atualmente um momento “DR”, de discutir a relação — no caso, a relação com os investidores, cada vez mais desanimados com o país. De 2005 a 2010, a Índia cresceu a uma média superior a 8% ao ano, e muitos economistas e políticos locais começaram a achar que era questão de tempo até o ritmo do PIB indiano se firmar em dois dígitos e superar o chinês.
Com sua crescente classe média e enorme população, o país parecia destinado ao sucesso. O primeiro choque de realidade veio no ano passado. O crescimento de 4% foi o pior resultado em mais de uma década. A expectativa para este ano é de mais de 5%, número invejável se comparado à perspectiva brasileira, mas nem isso tem diminuído o pessimismo galopante.
O comportamento do mercado de câmbio ajuda a explicar por quê. Entre as moedas das grandes economias, a rúpia foi uma das que mais perderam valor em relação ao dólar neste ano.
Depois do anúncio, em junho, de que os Estados Unidos mudariam sua política monetária ao longo de 2013, o que acabaria elevando sua taxa de juro, investidores se anteciparam e começaram a tirar seu dinheiro dos emergentes para aplicar no mercado americano. Nesse movimento de manada, a rúpia foi duramente penalizada, com uma desvalorização de 14,5%.
Uma passagem para fora da Índia?
Um dos maiores problemas indianos, na visão dos investidores, é seu alto déficit em conta-corrente (o resultado negativo das transações comerciais e do fluxo de capitais entre o país e o exterior). De acordo com o último levantamento, o déficit corresponde a 4,8% do PIB, bem acima da média dos grandes emergentes.
Déficits em conta-corrente costumam ser financiados com a entrada de capital externo. Quando os investidores estão contentes e o dinheiro chega, tudo vai bem. Quando os investidores correm por algum motivo para mercados considerados mais seguros, o país afetado, numa tentativa de estancar a revoada, se vê obrigado a subir os juros — o que, numa situação-limite, pode travar o crescimento e piorar ainda mais o quadro. Antecipando tudo isso, os investidores fugiram da Índia como se estivessem escapando de um incêndio.
Rajan, antes de completar um mês no cargo, seguiu a cartilha. Aumentou a taxa de juro, mas de 0,25% para 7,5%. Como o Fed anunciou que manterá sua política inalterada diante das incertezas que rondam a recuperação americana, os investidores voltaram a aplicar nos emergentes, mas a impressão geral é que se trata de um alívio momentâneo.
“A influência das decisões do Fed sobre os rumos da economia indiana é apenas um dos lembretes do grau muito limitado de liberdade de Rajan”, diz o economista indiano Pankaj Ghemawat, professor da escola de negócios espanhola Iese. A decisão de elevar os juros também ajuda na tentativa de resolver outro problema: a crescente taxa de inflação, que deve fechar o ano, pelos cálculos do FMI, em mais de 10%.
Não deixa de ser irônico um detalhe do perfil de Rajan na página que ainda mantém no site da Universidade de Chicago. No item “outros interesses”, lê-se tênis, squash, história e política indiana. A posse de Rajan não poderia ter sido num momento pior do calendário político local.
Com eleições para o Parlamento marcadas para maio do ano que vem, ninguém acredita que os políticos indianos terão estômago para aprovar reformas impopulares. A tendência é justamente o oposto disso. Em setembro, a Câmara Alta do Parlamento aprovou um plano que garante preços baixos de grãos para 800 milhões de indianos.
A conta, claro, vai ser do governo. O total de subsídios na área da alimentação deve sair dos atuais 4 bilhões de dólares para 20 bilhões. Para completar a lista de dificuldades, a Índia vem registrando um aumento do custo de mão de obra depois de vários anos de expansão forte do PIB, suas leis trabalhistas são uma barreira aos investimentos e sua péssima infraestrutura é considerada um freio de mão puxado para a economia.
Descrito como conciliador, gentil e metódico, Rajan ainda está em lua de mel com os indianos. Considerado um sex symbol pelo público feminino, também é admirado por sua longa e brilhante carreira acadêmica no exterior.
Por quanto tempo ele conseguirá manter essa reputação intacta é a pergunta que não quer calar. Para a Índia, é um grande negócio tê-lo no banco central. Já para Rajan, estar na Índia pode se transformar numa grande decepção.