Revista Exame

Corinthians e Nike, craques também fora do campo

Corinthians e Nike se unem para transformar uma comunidade de 30 milhões de fanáticos torcedores em 30 milhões de fanáticos consumidores

Jogo do Corinthians no estádio do Pacaembu: nada de porco no churrasco do Timão (EXAME)

Jogo do Corinthians no estádio do Pacaembu: nada de porco no churrasco do Timão (EXAME)

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Da Redação

Publicado em 7 de março de 2011 às 13h54.

Cerca de 30 000 pessoas - a esmagadora maioria formada por fiéis corintianos - lotaram as arquibancadas do estádio do Pacaembu, em São Paulo, na noite de 4 de setembro. A data foi comemorada pelos torcedores com festa, não só pela goleada de 5 a 1 sobre o Goiás mas também porque marcava o centésimo aniversário do Corinthians, o segundo clube de futebol mais popular do país.

Os jogadores entraram em campo com camisas douradas, sob o barulho quase ensurdecedor de fogos de artifício. Nos arredores do estádio, a multidão comprava todo tipo de produto em preto e branco - de camisas a chaveiros. A euforia da torcida, que se repete em boa parte dos jogos do Timão, pode até não garantir mais um título nacional, mas levou o clube ao topo de outro ranking - o de faturamento. O Corinthians vai terminar 2010 como a primeira agremiação brasileira com receita anual superior a 200 milhões de reais.

É um número bastante modesto quando comparado ao de clubes internacionais, como o Barcelona e o Chelsea. Perto da quase indigência financeira dos clubes brasileiros, porém, não deixa de ser um feito. Um feito de planejamento - que levou exatos dois anos para ser executado. Numa tarde de setembro de 2008, o diretor de marketing do clube, o ex-banqueiro Luís Paulo Rosenberg, reuniu-se com quatro executivos globais da Nike na sede da companhia, em Portland, nos Estados Unidos.

O objetivo era criar projetos conjuntos para celebrar o centenário - até então, a Nike, maior empresa de artigos esportivos do mundo, era apenas a patrocinadora do uniforme corintiano. "Fazia todo o sentido estreitarmos os laços", diz Tiago Pinto, que participou do encontro e hoje é diretor de marketing da Nike no Brasil. "Para nós, a data era ótima para fortalecer a marca. Para o clube, era uma chance de, enfim, transformar sua torcida fanática numa multidão de consumidores."

O encontro, realizado a 10 000 quilômetros do Parque São Jorge, sede do Corinthians, instalada no bairro paulistano do Tatuapé, rompeu com uma velha tradição do futebol brasileiro. Até então, a relação entre empresas e times de futebol no país se limitava à exposição das marcas nos uniformes - estratégia que trazia retorno limitado para as duas partes. De acordo com o escritório brasileiro da consultoria americana Crowe Horwath RCS, no ano passado patrocínio e publicidade representaram apenas 14% do faturamento das 20 principais equipes do país. As maiores fontes de receita foram as cotas de TV para a transmissão dos jogos (28%) e a transferência de atletas (19%).


É justamente aí que mora o problema. Depender da venda de grandes revelações a times do exterior é arriscado - não é sempre que surgem atletas com talento suficiente para atrair propostas milionárias ou, como vem acontecendo nos últimos tempos, as ofertas podem rarear em consequência de crises econômicas. A sobrevivência financeira passa, assim, a depender cada vez mais de fontes alternativas de recursos. "Na Europa, o marketing chega a responder por um terço do faturamento das equipes. O fortalecimento dessa área nos clubes brasileiros é vital para sua sobrevivência no futuro", diz Amir Somoggi, diretor da Crowe Horwath RCS.

Para o Corinthians, a comemoração dos 100 anos foi vista como a grande oportunidade de colocar essa estratégia em prática. As mudanças começaram logo após a reunião com os executivos da Nike. Desde o fim de 2008, um coordenador de marketing da empresa dá expediente diariamente na sede do clube. Ele participa das reuniões da equipe de marketing e sugere ações que fujam à relação tradicional entre o clube e seu patrocinador. A organização de eventos é um desses novos filões.

Em dezembro de 2008, a Nike preparou a festa de apresentação de Ronaldo, o grande reforço do Corinthians para o ano de seu centenário. Em vez de chamar os veículos de imprensa e organizar uma simples entrevista coletiva, a Nike preparou uma cerimônia inédita no Brasil - nos moldes do que costuma fazer com equipes europeias, como o Barcelona e o Manchester United. Convidou 6 000 torcedores para o Estádio da Fazendinha, na sede do clube, e fez Ronaldo desfilar no centro do gramado para ser aplaudido de pé.

No início deste ano, a apresentação da nova camisa da equipe - nas cores preta e roxa - também fugiu dos padrões. A Nike convidou o lateral Alessandro, símbolo da garra corintiana, para ser o primeiro a vestir o novo uniforme - e transmitiu a cena ao vivo para 17 000 internautas em sua página no Facebook.

Com o passar do tempo, a Nike ganhou espaço estratégico (e tático) dentro do Corinthians. No ano passado, logo após a vitória sobre o Fluminense nas semifinais da Copa do Brasil, Mano Menezes, à época técnico da equipe e hoje à frente da seleção brasileira, chamou os executivos da Nike para uma conversa. Mano explicou que gostaria de mostrar aos jogadores a importância de vencer aquele torneio às vésperas do centenário e pediu a ajuda da empresa para fazer isso em grande estilo. Em parceria com a agência de publicidade F/Nazca, a Nike produziu um vídeo com os principais momentos da campanha corintiana até a partida final, além de depoimentos de pessoas próximas aos atletas, como o roupeiro, o massagista, o segurança.


Os jogadores assistiram ao vídeo no vestiário minutos antes de entrar em campo para a final contra o Internacional, em Porto Alegre. Mano Menezes permaneceu em silêncio. A partida terminou empatada, o Corinthians conquistou o título e o filme se tornou um sucesso instantâneo. Naquela noite, foi transmitido nos principais telejornais. No dia seguinte, mais de 1 milhão de pessoas assistiram ao vídeo no YouTube.

Nenhuma ideia, porém, provocou tanto barulho quanto a criação da República Popular do Corinthians, uma "nação" formada pelos 30 milhões de torcedores do clube - para marcar o feito, a Nike promoveu uma grande festa no dia 31 de agosto na sede do clube. O grande homenageado da noite foi o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, corintiano ilustre, empossado como presidente fictício dessa República. Lula recebeu certidão de nascimento, passaporte e carteira de identidade em preto e branco.

Hoje, qualquer torcedor pode encomendar seus próprios documentos oficiais. Ao criar esses produtos e oferecê-los, a Nike enxergou o Corinthians não como um time de futebol popular, mas como o centro de uma comunidade fanática por uma marca, com interesses comuns e conhecidos. A comunidade corintiana estava pronta. Foi forjada ao longo dos últimos 100 anos. A missão da Nike se resumia a criar produtos e serviços para um grupo de 30 milhões de consumidores. A ação se tornou referência para outras subsidiárias da Nike. Executivos de países como Coreia, México e Itália estão interessados em criar projetos semelhantes para seus patrocinados.

O sucesso dessa estratégia faz o Corinthians romper uma espécie de maldição que assombra os clubes brasileiros no ano de seu centenário. Em geral, estimulados pela data, eles contratam jogadores consagrados por salários altíssimos - sem que isso necessariamente represente um aumento de arrecadação. O que fica para o futuro são dívidas astronômicas. É o caso dos quatro grandes clubes do Rio de Janeiro - Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco. 


Com mais de 100 anos de história, eles encabeçam a lista das equipes mais endividadas do Brasil, com débitos superiores a 300 milhões de reais cada um. Quem conseguiu fugir dessa sina foi o Internacional, que comemorou o centenário em 2009. A equipe gaúcha aproveitou a data e iniciou, em 2003, uma campanha para passar de 7 000 a 100 000 sócios - um recorde na América Latina.

A carteira de associados rendeu no ano passado 37 milhões de reais - o faturamento total do Inter, de 176 milhões de reais, só fica atrás do corintiano. "Aproveitamos para planejar nossos próximos 100 anos", diz Jorge Avancini, diretor de marketing do Inter.

Apesar dos bons resultados, o desempenho do Corinthians ainda está distante do dos clubes europeus. O Real Madrid, por exemplo, faturou mais de 139 milhões de euros em marketing em 2009, graças, principalmente, à venda de itens com o nome de Kaká e Cristiano Ronaldo - no total, o time vende mais de 700 produtos. No Corinthians, a receita obtida com marketing em 2009 foi apenas um quinto do valor do clube espanhol. O grande desafio do Timão agora é criar mecanismos para que, passado o frenesi em torno do centenário, o faturamento continue a crescer.

As maiores oportunidades estão em produtos e serviços licenciados. A rede de lojas esportivas Poderoso Timão, por exemplo, criada em 2008, já tem 100 unidades no país. Nas próximas semanas, o Corinthians deve lançar uma cadeia de farmácias franqueadas, a Farma Timão - a previsão é inaugurar dez lojas em um ano. Uma linha de carnes para churrasco também será lançada. Detalhe: serão apenas cortes bovinos - nada de porco, símbolo do maior rival, o Palmeiras.

O Corinthians já tem parceria com 174 empresas para licenciar sua marca. "Não vendemos mais centímetros na camisa, vendemos a fidelidade de 30 milhões de consumidores", diz Rosenberg, que torce para o clube quebrar outra maldição das equipes em ano de centenário e conquistar o Brasileirão de 2010.

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