Revista Exame

Como derrotar o populismo no Brasil (e no mundo)

Um dos principais estrategistas da campanha do presidente francês, Emmanuel Macron, acredita que a experiência do estadista possa ser replicada por aqui

Guillaume Liegey: “A corrupção é a forma extrema do afastamento 
da classe política” (Divulgação/Exame)

Guillaume Liegey: “A corrupção é a forma extrema do afastamento da classe política” (Divulgação/Exame)

FF

Flávia Furlan

Publicado em 24 de agosto de 2017 às 05h55.

Última atualização em 24 de agosto de 2017 às 05h55.

São Paulo — O francês Guillaume Liegey,  de 37 anos, tem sido assediado por políticos do mundo todo. Ele ajudou a eleger Emmanuel Macron presidente da França neste ano, derrotando a candidata de extrema direita Marine Le Pen.

Liegey, que trabalhou na consultoria McKinsey, entrou na política em 2008 como voluntário da campanha de Barack Obama, enquanto fazia um mestrado em administração pública em Harvard.

De volta à França, em 2012 tornou-se um dos gerentes da campanha de François Hollande. Em 2013, fundou com dois sócios a consultoria LMP, que usa tecnologia para traçar estratégias eleitorais.

Para ele, no mundo todo hoje há um afastamento entre os eleitos e a população, o que gera abstenção, corrupção e populismo. Sobre as eleições no Brasil em 2018, ele diz: “A experiência de Macron pode ser replicada”.

Exame - O senhor acredita que haja uma polarização no cenário político mundial?

Liegey - À primeira vista, parece que está ocorrendo uma polarização porque as pessoas que se posicionam nos extremos das ideologias políticas fazem mais barulho do que as que estão no centro. Mas o que ocorre é que os indivíduos no extremo tendem a defender mais fortemente sua posição, falam mais do assunto nas redes sociais e estão mais motivados a votar. A vitória de Emmanuel Macron, no entanto, mostrou que há uma massa de pessoas no centro desse espectro político que não gritam, mas que podem ser motivadas a votar.

Exame - Por que as eleições no mundo têm tido uma alta taxa de abstenção?

Liegey - Há uma crescente falta de conexão entre a classe política e o eleitor. A primeira consequência disso tem sido a queda do percentual da população que vota nos últimos 15 anos. Outra consequência é o surgimento de candidatos populistas, que querem restabelecer essa ligação com a população. Não sou cientista político, mas estou trabalhando em muitas campanhas europeias. Posso dizer que a conexão está sendo restabelecida. Mas leva tempo.

Exame - A corrupção também é resultado dessa falta de conexão?

Liegey - A corrupção é a forma extrema dessa falta de conexão e ocorre quando os políticos vivem tão descolados da realidade que sentem que não há leis para eles. Outro sinal dessa desconexão é o fato de os eleitos não representarem a sociedade. Na Europa, os políticos são, em sua maioria, homens brancos que têm um elevado nível educacional. Precisamos mudar essa dinâmica.

Exame - Nesse contexto, qual será o futuro dos partidos tradicionais?

Liegey - Eles estão perdendo terreno em alguns países porque não representam a população. No entanto, essa realidade pode ser revertida. Na Alemanha, os principais partidos estão com voluntários batendo às portas para saber o que os eleitores querem dos governantes. Por lá, os partidos tradicionais estão conseguindo manter a liderança.

Exame - Como um partido novo, o Em Marcha, ganhou sua primeira eleição na França?

Liegey - Macron fez o que ninguém havia feito: pediu para quem se tornou membro do partido ir a campo e não pedir votos, mas ouvir os eleitores. Milhares de voluntários fizeram oito perguntas sobre como as pessoas enxergam o país. Ao final, coletamos as informações e respondemos a três perguntas: o que os meus eleitores-alvo estão procurando? Onde eles estão? Qual o plano de campanha?

O motivo disso é que, quando você começa a campanha, não tem tempo nem voluntários suficientes para atingir a todos, então tem de definir seu foco. Minha empresa desenvolveu um algoritmo que identifica os bairros com o maior número de potenciais eleitores. Um candidato carismático também ajuda, com uma boa história. Então, numa campanha, é preciso ter tecnologia, dados e pessoas.

Exame - Esses fatores relacionados a dados e tecnologia garantem quanto do resultado?

Liegey - Eles garantem de 3% a 5% dos votos. Pode parecer pouco, mas é muito. Macron terminou na liderança no primeiro turno das eleições por uma margem dessa magnitude em relação à segunda candidata, Marine Le Pen. Como gerente de campanha, o que se pode fazer é maximizar o que é controlável: o orçamento, o treinamento das pessoas, o software adquirido. E rezar pelo resto. Macron, por exemplo, estava no lugar certo e na hora certa. Houve um escândalo que atingiu o opositor François Fillon, e isso deu vantagem a Macron.

Exame - Qual o papel das redes sociais nas campanhas?

Liegey - Elas unem os voluntários, criando uma mobilização extra. E são uma fonte de dados sociais importante. Mas hoje não sabemos se elas são efetivas para mudar a opinião das pessoas.

Exame - Nas eleições no Brasil em 2018, haverá espaço para uma estratégia como a de Macron?

Liegey - A experiência de Macron pode ser replicada. Ele se inspirou na campanha de Barack Obama em 2008. Tenho tido contato com candidatos no Brasil. Falei com pessoas que querem criar movimentos políticos. Dada a crise política brasileira, todos devem estar abertos a novas formas de fazer campanha. Não há nada a perder.

Acompanhe tudo sobre:CorrupçãoCrise políticaEmmanuel MacronMarine Le PenPolíticos

Mais de Revista Exame

Borgonha 2024: a safra mais desafiadora e inesquecível da década

Maior mercado do Brasil, São Paulo mostra resiliência com alta renda e vislumbra retomada do centro

Entre luxo e baixa renda, classe média perde espaço no mercado imobiliário

A super onda do imóvel popular: como o MCMV vem impulsionando as construtoras de baixa renda