Revista Exame

Democracia e jabuticaba

Inventamos um sistema democrático novo por aqui — temos eleições justas e diretas, poderes independentes, liberdades individuais, campanhas sem restrições. Só não temos uma coisa: oposição

Na foto, unidos para sempre: na vida real, a disputa é por saber quem é o mais governista na oposição (Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

Na foto, unidos para sempre: na vida real, a disputa é por saber quem é o mais governista na oposição (Fabio Rodrigues Pozzebom/ABr)

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Da Redação

Publicado em 18 de outubro de 2011 às 08h13.

São Paulo - Uma das contribuições mais interessantes fornecidas pelo Brasil à moderna ciência política, no correr dos últimos anos, foi um novo modelo de democracia — a democracia sem oposição. É um sistema curioso.

Regimes nos quais todo mundo é a favor do governo em geral não são democracias, mesmo porque é proibido ser contra. Mas no Brasil de hoje está em vigor uma situação original. O país tem três poderes independentes. As liberdades públicas e individuais são garantidas.

Há uma Constituição que está valendo. Os governantes, em seus diversos níveis, são escolhidos em eleições diretas, livres e com voto universal, num processo em que votação e apuração se fazem através de meios eletrônicos dificilmente sujeitos a fraude. A propaganda política e eleitoral é livre — e, nas épocas de campanha, obrigatória nos meios de comunicação de massa.

Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa que não esteja escrita em lei. Ninguém pode ser punido sem condenação, e ninguém pode ser condenado sem julgamento público. Pelo menos no papel, em suma, a democracia brasileira tem tudo — mas não tem oposição.

Isso não acontece porque seja difícil fazer oposição, mas porque a oposição não quer se opor. Ao contrário, a sua grande ambição, ou pelo menos a ambição dos seus principais chefes, é ser a favor do governo.

A razão disso, em sua maneira de ver as coisas, é a alta estratégia que decidiram adotar; como o grande chefe das forças políticas que compõem o governo tem uma popularidade considerada imbatível nas urnas, os oposicionistas se convenceram de que não podem fazer, dizer ou mesmo pensar qualquer coisa capaz de soar como uma crítica a ele.

Agir assim seria um erro político desastroso; deixaria os críticos na contramão da opinião pública e os condenaria a perder todas as eleições presidenciais. É verdade que, negando-se a fazer oposição, perdem do mesmo jeito; perderam, pelo menos, as três últimas que disputaram.


Se eles próprios acham que o governo é ótimo, e que o seu inspirador é um santo, por que raios a maioria do eleitorado iria trocar o time que já está lá em cima? Se oferecem, no fundo, as mesmas coisas, para que mudar? Não importa: para os cérebros da atual oposição, é melhor perder sem briga do que perder brigando.

E a hipótese de tentar a vitória convencendo os eleitores de que o Brasil poderia ser muito mais bem governado — e que, para isso, é preciso trocar a equipe que está mandando? E a disposição de dizer claramente: “Nós somos contra a conduta deste governo e propomos um programa diferente para o Brasil”?

São coisas que têm estado fora da cogitação das lideranças oposicionistas há anos. Os fatos comprovam que haveria campo de sobra para o exercício de uma oposição verdadeira: na última eleição presidencial, com todo o malabarismo dos partidos oposicionistas para esconder que eram de oposição, seu candidato principal acabou obtendo 44 milhões de votos no segundo turno.

Obviamente, todos esses votos vieram de cidadãos que reprovam o governo e querem substituí-lo por outro; obviamente, não existe a quase unanimidade a favor do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de sua candidata, de seu partido e de seus aliados, como acredita o comando da oposição.

Mas esses números são de escasso interesse para os oposicionistas. Continuam achando que é inútil “bater de frente” com o governo — e, enquanto não descobrem o que fazer, vão se tornando cada vez mais experientes em brigar entre si próprios.

Não há sinais de mudança nesse horizonte. Nada mudará enquanto os líderes da oposição continuarem acreditando que política, no Brasil de hoje, é mera soma de ações de marketing na qual só interessa a “venda” de um “produto”, como se faz com um pacote de margarina.

Nada mudará enquanto permanecerem fascinados por “pesquisas de opinião” — e, sobretudo, nada mudará enquanto acharem que é possível ganhar guerras fazendo apenas retiradas.

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