Harvard Business School: os tradicionais estudos de caso perdem peso no novo currículo do MBA (foto/Wikimedia Commons)
Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2011 às 06h00.
O americano John Thain, ex-presidente do Merrill Lynch, ganhou notoriedade mundial em 2008, quando se tornou público o gasto de 1,2 milhão de dólares com a decoração de seu escritório, enquanto o sistema financeiro mundial dava os primeiros sinais do colapso.
Richard Wagoner, ex-presidente mundial da GM, foi forçado a deixar a empresa no início de 2009, sob forte pressão do governo, depois de fracassar na tentativa de recuperar aquela que já havia sido a maior montadora do mundo. Além de protagonizar dois dos principais casos de derrocada no auge da crise, Thain e Wagoner têm outra coisa em comum. Ambos frequentaram as salas de aula do prestigiadíssimo MBA de Harvard, que chega a custar mais de 80 000 dólares por dois anos de curso.
Trajetórias de ex-alunos poderosos com desfechos desastrosos colocaram as mais reputadas escolas de negócios do mundo na lista de vilões da recente história corporativa. A resposta às críticas demorou, mas veio. Quase todas as instituições de ponta anunciaram alterações em seus currículos de MBAs nos últimos meses.
Em janeiro, Harvard fez um anúncio surpreendente. A escola, que montou a primeira turma de MBA no mundo em 1908, informou que, a partir deste ano, vai reduzir o peso da discussão de estudos de casos em sala de aula — prática que até então era sua marca registrada. Em vez de analisar o passado, os alunos devem investir mais tempo em projetos realizados dentro de empresas.
A ideia é que os alunos possam experimentar de maneira mais intensa a tomada de decisões no dia a dia dos negócios. “As pessoas perderam a confiança nos negócios, e nossos alunos parecem responsáveis por isso”, disse durante o anúncio das mudanças o especialista em liderança Nitin Nohria, reitor da escola de negócios de Harvard.
Na mesma linha, Wharton, MIT Sloan e Haas, da Universidade de Berkeley, anunciaram alterações que passam a valer neste ano, como a inclusão de disciplinas de ética ou a seleção mais rígida do aluno, com a averiguação de seu comportamento passado. As mudanças em massa indicam um dos raros momentos de autorreflexão de instituições que mudaram pouco em quase um século de existência.
As críticas ao modelo de ensino de administração aumentaram significativamente ao longo da última década. Com o tempo, vozes dissonantes começaram a vir de dentro das próprias escolas de negócios. Uma das primeiras foi a do professor canadense Henry Mintzberg, um dos pensadores mais respeitados da administração, e ele mesmo egresso do MIT.
Em 2004, Mintzberg lançou o livro Managers, Not MBAs (lançado no Brasil com o título MBA? Não, Obrigado!), no qual criticava quase tudo em relação ao curso — da obsessão em transformar a administração em uma ciência à faixa etária dos alunos, que costuma girar em torno dos 27 anos. Mais recentemente, Rakesh Khurana, professor de Harvard, afirmou que muitas vezes o curso é visto como mero passaporte para empregos bem pagos e para uma rede social de elite.
Diante de tanta discussão pública, os diretores das escolas não puderam ignorar o debate. Nos últimos três anos, Wharton, por exemplo, abriu suas portas para cerca de 400 pessoas, que discutiram os ajustes no currículo anunciados em dezembro. “Já que queríamos estabelecer novas bases para o curso, seria preciso entender com profundidade as demandas de cada parte envolvida”, afirmou a EXAME o reitor Thomas S. Robertson.
A partir daí, a escola criou um curso de atualização profissional grátis com duração de uma semana, a cada sete anos, para os ex-alunos de seus cursos de MBA — a medida vale para os formados a partir de 2010 e vai gerar um custo adicional de cerca de 1 milhão de dólares por ano. (A ideia foi seguida pela concorrente Haas, em Berkeley, logo depois.)
Também em Wharton, todas as disciplinas obrigatórias nas áreas de finanças, ética e responsabilidade legal, administração de empresas globais, auditoria e controle, relacionamento com clientes e a novíssima “gestão diante da incerteza” passaram a ter a maior parte da carga horária dedicada a casos reais.
Mais exigentes
A aproximação com o mundo real é um dos objetivos centrais das reformulações. A suíça IMD, que aderiu à onda iniciada nos Estados Unidos, estabeleceu que os alunos de MBA devem trabalhar o tempo todo integrados ao mercado. “A partir de 2011, eles terão uma aula teórica pela manhã, e à tarde irão a uma empresa verificar a aplicação prática”, diz a diretora do programa de MBA, Martha Maznevski.
Outro ponto crítico que as escolas buscam combater é a fama de formar alunos um tanto despreparados e arrogantes — sobretudo com alunos cada vez mais jovens nas salas de aula. Nesse sentido, as regras foram endurecidas. A IMD criou um pré-curso obrigatório — com exigência de nota mínima — para os temas contabilidade, finanças e estatística.
Em Stanford, é preciso viver algum tipo de experiência internacional — seja uma viagem de estudos, seja um intercâmbio profissional — durante os dois anos de curso. Em 2010, Wharton criou oito turmas com aulas em países como Índia, China e Brasil. Críticos defendem que as mudanças são tímidas.
O colunista do Financial Times Philip Delves-Broughton, autor do best-seller What They Teach You at Harvard Business School (em português, “O que eles ensinam para você na HBS”) e feroz ativista contra os cursos, diz que é preciso um movimento muito mais profundo. “As escolas precisam deixar de ser lugares repletos de pessoas que só usam jargões e cultuam valores destrutivos do dinheiro”, escreveu recentemente em seu blog.
Para as centenárias escolas de negócios, as medidas recém-anunciadas representam apenas o começo. Nas palavras do reitor de Harvard, Nitin Nohria, são “os primeiros passos de uma grande transformação”.