Revista Exame

China não deve se tornar líder global em tecnologia tão cedo

Em livro lançado neste mês, Arthur Kroeber faz um raio X da economia chinesa e argumenta que o país ainda está longe da inovação.

Fábrica da Foxconn na China: o iPhone é montado no país, mas toda a tecnologia vem de fora (Divulgação/Exame)

Fábrica da Foxconn na China: o iPhone é montado no país, mas toda a tecnologia vem de fora (Divulgação/Exame)

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Da Redação

Publicado em 1 de julho de 2016 às 18h11.

São Paulo — A economia chinesa vai se tornar inovadora? Essa é uma das grandes perguntas que os políticos locais e quem estuda a China fazem constantemente. Sem a pretensão de oferecer uma resposta completa e definitiva, penso que vale ter em mente algumas considerações. Primeiro, as empresas chinesas são, em geral, muito boas em adaptar inovações feitas em outros países.

Modificam produtos, serviços e processos — com frequência, de maneira substancial — para torná-los mais coe­rentes com as necessidades do mercado chinês. Esse é um tipo importante de inovação. Mas as companhias chinesas mostram pouca aptidão para desenvolver novos produtos, serviços ou processos que sejam adotados ou imitados em outros países.

Essa é uma distinção importante entre a China de hoje e o Japão dos anos 60 e 70. O Japão foi pioneiro em algumas inovações importantes que viriam a ser replicadas em várias partes do mundo — particularmente a ‘gestão de qualidade total’ (na verdade, um desenvolvimento japonês de ideias concebidas pelo engenheiro americano William Edwards Deming).

Em meados da década de 70, o Japão abrigava um grande rol de companhias que começavam a estabelecer padrões de qualidade e tecnologia para uma série de setores: a montadora de veículos Toyota, as fabricantes de eletrônicos Sony e Panasonic, as fabricantes de máquinas fotográficas Nikon e Canon, a produtora de relógios Seiko, entre outras.

A China de hoje não tem companhias desse tipo. E, olhando para a frente, não há nada parecido no horizonte. Tem mais: ninguém está indo à China para buscar inspiração em como fazer as fábricas nos Estados Unidos e na Europa operar melhor. Esse é o primeiro ponto. O segundo está relacionado com os objetivos das polí­ticas chinesas de inovação.

Muitas vezes essas políticas parecem tratar menos de incentivar a criatividade e mais de reduzir a dependência de produtos, ideias e serviços importados. E isso é um problema. Os países que são amplamente reconhecidos como lí­deres em inovação não temem importar ideias, pessoas e produtos. Na verdade, os processos de inovação dependem cada vez mais desses movimentos transnacionais.

É por isso que temos sérias dúvidas a respeito do potencial inovador da China. Trata-se de uma sociedade que agiu agressivamente nos últimos anos para restringir a ­livre troca de ideias. O Partido Comunista sempre foi relativamente repressivo em relação ao fluxo de informações. No entanto, sob o co­mando do atual presidente Xi ­Jinping, o controle aumentou.

Vozes independentes na mídia social foram silenciadas, a censura aumentou, sites locais e estrangeiros foram bloqueados no país e organizações da sociedade civil que recebem financiamento estrangeiro ou são suspeitas de propagar ideias do exterior foram perseguidas. Xi também lançou uma campanha para encorajar os professores universitários a promover ideias ‘chinesas’ em suas aulas.

Essa hostilidade opressiva e crescente ao pensamento de outras sociedades e também a ideias locais não aprovadas por apparatchiks do Partido Comunista é, obviamente, inimiga da inovação. A China fez progressos tecnológicos inegavelmente rápidos nas últimas três décadas, mas há poucas evidências concretas para sugerir que está se tornando um líder em inovação.

Um país com forte posição em tecnologia tende a ter muitas exportações de manufaturados, porque sua vantagem tecnológica significa que pode fazer coisas que outros não podem. Isso vale certamente para os países que desde há muito foram reconhecidos como líderes na área da inovação — Estados Unidos, Alemanha e Japão. To­dos eles exportam grandes volumes e um amplo leque de produtos manufaturados.

A China também exporta produtos industrializados — aliás, os chineses exportam hoje mais manufaturados, por valor, do que qualquer outro país do mundo. Quase 30% de suas vendas externas são classificadas pelo governo chinês como produtos de ‘alta tecnologia’. Um olhar mais atento, no entanto, desmente esse mito.

Quase metade das exportações totais de manufaturados da China e cerca de 70% de suas exportações de ‘alta tecnologia’ são produzidas por empresas estrangeiras. Isso não ocorre — nem de longe — nos Estados Unidos, na Alemanha e no Japão. O papel da China nas cadeias globais de produção continua sendo, prin­cipalmente, o de ponto de montagem final de produtos.

Os componentes são fabricados em outros países ou por empresas estrangeiras instaladas na China. A esmagadora maioria dos iPhones — smart­phone da Apple — é montada na China, o que contribui positivamente para seu superávit comercial. No entanto, nenhuma tecnologia embutida num iPhone vem da China. O sistema operacional e o ­design surgiram nos Estados Unidos.

O chip, que é a parte crucial do hard­ware, foi projetado e é fabricado pela Samsung na Coreia do Sul. As telas sensíveis ao toque são resultado de pesquisas realizadas nos Estados Unidos, na Europa e no Japão. Atualmente são produzidas pela japonesa Toshiba.

Muitos outros componentes eletrônicos, tais como a câmera fotográfica do smartphone, são produzidos pela Infineon, uma companhia alemã. Mesmo o processo de montagem (que conta como uma forma de tecnologia soft) é administrado pela Foxconn, uma empresa taiwanesa.

Marcas mundiais?

Poucas companhias chinesas são reconhecidas como líderes globais em seus campos de atuação. As exceções costumam ter grandes volumes de venda em virtude do imenso mercado chinês, mas pouca pretensão à liderança em qualidade, processos ou tecnologia. Os Estados Unidos têm muitas empresas globalmente importantes.

Alemanha, França, Grã-Bretanha, Japão e até paí­ses bem pequenos têm marcas globalmente conhecidas. A Coreia do Sul, por exemplo, tem os conglomerados Samsung, Hyundai e LG. Canadá e Brasil têm, cada um, uma fabricante de aviões bem-sucedida em âmbito global. A China, a despeito de seu enorme mercado de aviação, não tem nenhuma.

A história de sucesso de empresa chinesa mais frequentemente citada é a Huawei, a segunda maior fabricante mundial de equipamentos para redes telefônicas. É verdade que dois terços das vendas da companhia ocorrem fora da China. Mas a Huawei é muitas vezes citada porque outros exemplos são raros.

As companhias chinesas de construção civil estão expandindo sua presença no exterior e é provável que, nas próximas décadas, venham a dominar o mercado de infraestrutura em termos de volumes totais de construção. Em sua maioria, porém, elas se conformam ao modelo de negócios conhecido como ‘80% da qualidade por 60% do preço’ das concorrentes.

Alguns argumentam que a China está apenas no começo. A maioria de suas empresas privadas tem menos de 20 anos de idade e, de acordo com essa tese, é só questão de tempo para elas imitarem o sucesso internacional de seus pares japoneses e sul-coreanos. Uma comparação com o Japão, porém, suscita dúvidas.

No início da década de 70, o PIB per capita do Japão, corrigido pelo poder de compra, era aproximadamente o mesmo que o da China atual. Mas o Japão já tinha então um grande número de empresas com importante posição nos mercados internacionais com produtos tecnológicos. A China não.

Sugere-se, às vezes, que a China está rapidamente avançando para uma posição de liderança em campos de pesquisa básica, cujos resultados não se mostram em estatísticas econômicas. A China está gastando muito mais dinheiro em pesquisa científica básica do que a maioria dos países. Mas disposição de gastar dinheiro não é o mesmo que resultados.

Um teste cru, mas útil, das proezas em pesquisa científica básica de um país é uma contagem de ganhadores de prêmios Nobel em Física, Química e Medicina. Entre 1990 e 2015, dois terços desses prêmios foram para pesquisadores em instituições americanas, uma parte para a Europa e outra para o Japão. A China obteve o primeiro prêmio em 2015, por trabalhos feitos nas décadas de 60 e 70 sobre tratamentos para a malária.
Nada disso pretende negar que a China tenha feito um progresso tecnológico substancial em muitos setores nas ­duas últimas décadas nem que o ritmo de inovação no país esteja crescendo. Numerosos estudos mostram que os bens manufaturados da China e seu mix de exportações se tornaram consistentemente mais avançados em matéria tecnológica.

Companhias chinesas mostraram capacidade no desenvolvimento de produtos e serviços, com frequência baseados em modelos inventados fora do país, que se saem melhor no mercado chinês do que marcas estrangeiras.

Exemplos desse tipo de sucesso são as ‘três grandes’ companhias chinesas de internet: Alibaba (da área de e-commerce), Tencent (do segmento de jogos online e redes sociais) e Baidu (maior site de busca). As três são consideradas tecnologicamente proficientes e muito inovadoras.

Em comparação com outros grandes países em desenvolvimento, como Índia ou Brasil, o progresso tecnológico e o histórico de inovação comercial da China são, de fato, impressionantes. A pergunta que faço, porém, não é quanto a China progrediu, mas quão perto ela está de se tornar uma líder tecnológica.

As três grandes empresas de internet podem ser as que têm mais chance de chegar a uma posição de liderança. Mas existem alguns questionamentos. Embora sejam dominantes na China, as três não têm presença significativa no exterior. Isso torna difícil julgar quanto de seu sucesso decorre de uma tecnologia superior e quanto decorre da falta de competição no mercado chinês.

Em razão de controles estatais sobre a internet e outras formas de proteção para empreendedores locais, empresas estrangeiras de internet operam com dificuldade na China ou até mesmo estão fora desse mercado. A capacidade inovadora da China, e daí seu potencial para uma liderança tecnológica global, está compro­metida pela obsessão do Estado com a autonomia tecnológica e com o controle da informação.

Essa obsessão cria um ambiente em que as empresas consideram mais lucrativo ser apenas boas no mercado doméstico, em vez de fazer um esforço extra para se tornarem globalmente competitivas. O controle da informação sufoca a troca e a colaboração — fatores fundamentais para a inovação. Um progresso tecnológico contínuo é perfeitamente possível nessas condições. A liderança tecnológica, não.”

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