Supermercado no Reino Unido: empresas com práticas éticas e sustentáveis foram mais resilientes na pandemia (Anthony Devlin/Bloomberg/Getty Images)
A crise da COVID-19 revelou como nossos principais desafios estão entrelaçados. A perda de biodiversidade e o aumento das desigualdades contribuíram para um desastre global de saúde pública e para a pior crise econômica em quase um século.
Como costuma acontecer nesses momentos, as pessoas estão repentinamente receptivas a mudanças que antes teriam rejeitado imediatamente. Por exemplo, há uma grande mudança em andamento no mundo empresarial, em que muitos executivos e investidores estão ansiosos para adotar práticas e modelos de negócios mais sustentáveis e responsáveis.
A tarefa agora é garantir que essa nova mentalidade se torne viral. Como é que podemos garantir que todas as empresas estão no caminho certo, tendo em conta que permanecerão em dívida com as exigências e os interesses dos acionistas e investidores? Uma resposta óbvia é por meio dos padrões ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança). Mas os modelos ESG oferecem apenas uma solução parcial. É precisamente por essa área estar agora em expansão que ela ficou concorrida e confusa, levando a reclamações sobre “o cansaço perante os relatórios de sustentabilidade”.
Felizmente, houve alguma consolidação recentemente com os principais criadores de padrões ESG, como a Global Reporting Initiative e o Sustainability Accounting Standards Board, anunciando que trabalharão juntos. Seu objetivo não é criar um único padrão, mas, sim, “ajudar as partes interessadas a compreender melhor como é que os padrões podem ser utilizados simultaneamente”.
Da mesma forma, no interesse da clareza, comparabilidade e consistência, o Conselho de Negócios Internacionais do Fórum Econômico Mundial divulgou recentemente os “Parâmetros do Capitalismo de Partes Interessadas”, que visam acelerar a convergência entre os principais organismos definidores de padrões privados. E a União Europeia lançou uma revisão de sua diretiva de relatórios não financeiros, que exige que as grandes empresas divulguem informações sobre como operam e gerem os desafios sociais e ambientais.
Tudo isso é bom. O setor de financiamento do ESG está crescendo rapidamente e provavelmente continuará a se expandir agora que as empresas com reputação de terem práticas éticas e sustentáveis estão provando ser mais resilientes durante a crise da covid-19. Mas esse progresso pode ser prejudicado se os investidores não puderem comparar facilmente os conjuntos de divulgações ESG de diferentes empresas.
O que precisamos, então, é de um conjunto de padrões ESG verdadeiramente globais, com parâmetros claros e harmonizados e regras de divulgação. Isso não significa que seja preciso haver apenas um conjunto de padrões. Alguns padrões de relatórios fornecem mais informação do que outros; alguns vão se focar em tópicos que são importantes para a criação de valor empresarial; e alguns enfatizarão o impacto de uma empresa no mundo que a rodeia. Ainda haveria diferentes abordagens para os relatórios ESG, mas todas se apoiariam na mesma base.
Além disso, relatórios ESG claros são apenas uma parte do quebra-cabeça. As empresas também precisarão complementar as divulgações de risco baseadas em ESG com parâmetros para avaliar seu impacto no ambiente e na sociedade, relatando externalidades negativas e positivas. Dito de outra forma, temos de passar de uma cultura de declarações e intenções definidas para uma de resultados do mundo real, com base em avaliações de impacto.
Medir o impacto mais amplo de uma empresa é o primeiro passo em direção a uma prestação de contas das empresas adequada. Indo além da produção imediata, esses parâmetros concentram-se em resultados mais amplos decorrentes do comportamento de uma empresa. Esse tipo de estrutura incentiva os líderes empresariais a integrar os objetivos de impacto em suas estratégias principais, acelerando assim a mudança do capital para investimentos responsáveis. Também facilita que os governos ajustem as políticas que afetam as atividades corporativas.
A contabilização do impacto é a melhor maneira de criar as condições equitativas que o capitalismo das partes interessadas exige. Reconhece formalmente o valor das decisões motivadas por preocupações em matéria de clima e biodiversidade. É responsável por questões de emprego, como igualdade de salários, benefícios, progressão na carreira, e saúde e segurança ocupacionais. Incentiva as empresas a promover práticas sustentáveis em todas as suas cadeias de abastecimento, o que pode gerar retornos, tornando-as mais resistentes a choques repentinos. E, por último, mas não menos importante, os parâmetros de impacto fáceis de entender são a chave para criar confiança com clientes, comunidades locais e todas as outras partes interessadas.
É claro que nem todas as empresas terão um impacto positivo no mundo. Em alguns setores, as medições de impacto serão consistentemente negativas. O objetivo é traçar uma linha entre as empresas que estejam verdadeiramente comprometidas com a maximização do seu impacto positivo líquido e aquelas que estão apenas fazendo publicidade enganosa, levando as pessoas a acreditar que estão fazendo mais para proteger o ambiente do que aquilo que realmente fazem (greenwashing).
Se houver mais empresas oferecendo dados de impacto rigorosos, comprovados e transparentes aos investidores que estão dando resposta às exigências dos clientes por investimentos responsáveis, os fluxos de capital vão se ajustar em conformidade, gerando os efeitos em cadeia mais positivos possíveis.
Uma questão final é se a contabilização do impacto pode funcionar como um complemento da contabilidade financeira. Afinal de contas, as medições de impacto são complexas e parecem apoiar-se em suposições que podem ser facilmente contestadas. No entanto, tal como observou John Maynard Keynes: “É melhor estar mais ou menos certo do que precisamente errado”.
Além disso, não é como se os métodos de contabilidade financeira consagrados de hoje fossem perfeitos. Eles também meramente estimam realidades econômicas subjacentes. Não devemos nos esquivar de procurar o mesmo tipo de aproximação sólida quando se trata de medir o impacto social e ambiental de uma empresa.
Desde que os esforços para medir e monetizar o impacto começaram com um pequeno conjunto de parâmetros simples desenvolvidos pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (com base no trabalho da Business for Well-Being Initiative), surgiram estruturas mais avançadas, que continuarão a evoluir e a expandir-se. Com uma contabilidade robusta do impacto de operações diretas, cadeias de abastecimento e avaliações ambientais e sociais de bens e serviços em vigor, os governos serão capazes de elaborar políticas para estimular o comportamento responsável e aumentar os custos de externalidades negativas, como as emissões de gases causadores do efeito estufa.
Os desafios são grandes, e governos e empresas têm de se unir para incorporar a contabilização do impacto como prática corporativa habitual. Um roteiro global poderia abranger questões-chave, como transparência e regras de divulgação, permitindo, por sua vez, um progresso mais rápido em direção a parâmetros comuns e uma metodologia compartilhada que poderia alinhar os interesses de empresas, investidores e governos em torno dos principais desafios do nosso tempo. Uma nova fronteira de empresas responsáveis nos aguarda.