Revista Exame

Depois do essencial, o digital

Com início da recuperação econômica, sobra mais espaço para municípios com bons indicadores de qualidade de vida investirem em transformação digital

 (João Prudente/Pulsar)

(João Prudente/Pulsar)

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Da Redação

Publicado em 13 de fevereiro de 2020 às 05h30.

Última atualização em 13 de fevereiro de 2020 às 10h14.

Toda vez que a montadora coreana Hyundai decide fabricar carros em um país, seus executivos analisam as características de uma série de cidades para escolher qual delas sediará a nova fábrica. Quando a empresa decidiu se instalar no Brasil, há dez anos, a decisão não foi difícil. Com bons indicadores de educação, saúde, saneamento e segurança, além de um bom sistema de transporte e proximidade dos grandes centros, Piracicaba, no interior de São Paulo, ganhou fácil de outros municípios. A qualidade de vida nas cidades com os melhores indicadores contribui significativamente não só para o bem-estar dos moradores mas também para atrair a iniciativa privada.

Com isso, aumentam a geração de emprego e a arrecadação de impostos, numa espiral de prosperidade. “Nossos funcionários são altamente produtivos e não temos dificuldade para encontrar mão de obra qualificada”, diz Ricardo Augusto Martins, vice-presidente administrativo da Hyundai no Brasil. O número de faltas por problemas de saúde, por exemplo, é baixo e a produtividade está de acordo com os rigorosos padrões da companhia. A Hyundai produziu 209.000 veículos no ano passado, 19.000 a mais do que em 2018.

Os atrativos que a Hyundai enxergou em Piracicaba em 2010 continuaram a avançar. Não é para menos que a cidade paulista de 404.000 moradores lidera pela primeira vez o Índice de Desafios da Gestão Municipal, da consultoria Macroplan, que avalia as 100 maiores cidades brasileiras. É o quarto levantamento que a Macroplan produz, que leva em conta 15 indicadores de educação, saúde, segurança e saneamento básico. EXAME teve acesso ao novo estudo, que traz uma boa notícia: na década, a educação dos municípios brasileiros avançou de forma generalizada.

Os progressos mais significativos foram registrados nos anos iniciais do ensino fundamental: 77% das cidades alcançaram as metas estipuladas no Índice de Desenvolvimento de Educação Básica (Ideb), que mede o fluxo escolar e a média de desempenho dos alunos. Piracicaba também foi a estrela nessa categoria no estudo — além de estar entre as melhores de saneamento básico. A cidade bateu a meta estabelecida pelo Ministério da Educação nas últimas cinco edições do Ideb nos anos iniciais do ensino fundamental e alcançou a nota 6,8 em 2017 (acima da média nacional, de 5,8). Para os padrões brasileiros, Piracicaba é um exemplo.

Escritório da empresa de softwares DB1, de Maringá: mais 300 postos de trabalho neste ano e uma nova sede em 2021 | Divulgação

Apesar dos avanços, esses municípios, que concentram 38% da população e 52% dos empregos formais, ainda enfrentam desafios importantes. Em saneamento básico, apenas 11% das 100 maiores cidades brasileiras conseguiram avançar no tratamento de esgoto. Se o serviço não der saltos significativos de crescimento, em 2033 ainda haverá no mínimo 28 municípios de médio porte em que menos de 80% do esgoto é tratado. Outro problema recorrente na administração municipal é o equilíbrio entre as despesas e as receitas, um ponto crucial para o desenvolvimento econômico e social. Com a crise dos últimos anos, esse balanço tornou-se ainda mais difícil.

Apenas 21% das cidades brasileiras tinham uma boa situação fiscal em 2018, segundo um estudo da Federação Nacional de Prefeituras. A situação fiscal se agravou entre 2015 e 2018. Há cinco anos, quase metade dos municípios brasileiros fechou o ano com déficit fiscal. Em 2018, esse cenário começou a dar sinais de melhora. O início da recuperação econômica contribuiu para que a receita média das cidades aumentasse 4,8%, o dobro de 2017. “Não basta só ter dinheiro em caixa. É preciso saber fazer uma boa gestão financeira”, diz Jason Hobbs, especialista em desenvolvimento urbano do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) no Brasil.

Em 2015, o BID lançou um programa para treinar os servidores públicos responsáveis pela administração das capitais e cidades com mais de 280.000 habitantes. O banco criou aulas em vídeo e um aplicativo com cursos sobre como aprimorar a gestão das contas públicas e a cobrança de impostos, como o IPTU, para aperfeiçoar a situação fiscal dos municípios. Mais de 100.000 gestores participaram do programa. “Algumas cidades brasileiras estão dando um passo a mais no sentido de melhorar a gestão e partir para propostas mais avançadas, seja em infraestrutura, seja em tecnologia”, diz Hobbs.

É justamente por esse momento que passa Piracicaba, direcionando agora mais recursos para infraestrutura urbana e inovações que facilitem a vida da população. No ano passado, a prefeitura da cidade instalou 153 câmeras com sensores nas principais ruas e avenidas. Os equipamentos identificam as placas dos carros e os dados são enviados a uma central de controle da polícia, que localiza com mais facilidade veículos roubados. A cidade deve lançar nos próximos meses uma licitação para digitalizar os exames de raios X.

O sistema tem uma série de vantagens: a resolução das imagens é maior, a carga de radiação é menor (diminuindo o risco para pacientes e profissionais de saúde) e há ainda redução de gastos porque não é necessário usar filmes, reveladores e agentes químicos para fixação da imagem. Os resultados dos exames poderão ser acessados pelos médicos da rede pública por meio de um prontuário eletrônico que está em desenvolvimento — e já consumiu cerca de 1 milhão de reais. “Assim, reduzimos de forma inteligente o gasto com pessoal e os processos burocráticos, que envolvem tempo e dinheiro”, diz Barjas Negri (PSDB), prefeito de Piracicaba.

São José dos Campos: os semáforos são gerenciados com dados coletados nos celulares dos motoristas | Rogério Reis/Pulsar Imagens

As cidades que já fizeram a lição de casa, consertando problemas em áreas vitais, como saúde, educação e saneamento, passaram a enxergar um horizonte mais abrangente. As cinco que lideram o ranking da Macroplan estão investindo fortemente em digitalização. Todas fecharam as contas no azul no ano passado, com superávit. Agora estão aproveitando para investir em serviços mais sofisticados. “Há uma pressão por parte da própria população por serviços mais eficientes”, diz Adriana Fontes, economista sênior da Macroplan e coordenadora do estudo sobre qualidade de vida e gestão municipal. “Existe um olhar cada vez mais direcionado para tecnologias que trazem boas soluções para os cidadãos e o governo”, diz Gustavo Maia, fundador do Colab, startup que cria ferramentas para a digitalização de serviços públicos.

Também no interior paulista, São José dos Campos tem avançado em inovação tecnológica na gestão pública, pois conseguiu resolver desafios históricos dos municípios brasileiros. Na última década, a cidade de 722.000 habitantes passou de 88,5% de acesso a coleta e tratamento de esgoto para quase 99%. O município, onde estão instalados a fabricante de aviões Embraer e o Instituto Tecnológico de Aeronáutica, utiliza desde o ano passado um aplicativo de trânsito que faz a gestão dos semáforos. Com base em dados capturados dos celulares dos motoristas, como pontos de congestionamento, o tempo de abertura dos semáforos pode aumentar ou diminuir em alguns segundos.

Parece pouco, mas faz uma grande diferença para o trânsito. Além disso, o morador da cidade pode solicitar a troca de lâmpadas queimadas na rua ou a poda de árvores através de outro aplicado, criado em 2018, o 156 SJC. “Trata-se de um círculo virtuoso, em que a tecnologia ajuda a economizar com folha de pagamentos, espaços físicos para guardar documentos e outras despesas, ao mesmo tempo que facilita o cotidiano das pessoas”, diz Luis Felipe Salin Monteiro, secretário de Governo Digital do Ministério da Economia. Segundo cálculos do governo federal, para cada 1 real investido em tecnologia, 20 reais são poupados dos cofres públicos.

A dobradinha de gestão eficiente e transformação digital também atrai capital, elevando o desenvolvimento dos municípios. Com um superávit fiscal de 212 milhões de reais em 2019, a paranaense Maringá começou a vender terrenos que pertencem ao município a preços subsidiados para ampliar o polo de tecnologia. A diretriz faz parte do planejamento de longo prazo da cidade, o Masterplan 2047, que define as vocações do município e as estratégias de crescimento sustentável. Tem dado certo. Desde a primeira edição do índice da Macroplan, em 2013, Maringá, com 433.000 habitantes, tem ocupado posições do topo do ranking — hoje divide o segundo lugar com a paulista São José do Rio Preto.

“A cidade tem uma visão de futuro que agrada em cheio às empresas”, diz Ilson Rezende, dono da empresa de tecnologia DB1, aberta há 18 anos em Maringá. Nos últimos anos, a empresa cresceu com vendas de softwares de gestão de estoque para os Estados Unidos e a Argentina. Com 1.200 funcionários, a companhia pretende abrir 300 postos de trabalho neste ano. Em 2021, deve se mudar para uma nova sede. A DB1 vai ocupar uma área de 3.000 metros quadrados em um dos terrenos subsidiados pela prefeitura, que disponibiliza alvarás eletrônicos para a construção. Tudo feito online. Quando qualidade de vida e transformação digital se encontram, todo mundo sai ganhando.

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