Revista Exame

Cidades médias são boas para empreender, mostra estudo

O ranking da Endeavor mostra que cidades de porte médio também podem ser excelentes lugares para empreender — melhores até do que muitas metrópoles


	Sorocaba: a cidade se destaca por ter a segunda melhor infraestrutura, atrás apenas de São Paulo
 (Alexandre Battibugli/Exame)

Sorocaba: a cidade se destaca por ter a segunda melhor infraestrutura, atrás apenas de São Paulo (Alexandre Battibugli/Exame)

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Da Redação

Publicado em 16 de fevereiro de 2016 às 12h57.

São Paulo — A ampliação do número de cidades avaliadas pela ONG Endeavor no ranking de empreendedorismo — de 14 no ano passado para 32 neste ano — colocou em evidência um grupo de municípios de porte médio. São cidades presentes no imaginário de muitos brasileiros que gostariam de viver em lugares sem os problemas típicos das metrópoles ou as limitações das localidades pequenas.

A boa classificação obtida por algumas cidades médias em 2015 mostra que elas podem ser atraentes também para quem está interessado em abrir uma empresa.

“São cidades que proporcionam qualidade de vida e, ao mesmo tempo, oferecem diversas características favoráveis ao desenvolvimento de um negócio”, diz João Melhado, gerente de pesquisa da Endeavor. Entre as que estrearam no ranking deste ano, a mais bem posicionada é Campinas, em quinto lugar.

O município se beneficia de fatores como proximidade de São Paulo (a 100 quilômetros), excelente infraestrutura (é bem servida por rodovias e conta com o quinto maior aeroporto do país) e centros de excelência em ciência e tecnologia (tem a segunda maior média de investimento público em inovação, atrás apenas de São Paulo).

Com mais de 1 milhão de habitantes, porém, Campinas é maior do que muitas capitais e há muito tempo está no radar dos empreendedores.

As surpresas no ranking são cidades com população em torno de 500 000 habitantes que estreiam já perto do topo — a paulista São José dos Campos, em sexto lugar, e a catarinense Joinville, em nono, ficaram à frente de grandes centros, como Rio de Janeiro (décimo) e Belo Horizonte (12o).

São José dos Campos, polo da indústria aeronáutica brasileira, e Joinville, reconhecida por sua tradição no setor mecânico, aproveitam o know-how nessas áreas para ampliar o raio de ação de seus empreendimentos. Ambas planejam consolidar-se nos próximos anos como polos de tecnologia da informação, apoiadas em seu parque tecnológico e, sobretudo, na excelente mão de obra que são capazes de formar.

Sede do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e da fabricante de aviões Embraer, São José dos Campos tem entre seus moradores cerca de 1 700 doutores e 4 700 mestres — está entre as cinco primeiras cidades do país em capital humano e inovação.

Em Joinville, o investimento histórico em ensino técnico, um dos alicerces de suas indústrias, contribuiu para atrair uma série de instituições públicas e privadas de ensino superior. As novas gerações continuam sendo bem preparadas em ambas as cidades, como mostram os dados do Ideb, o indicador do governo federal que mede a qualidade da educação básica.

Na última avaliação, realizada há dois anos, Joinville ficou em primeiro lugar nos anos finais do ensino fundamental, com nota 5,1, seguida justamente de São José dos Campos, com 4,9. As duas cidades, portanto, são as que estão mais próximas de alcançar a média 6, meta estabelecida pelo Ministério da Educação para elevar o ensino público brasileiro ao patamar dos países desenvolvidos.

Outros pontos em comum às cidades médias mais bem classificadas no ranking deste ano são a boa infraestrutura e o mercado interno forte. “Estamos no centro de uma região importante, com alto poder de consumo”, diz o prefeito de São José dos Campos, Carlinhos Almeida (PT). O PIB per capita da cidade, de 43 600 reais ao ano, é superior ao de capitais como Porto Alegre e Curitiba.

Por sua vez, Joinville, o município mais populoso de Santa Catarina, está integrado ao terceiro maior complexo portuário do Brasil, que inclui os portos de São Francisco do Sul, Itajaí e Itapoá. A cidade, além disso, fica às margens da BR-101, uma das principais vias de escoamento de cargas do país, e seu aeroporto passou recentemente por uma reforma.

Tudo isso contribui para que Joinville tenha a terceira melhor in­fraes­trutura entre as 32 cidades avaliadas, um fator vital para atrair empreen­dimentos. Nos últimos três anos, o PIB de Joinville cresceu perto de 5% ao ano e, mesmo com o país em recessão, a cidade mantém o otimismo.

“Estamos preparados para uma grande expansão nas próximas três décadas, período em que a cidade deve dobrar de tamanho e chegar a 1 milhão de habitantes”, diz o prefeito de Joinville, Udo Döhler (PMDB), que também é empresário — e presidente da indústria têxtil Döhler. 

Para Joinville, preparar-se para o futuro significa, também, livrar-se de certo provincianismo que caracterizava a cidade até pouco tempo atrás. As empresas locais dificilmente traziam executivos de fora, uma situação que só começou a mudar na última década. Uma empresa que simboliza os novos tempos é a Pollux, especializada em automação industrial.

Criada em 1996, a companhia tem hoje 150 funcionários, entre eles profissionais de vários estados e formados em países como Estados Unidos, França, Itália e México. O próprio fundador da Pollux, o engenheiro José Rizzo, é um forasteiro. Carioca, ele chegou a Joinville há 20 anos para trabalhar na fabricante de compressores Embraco, de onde logo saiu para montar o próprio negócio.

A decisão não poderia ter sido mais acertada. Em 2015, com crise e tudo, a Pollux deverá faturar 50 milhões de reais, o dobro do registrado no ano passado. “Todas as empresas estão preocupadas em cortar custos e aumentar a competitividade, e a Pollux quer ajudá-las nesse objetivo”, afirma Rizzo.

Um desafio para muitas cidades de médio porte é diversificar os negócios e reduzir a dependência de setores que historicamente formaram a base da economia local. Nesse aspecto, São José dos Campos parece estar num bom caminho.

O número de pequenos empreendimentos na cidade cresceu 40% no ano passado e, em 2015, o ritmo de abertura de empresas tem girado em torno de 400 por mês, a maioria sem ligação com a indústria aeronáutica. A Compsis é uma empresa cuja trajetória retrata bem a evolução recente da cidade.

Nascida da indústria aeroespacial, a empresa ampliou gradualmente seus negócios e hoje atua muito mais em tecnologia da informação do que no setor de origem — faz projetos de engenharia para operações, como cobrança eletrônica de pedágio, telemetria de veículos e gestão fiscal. “Não podíamos depender da sazonalidade de uma única fonte.

Afinal, precisamos manter uma equipe de 120 profissionais muito qualificados”, diz o engenheiro eletrônico paraibano Ailton de Assis Queiroga, presidente da Compsis. Ele chegou à cidade há 35 anos para trabalhar na Embraer e hoje, com três filhos entre 14 e 21 anos, todos nascidos em São José dos Campos, afirma que não trocaria por nada a tranquilidade que desfruta ao lado da família.

Só lamenta que a estrutura educacional da cidade ainda esteja muito focada em engenharia. “Meus filhos, como os de muitos amigos, têm de estudar fora porque escolheram outras áreas. A cidade precisa ampliar a oferta de cursos”, diz Queiroga.

Educação para todos

Trata-se de um problema que não atinge Sorocaba, outra cidade média paulista que despontou neste ano no ranking da Endeavor, em 15o lugar. Com um sistema educacional bem diversificado, a cidade conta com cinco universidades e mais uma dezena de faculdades.

Entre as participantes da pesquisa da Endeavor, Sorocaba tem o maior índice de jovens entre 15 e 17 anos que frequentam uma escola — 82%, ante a média nacional de 62%. Além da boa oferta na área de educação, Sorocaba se destaca pela segurança e pela qualidade de vida.

“Qual executivo não gostaria de morar numa cidade que tem todas as entradas monitoradas por câmeras e 120 quilômetros de ciclovias?”, diz o prefeito Antônio Carlos Pannunzio (PSDB). Para a Tecsis, fabricante de pás para turbinas eólicas, com mais de 45 000 equipamentos instalados em diversos países, outro aspecto pesou na escolha da cidade.

“A tradição industrial de Sorocaba assegurou a existência dos grandes galpões de que precisávamos. Esse foi o fator inicial mais decisivo para a escolha da cidade”, diz o engenheiro Bento Koike, fundador da Tecsis. Aos poucos, no entanto, ele foi descobrindo em Sorocaba o ambiente ideal para a empresa ganhar corpo e conquistar grandes multinacionais como clientes.

Outros pontos que favorecem os negócios são as facilidades propiciadas pela localização próxima ao aeroporto de Viracopos e ao porto de Santos. Isso ajuda Sorocaba a se destacar como a cidade com a segunda melhor infraestrutura na pesquisa da Endeavor, atrás apenas de São Paulo. Entre as cidades que estrearam neste ano no ranking figuram também algumas capitais.

O principal destaque é João Pessoa, em 22o lugar, a segunda melhor capital do Nordeste, atrás apenas de Recife (quarto) e à frente de centros maiores, como Salvador (24o) e Fortaleza (30o). Contribui para isso a facilidade na abertura de um negócio — João Pessoa tem o terceiro melhor ambiente regulatório entre as 32 cidades avaliadas.

Diferentemente do que ocorre em metrópoles como São Paulo, sobre as quais se costuma dizer que há demanda para tudo, em cidades médias, como João Pessoa, é preciso fazer uma aposta mais sintonizada com as vocações e as carências locais.

A dentista Taís Cristina da Rosa fez essa análise ao escolher a capital paraibana para abrir o Ateliê do Sorriso São Rafael, clínica especializada em odontologia estética para o público de alta renda. João Pessoa venceu a concorrência até de Florianópolis, cidade natal de Taís.

“João Pessoa é uma cidade boa para viver, sem tantos problemas de mobilidade e com custo de vida inferior ao de Florianópolis”, afirma. “E o principal é que a cidade até então não dispunha do serviço que viemos oferecer.”

À frente de 13 dentistas e sete funcionários, Taís começa a colher os frutos do investimento inicial de 1 milhão de reais, que incluiu a compra de um imóvel que considerou “surpreendentemente barato” — o metro quadrado em João Pessoa custa, em média, 3 000 reais, ante 5 300 em Florianópolis. 

Ao se decidir por João Pessoa, Taís baseou-se também nas informações sobre a expansão do segmento de estética na cidade. “Negócios ligados à beleza são os que mais têm crescido por aqui, ao lado de turismo e alimentação”, diz Diego Tavares, secretário municipal de Desenvolvimento. Apoiada nessas três áreas, João Pessoa vive um boom de pequenos empreendimentos.

O programa da prefeitura de apoio a pequenos negócios, o Banco Cidadão, deverá fechar o ano com mais de 10 milhões de reais de empréstimos concedidos a 2 500 negócios, com taxa de juro inferior a 1% ao mês. O dinheiro deverá ser aplicado na estruturação do negócio ou em capacitação técnica.

O incentivo a pequenos empreendimentos é também um caminho para aumentar o PIB per capita da cidade, um dos mais baixos entre as participantes da pesquisa da Endeavor. “A maioria das empresas que vão gerar empregos e desenvolvimento na cidade nos próximos anos nasce pequena”, diz o prefeito Luciano Cartaxo (PSD).

“Quanto mais empreendimentos forem semeados agora, mais frutos teremos para colher adiante.” É um exemplo que pode inspirar outras cidades interessadas em entrar na lista das melhores do país para empreender.

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