Joaquim Levy e Nelson Barbosa: o novo ministro da Fazenda quer usar os bancos públicos para ampliar o crédito (Valter Campanato/ABr)
Da Redação
Publicado em 16 de fevereiro de 2016 às 09h05.
São Paulo — Dos muitos incômodos que deve enfrentar no exercício do cargo de presidente da República, Dilma Rousseff iniciou 2016 livre de pelo menos um que a importunou ao longo de todo o ano passado.
Ao mover Nelson Barbosa do Ministério do Planejamento para o da Fazenda, ejetando Joaquim Levy, Dilma não precisa mais conviver com a contradição — criada por ela própria, aliás — de ter como auxiliar próximo alguém com pensamentos que representam o inverso do que vai em sua cabeça. Dilma e Barbosa formam, digamos, uma chapa puro-sangue.
Com isso, resolveu pelo menos dois problemas. O primeiro é aplacar a ira de sua base na esquerda, por quem era acusada de abrigar um agente inimigo empenhado em aplicar medidas que caberiam mais à oposição derrotada nas urnas em 2014.
Contentar os companheiros é imprescindível na batalha que mais interessa à presidente: a de barrar o processo de impeachment no Congresso. A segunda questão resolvida é ver o campo livre para suas ideias para a economia reinarem absolutas.
Com o segundo ano do segundo mandato começando assim, a pergunta que fica é quanto uma Dilma mais solta vai retomar as políticas que, nos últimos cinco anos, geraram para o país uma situação econômica desastrosa — após uma recessão estimada em 3,7%, há prognósticos de que esse desempenho seja repetido neste ano ou até piore, comprometendo também 2017.
A consultoria Tendências elaborou três cenários para o país que levam em conta o resultado do processo de impeachment e a condução da política econômica. O mais provável é que a presidente Dilma fique no cargo, mantenha a governabilidade e consiga promover um mínimo de ajuste fiscal. Nesse caso, a economia cairia 3% neste ano.
Há também a chance, ainda que menor, de que a presidente fique no cargo sem conseguir organizar a base aliada. Nessa hipótese, entrariam em ação medidas populistas e mais intervenções na economia, entre elas, afrouxamento da política monetária, desonerações tributárias para setores escolhidos e aumento de gastos públicos.
Seria a reedição de uma tragédia que acarretaria uma queda no produto interno bruto de quase 6%. No cenário mais otimista, a presidente cai e o vice-presidente, Michel Temer, assume a Presidência com condições de fazer o ajuste fiscal e iniciar reformas. Ainda assim, o PIB cairia perto de 2%.
A realidade é que os principais membros do governo passarão o ano dedicados a resolver outros problemas. Além de tentar evitar o impeachment, as autoridades têm a atenção tomada pelos desdobramentos da Operação Lava-Jato. O mais novo figurão a ser citado é o titular da Casa Civil, Jaques Wagner — o quarto ministro de Dilma na pasta.
O Supremo Tribunal Federal começará a julgar as acusações contra os políticos envolvidos na Lava-Jato, entre eles o pedido de afastamento do presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Haverá, ainda, eleições municipais em outubro — elas terão papel decisivo na recomposição das coalizões partidárias.
Sobrará, portanto, pouco tempo e energia para fazer andar propostas de ajuste fiscal e de alguma reforma na economia, determinantes para a retomada da confiança, dos investimentos e do crescimento.
“A economia caminha para o fundo do poço no terceiro trimestre deste ano”, diz o economista Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO. “O cenário só vai parar de piorar após as eleições, quando haverá espaço para aprovar propostas mínimas do ajuste fiscal no Congresso.”
As primeiras manifestações da presidente e de Barbosa tentaram acalmar os investidores que viram um mau sinal, embora já esperado, na troca da Fazenda. No discurso oficial, haverá compromisso com um ajuste fiscal moderado — a única coisa certa são aumentos de impostos —, não ocorrerão tentativas de fazer mágica e entra na mira uma improvável reforma da Previdência.
A prática, porém, continua a mesma. O sinal é de que o Planalto deve voltar a estimular o crescimento com gastos públicos — mesmo com os cofres vazios. O governo, por exemplo, não abriu mão de dar um aumento de salário mínimo acima da inflação. O reajuste foi de 11,6%, quase um ponto acima da variação do indicador oficial de preços nos últimos 12 meses.
A generosidade aumentará a despesa da União e gerará pressão por outros aumentos de salários e de preços. Assim, o trabalho do Banco Central no combate à inflação continuará a ser minado. “Quando o governo eleva os gastos, a política monetária acaba perdendo a capacidade de conter a inflação”, diz Zeina Latif, economista-chefe da corretora XP Investimentos.
“Nesse quadro, o aumento do juro tem bem menos efeito sobre os preços.” Lançadas nas últimas semanas de dezembro e nos primeiros dias de janeiro, as poucas medidas já em curso indicam o que poderia ser chamado de “Nova Matriz Econômica 2.0” — a referência é ao conjunto de políticas intervencionistas implantado a partir de 2011, quando Barbosa era o secretário executivo de Guido Mantega.
Aos 46 anos, Barbosa vem ocupando cargos-chaves na área econômica desde 2007. Ele é doutor em economia pela New School for Social Research, universidade americana cujo pensamento predominante dita que o governo deve ser indutor do crescimento — pelo jeito, Barbosa segue fiel à cartilha.
Na tentativa de animar a economia, Barbosa disse que usará os bancos federais para dar mais empréstimo a empresas e consumidores.
O dinheiro virá do pagamento de 56 bilhões de reais feito no fim do ano passado para o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço a fim de cobrir as famosas pedaladas fiscais — atraso no repasse a essas instituições de valores gastos em programas sociais.
O BNDES já anunciou o aumento da participação no Finame, uma linha de financiamento à compra de máquinas, ônibus e caminhões. A ajuda parece não empolgar as empresas do setor. A fabricante de chassis de ônibus Volvo Bus manteve a previsão de vendas de 1 800 unidades neste ano, patamar igual ao de 2015, mesmo depois de o BNDES anunciar que facilitará o crédito.
“Em meio a um cenário econômico tão ruim, o juro menor não é suficiente para incentivar uma empresa a tomar empréstimo”, diz Luís Carlos Pimenta, presidente da Volvo Bus. “Não acredito que a medida terá eficácia se não houver previsibilidade na economia.” A construção civil também deve ser beneficiada.
De acordo com a Câmara Brasileira da Indústria da Construção, há 7 bilhões de reais atrasados de obras de infraestrutura executadas pelas construtoras do Programa de Aceleração do Crescimento. O impasse provocou uma série de pedidos de recuperação judicial. No Rio Grande do Sul, 14 das 80 maiores empresas do setor pediram recuperação por causa dos atrasos.
Algum alento para o setor virá pela área residencial. Há expectativa de liberação de 22 bilhões de reais do FGTS, em boa medida, para estimular a construção de moradias no programa Minha Casa, Minha Vida. A escolha de algumas áreas para receber benefícios não vai ser capaz de mudar a realidade de notícias negativas de quase todos os setores.
Segundo a consultoria Rosenberg Associados, as vendas do comércio deverão cair 3,5% neste ano — em 2015, o recuo foi de 4,3%. A situação é tão ruim que, de acordo com a consultoria de varejo BG&H, apenas metade dos 20 novos shoppings previstos para este ano deve realmente abrir as portas. Num grupo de 22 varejistas acompanhados pela consultoria, 40% suspenderam a abertura de novas unidades.
O restante está revendo as metas para baixo. “O varejista está com receio de investir por causa do cenário incerto”, diz Marcos Hirai, sócio da BG&H. Com a indústria e o comércio retraindo, o nível de emprego piora ainda mais. De janeiro a novembro do ano passado, houve perda de 945 000 empregos no país. Para este ano, a previsão é de que 2,2 milhões de postos de trabalho evaporem.
O temor é que, à medida que os indicadores econômicos deteriorem, o governo apele para a invencionice. Uma das ideias que surgem entre os petistas é o uso do dinheiro das reservas internacionais para empréstimos no setor de infraestrutura.
Essas reservas servem como um seguro para o caso de um choque na economia que provoque uma fuga de investidores — e garantir que empresas e indivíduos tenham dólares para arcar com seus compromissos em outros países. “A reserva visa assegurar a solvência externa e usá-la causará mais insegurança”, afirma Carlos Kawall, economista-chefe do banco Safra.
“Além disso, se pegar esse dinheiro do Banco Central, o Tesouro terá de emitir títulos, o que aumentará a dívida pública e prejudicará o ajuste fiscal.” Teremos um ano de racionalidade econômica? Ou cairemos de novo nas tentações da heterodoxia populista? São perguntas que só a chapa puro-sangue poderá responder.