Revista Exame

Brasil é número 1 em atrações naturais — falta converter ativo em negócio

Como mostrou o EXAME Fórum Turismo, a digitalização pode ajudar a trazer mais dinamismo ao setor

Vista da orla do Rio de Janeiro: a violência urbana é o que mais impede o desenvolvimento doturismo no Brasil | Diego Grandi/Getty Images /  (Diego Grandi/Getty Images)

Vista da orla do Rio de Janeiro: a violência urbana é o que mais impede o desenvolvimento doturismo no Brasil | Diego Grandi/Getty Images / (Diego Grandi/Getty Images)

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Clara Cerioni

Publicado em 22 de novembro de 2018 às 05h55.

Última atualização em 23 de novembro de 2018 às 16h23.

Do ponto de vista de beleza natural, o Brasil é praticamente imbatível. Da Floresta Amazônica ao Pantanal, das Cataratas do Iguaçu aos mais de 7.000 quilômetros de praias no país, a diversidade ambiental brasileira é ímpar. Soma-se a isso uma grande riqueza cultural. No ano passado, um relatório do Fórum Econômico Mundial sobre competitividade turística apontou que estamos em primeiro lugar em matéria de atrações naturais e na oitava posição em diversidade cultural. Ou seja, o que é único e impossível de copiar, o Brasil já tem. Mas o país não está conseguindo converter esses ativos em mais visitantes e mais negócios. No ranking geral, que compara 14 itens de 136  países, o Brasil aparece na 27a posição. Mas amargamos o 106o lugar na categoria prioridade do investimento no turismo, atrás de países como Zimbábue e Tajiquistão. Vamos muito mal também em quesitos caros a esse tipo de atividade, como segurança e infraestrutura.

Não é para menos que o Brasil recebeu apenas 6,5 milhões de viajantes no ano passado — foi um recorde para nós, mas equivale a 0,5% do 1,3 bilhão de desembarques internacionais que ocorreram em 2017 no mundo. O Brasil não está nem entre os 40 países mais visitados, segundo a Organização Mundial do Turismo. A França, destino que mais recebe turistas, acolheu 87 milhões de estrangeiros no ano passado. A África do Sul, que, assim como os países da América do Sul, não é considerada um destino de fácil acesso, recebeu um contingente de 10 milhões de visitantes. Nem o crescimento do ecoturismo, segmento que aumenta a taxas anuais de 25%, foi suficiente para colocar o Brasil entre as rotas desejadas. Com todo esse potencial inerente, o que é necessário para o país se destacar no setor? O EXAME Fórum Turismo, realizado em Florianópolis no dia 20 de novembro, discutiu o tema e possíveis soluções. “Mais do que investimento público e privado, o setor turístico precisa atrair mentes brilhantes que captem o potencial do país”, afirmou Vinicius Lummertz, ministro do Turismo, durante palestra no evento.

É fato que o turismo no Brasil amadureceu. Apesar do lento avanço da vinda de estrangeiros, 200 milhões de viagens domésticas ajudaram a engrossar as receitas do setor no último ano. Isso fez com que as empresas faturassem quase 57 bilhões de dólares, o equivalente a 3,3% do produto interno bruto. “O turismo doméstico está em seu melhor momento da história. Com a facilidade, a confiança e a praticidade de comprar viagens em plataformas online, o setor tem crescido 50% ano após ano e a tendência é continuar em ascensão”, diz Marcos Swarowsky, diretor para a América Latina da Expedia, uma agência de viagens digital americana que faturou 10 bilhões de dólares no mundo em 2017.

O potencial brasileiro, porém, é bem maior. Veja o que acontece com o segmento de cruzeiros no Brasil. No verão passado, no começo de 2018, apenas sete navios navegaram pelas águas brasileiras, transportando 420.000 turistas ao longo da temporada — menos da metade do registrado em 2010. Na Austrália, que tem extensão litorânea semelhante à do Brasil, o número de navios chegou a 36 no mesmo período, com 1,3 milhão de passageiros. A diferença é que no Brasil os custos para uma empresa oferecer um cruzeiro são 40% superiores à média mundial, além de haver percalços como falta de infraestrutura em portos e regulação excessiva. “Na Austrália, não se paga imposto sobre nenhum produto consumido nos navios. No Brasil, pagamos sobre tudo, além de ser necessário emitir visto de trabalho para todo funcionário que vem de fora. A burocracia é complexa”, diz Marco Ferraz, presidente da Associação Brasileira de Cruzeiros Marítimos.

O consenso entre os empresários e especialistas do setor é que o problema que de fato trava a evolução dos negócios é a violência nas cidades brasileiras. Diante de números como os 60.000 assassinatos ao ano no país, os estrangeiros acabam sendo confrontados com uma realidade que, infelizmente, está no cotidiano dos brasileiros. Nos países ricos, é comum encontrar alertas para quem deseja visitar o Brasil. O governo do Reino Unido, por exemplo, mantém uma ferramenta online que analisa a segurança de cada país. Nela, o Brasil é classificado com “alto nível de criminalidade”.  As recomendações pedem cuidado em relação a andar sozinho à noite e atenção para tentativas de assalto e arrastões. “O grande inimigo do Brasil é a violência.

Não é possível para um turista ir a um país onde ele vai sentir medo”, afirmou o sociólogo italiano Domenico De Masi, um dos palestrantes do EXAME Fórum Turismo. Outra barreira que atinge turistas estrangeiros e brasileiros é a dificuldade de encontrar produtos identificados com determinados perfis pessoais. “Quando entendemos que o turista que nos visita prefere vir de ônibus e busca em nosso site as informações para chegar ao parque, percebemos que havia ali a oportunidade de novos produtos”, afirma Rogério Siqueira, presidente do Beto Carrero World, parque temático de Santa Catarina que recebeu 2  milhões de visitantes em 2017.

Se as oportunidades ainda não exploradas são muitas, o avanço da tecnologia mudará significativamente o setor nos próximos anos. “A digitalização do turismo apenas começou, ainda há muitas formas de ajudar as pessoas a planejar suas viagens com tranquilidade. A inteligência artificial será um grande aliado do setor”, diz Swarowsky, da Expedia. Segundo a consultoria de comércio eletrônico E-Consulting, o mercado de turismo online faturou quase 20 bilhões de reais globalmente no ano passado, 14% mais do que em 2016. Uma nova leva de startups focadas em turismo está surgindo com propostas inovadoras. É o terceiro movimento de uma onda tecnológica que começou nos anos 90 com os sites tradicionais de viagem e depois foi sucedida nos anos 2010 pelas primeiras empresas da economia compartilhada, caso do Airbnb. “As novas startups buscam parcerias com outros negócios do setor e recebem investimentos de empresas de capital de risco”, disse Rafat Ali, fundador e presidente da Skift, empresa americana de pesquisa e marketing para turismo, durante palestra por videoconferência no evento. Segundo a Skift, 5 bilhões de dólares foram investidos nas startups ligadas ao setor no mundo em 2018.

Uma delas é a Instaviagem, empresa de São Paulo criada com uma proposta inusitada: manter secreto o destino da viagem de seus clientes. Criada pelo advogado Caio Martins e pelos engenheiros David Andrade e Marcos Arata, a startup recebeu recentemente um aporte de 400.000 reais do fundo de investimento GVAngels. O serviço funciona como uma agência de viagem, que organiza todas as etapas, inclusive o roteiro, e só revela o destino do passeio dois dias antes da partida. “Os viajantes preenchem um formulário com os desejos e nós fazemos o resto. Percebemos que o principal motivo de o brasileiro conhecer pouco o próprio país é a falta de informação, não de vontade. Por isso, essa iniciativa movimenta cidades pequenas, que as pessoas não escolheriam para viajar”, diz Caio Martins.

Outra startup que explora as novas demandas dos viajantes é a carioca GoLocal, que alia o turismo tradicional a experiências de voluntariado. “A facilidade que a tecnologia proporciona ao viajante estimula o interesse de conhecer novos lugares, além de ter despertado a consciência de que existem comunidades que aproveitam o turismo para manter suas atividades”, diz Roberta Guimarães, bióloga com especialização na Universidade de Cambridge e cofundadora da GoLocal. Quem também está se aproveitando da tecnologia para inovar no turismo é a Oktoplus, de Florianópolis. A startup criou um aplicativo que gerencia planos de milhas, compara preços de passagens e até troca pontos por dinheiro. “A ferramenta dá acesso a uma nova moeda, que facilita a vida de quem deseja planejar uma viagem ou mesmo quer vender suas milhas”, diz Bruno Nissental, fundador da empresa.

A velocidade dos empreendedores brasileiros parece estar mais acelerada do que a do Poder Público. O Ministério do Turismo, por exemplo, vem sofrendo cortes orçamentários desde 2011. O dinheiro mais escasso impede parte das ações de promoção do país no exterior. Em 2017, a verba empenhada no Orçamento da União para a área seria de 815 milhões de reais, mas 70% do dinheiro acabou congelado. Neste ano, a atual gestão trabalha com ainda menos recursos, são 261 milhões de reais. Há dúvidas se a pasta vai resistir à reforma ministerial do presidente eleito, Jair Bolsonaro, que já afirmou que estuda uma fusão do Ministério do Turismo e o das Cidades com o já existente Integração Nacional. “O Poder Público não pode atrapalhar e tem de ser um impulsionador. Em Santa Catarina, temos investido em transporte, saúde, segurança e comodidade para quem mora aqui e para quem é turista”, disse Gean Loureiro, prefeito de Florianópolis, presente no EXAME Fórum Turismo.

Para um país com tantos problemas para resolver, fica uma reflexão de De Masi: “O Brasil tem lugares lindos, com clima favorável. Além disso, existe uma correspondência entre a cultura e a natureza, e esse encontro cria a alma que só o brasileiro tem, fazendo com que o país esteja pronto para receber turistas”. Falta transformar esse vasto potencial em negócios rentáveis. 


COMO ATRAIR MAIS VISITANTES

No exame Fórum Turismo, em Florianópolis, empresários e especialistas discutiram o potencial e os entraves do setor no Brasil

Rogério Siqueira, do Beto Carrero World, e Marcos Swarowsky, da Expedia: as oportunidades para as empresas | Fabricio Sousa

Bruno Nissental, da Oktoplus: a startup criou um aplicativo que gerencia os planos de milhas | Fabricio Sousa

Debate com Gean Loureiro (à esq.), prefeito de Florianópolis, e Vinicius Lummertz, ministro do Turismo: o painel discutiu o turismo no Brasil e em Santa Catarina. Na abertura do evento, o ministro chamou a atenção para a insegurança, que acaba afugentando os turistas do país | Fabricio Sousa

Caio Martins, fundador e presidente da Instaviagem: viagens surpresas | Fabricio Sousa

Roberta Guimarães, cofundadora da GoLocal: turismo convencional com voluntariado | Fabricio Sousa


“O TURISMO É A FORMA MAIS GENUÍNA DE PRAZER”

O sociólogo italiano Domenico De Masi criou o conceito de ócio criativo nos anos 90. Agora, o avanço da tecnologia tem permitido concretizar essa ideia, que mistura trabalho, prazer e aprendizado

Domenico De Masi, no EXAME Fórum Turismo: hoje é possível trabalhar menos e produzir mais | Fabricio Sousa

O renomado sociólogo italiano Domenico De Masi é um otimista nato. Autor do best-seller O Ócio Criativo,  lançado em 1995, De Masi sempre acreditou no poder da inovação e criou uma forma nova de definir o trabalho, que ultrapassa as fronteiras do escritório e é fonte de prazer e aprendizagem. Mais de 20 anos  depois que o conceito se popularizou, a tecnologia tem permitido concretizar essa visão. “O trabalho repetitivo está diminuindo, porque ele é substituído por máquinas e inteligência artificial”, disse De Masi, palestrante do EXAME Fórum Turismo, que ocorreu no dia 20 de novembro em Florianópolis.

Em vez de libertar, a tecnologia não tem feito com que as pessoas trabalhem mais? Como o senhor vê esse paradoxo?

Um trabalho criativo não tem horário. A ideia pode vir quando estamos no escritório ou tomando banho. Já o trabalho repetitivo está diminuindo, porque ele é substituído por máquinas e inteligência artificial. Além disso, a produtividade está cada vez maior, porque os robôs fazem o trabalho mais rapidamente.   

No contexto do turismo, como o ócio criativo se aplica?

Os brasileiros ouvem o conceito de ócio criativo e adoram, porque vocês o desejam de forma inconsciente. A ideia de ócio criativo não é de preguiça ou de não fazer nada, mas fazer três coisas ao mesmo tempo: trabalhar, divertir-se e também aprender. E isso influencia completamente o turismo, porque é a forma mais genuína de prazer.

Ao trabalhar menos, haverá renda para fazer turismo?

Na Itália, trabalham-se menos horas hoje do que antigamente, mas produz-se mais. Isso deveria valer para todos os países. No Brasil, o PIB per capita é de 10 000 dólares, mas a desigualdade acentuada não permite que isso aconteça. Nosso problema não é riqueza, mas a distribuição de renda. A social-democracia pode, sim, fazer com que isso evolua. De 2000 a 2010, os brasileiros viveram de fato a social-democracia, com a retirada de 40 milhões de brasileiros da pobreza.

Qual sua expectativa para o governo de Jair Bolsonaro?

Estou preocupado com a Itália, onde vivemos uma situação pré-fascista. E temos de ver como a população vai encarar essa ameaça e dialogar para tentar barrá-la nos próximos anos. Torço para que o Brasil não siga pelo mesmo caminho. Espero que o próximo governo esteja à altura dos desafios e faça uma boa administração, porque o Brasil é um país muito complexo.

O que o Brasil pode representar para o mundo?

No Brasil, apesar dos problemas, existe uma democracia racial, na qual há uma mistura  entre as pessoas. Vejo que há maior solidariedade, com senso de organização social. Todos esses elementos deveriam elevar a autoestima brasileira. O tal complexo de vira-latas não faz mais sentido.

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