Revista Exame

Brasil vai plantar quatro Bélgicas de árvores? Não parece

O governo alardeou a intenção de repor 12 milhões de hectares de florestas ­— as tais quatro Bélgicas — até 2030. Mas ninguém sabe como vamos atingir a meta


	Proprietária rural no Espírito Santo: beneficiada num programa regional que remunera quem mantém a mata nativa
 (Sergio Cardoso/Exame/Divulgação)

Proprietária rural no Espírito Santo: beneficiada num programa regional que remunera quem mantém a mata nativa (Sergio Cardoso/Exame/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 8 de fevereiro de 2016 às 04h52.

São Paulo — A delegação brasileira presente na Conferência do Clima das Nações Unidas, a COP-21, há pouco mais de um mês, em Paris, chamou a atenção positivamente ao alardear suas metas para compensar as emissões de gases de efeito estufa. A principal delas é a intenção de colocar em pé 12 milhões de hectares de florestas no país ao longo dos próximos 14 anos.

É uma extensão pouco maior do que a do estado de Pernambuco, ou o correspondente a quatro Bélgicas. “Ninguém tem uma meta tão ambiciosa quanto a nossa”, afirmou várias vezes durante o evento a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. Mas as expectativas em torno da meta só não são maiores do que as indefinições que a cercam.

“Ninguém sabe exatamente qual será a composição dessa meta e os custos envolvidos. Falta definir questões fundamentais”, diz Rubens Benini, especialista em florestas da TNC, uma das maiores ONGs ambientalistas do mundo. Uma das dúvidas mais cruciais paira sobre a quem caberá a responsabilidade de ampliar a cobertura florestal numa escala sem precedentes no país.

A proposta brasileira não define um aspecto básico para destacar os protagonistas desse esforço: a proporção em que serão plantadas árvores de espécies nativas brasileiras e de variedades ditas exóticas, originárias de outros países, especialmente o eucalipto.

“Vamos detalhar o plano nos próximos quatro anos, conforme formos recebendo os resultados do Cadastro Ambiental Rural”, afirma Adriano Santhiago, diretor do Departamento de Mudanças Climáticas do Ministério do Meio Ambiente. Ele se refere ao levantamento do governo que vai apontar as áreas que, devido ao Código Florestal, terão de ser recuperadas com espécies nativas.

Qualquer que seja a proporção, os desafios pela frente serão complexos. A indústria de celulose não tem projeções para ampliar os cerca de 7,7 milhões de hectares plantados atual­mente, em razão da redução do ritmo de crescimento chinês e do encolhimento da demanda global.

“Para plantar, é preciso que a demanda mundial cresça”, diz Eliza­beth de Carvalhaes, presidente do Ibá, associação que representa a indústria de árvores plantadas no país. No caso das espécies nativas, o plantio para uso comercial ainda é pouco eficiente — só na última década começaram a surgir mecanismos para remunerar quem mantém áreas de floresta em pé.

A falta de clareza acerca da composição da meta também impede o cálculo do investimento necessário para atingi-la. Ao contrário do que acontece com o cultivo de eucalipto e pinus, praticado em larga escala no país e com custos conhecidos, sabe-se bem menos sobre os gastos envolvidos na restauração de mata nativa.

A primeira dificuldade é a quantidade de variáveis envolvidas, desde o bioma em questão até o nível de degradação a que a área foi submetida. Os especialistas sugerem que os custos variam de 2 000 a 25 000 reais por hectare.

Por ora, apenas o recém-criado Instituto Escolhas, dedicado à análise econômica de temas relativos à sustentabilidade, estimou o total de investimentos necessários para cumprir a proposta do governo: 52 bilhões de reais até 2030. Por enquanto, boa parte dos recursos disponíveis no governo federal para esse fim veio de fora — e não chega nem perto dessa cifra.

O Fundo Amazônia, criado em 2008 originalmente para custear o combate ao desmatamento, concentra atualmente 2,5 bilhões de reais em caixa — vindos sobretudo dos governos norueguês e alemão e de repasses da Petrobras. Metade desse valor já está comprometida em projetos de conservação e somente uma pequena fração dele em iniciativas de restauração.

Em dezembro, o governo norueguês declarou que vai depositar mais 650 milhões de dólares no fundo. Meses antes, a Alemanha já havia anunciado um novo aporte de 100 milhões de euros. Em paralelo, surgiram outros mecanismos menores. Em maio, o BNDES lançou uma linha para restauração ecológica, com 20 milhões de reais para projetos de recuperação da Mata Atlântica.

Durante a COP-21, o presidente do banco, Luciano Coutinho, anunciou o plano de criar outro fundo para restauração de mata nativa, como o Fundo Amazônia, a começar com 1 bilhão de reais, para abarcar outros biomas. Especialistas concordam que, para acelerar a restauração de mata nativa, o mecanismo mais eficiente é torná-la comercialmente viável.

Uma das frentes mais promissoras nesse sentido é o investimento em pesquisas que permitam ao Brasil tornar o negócio de matas nativas tão atraente quanto o de florestas plantadas. Uma das frentes seria desenvolver espécies capazes de crescer mais rapidamente — uma variável decisiva para o negócio madeireiro.

Por enquanto, as iniciativas existentes nesse sentido vêm de filantropia e de empresários do setor. “Se conseguirmos provar a viabilidade econômica de espécies nativas, a exemplo do que fizemos com o eucalipto, o setor atrairá investimentos do mercado tradicional e não precisará de nenhum subsídio para decolar”, afirma a brasileira Ana Yang, gerente de projetos do The Children’s Investment Fund Foundation (CIFF).

Entidade filantrópica com sede em Londres, a CIFF acabou de aportar 3,8 milhões de dólares no país para pesquisas nessa seara nos próximos dois anos, sob coordenação das ONGs americanas IUCN e WRI. É o que já vem fazendo a Symbiosis, dona de cerca de 700 hectares de mata nativa plantados no sul da Bahia.

Quem a comanda é o carioca Bruno Mariani, que depois de 20 anos deixou suas funções executivas no banco criado pela família, o BBM, hoje controlado por investidores chineses, para apostar nas florestas. A Symbiosis dedica-se a plantar árvores consideradas nobres, como pau-brasil e jacarandá, praticamente extintas do comércio legal de madeira.

Para isso, Mariani já investiu, com outros nove investidores, 30 milhões de reais. O empresário pretende atrair 500 milhões de reais ainda neste ano para estender a área de plantio da empresa para 100 000 hectares até 2025. Quem apostar no negócio terá de ser paciente: o ciclo de investimento pode chegar a 25 anos. Mas Mariani está convicto de que o negócio é promissor.

“Há um contexto favorável para quebrar o paradigma de que madeira nobre no Brasil tem origem no desmatamento”, diz Mariani. No curto prazo, o chamado pagamento por serviços ambientais é a maneira mais concreta de dar escala aos esforços de repor a vegetação original. Foi o que a Costa Rica fez com sucesso. Ainda na década de 40 o ­país tinha quase 80% de seu território tomado pela floresta tropical.

O desenvolvimento da pecuária e da agricultura fez com que essa mata estivesse reduzida à metade na década de 80. No mesmo período, porém, uma queda no preço da carne no mercado internacional levou boa parte dos pe­cua­ristas do país à bancarrota.

Foi quando o governo federal, diante de milhares de hectares de pastos abandonados, decidiu suspender os subsídios à atividade e pagar aos pecuaristas que deixassem a floresta crescer naturalmente nos pastos. Nos anos 2000, saíram dos cofres públicos cerca de 13 milhões de dólares por ano. Resultado: 394 000 hectares de mata voltaram à vida.

Parece pouco para um país como o Brasil, mas o volume foi suficiente para que a Costa Rica, com dimensão semelhante à do estado da Paraíba, voltasse a ter mais da metade do território coberto por florestas e se tornasse um destino turístico. Na década de 80, o país recebia não mais do que 60 000 visitantes ao ano. Atualmente, esse número supera 2,4 milhões de pessoas. 

No Brasil, o que se vê são ações isoladas nesse sentido. No Espírito Santo, por meio do Reflorestar, programa coor­denado pela Secretaria Estadual de Meio Ambiente, cerca de 1 800 proprietários rurais recebem dinheiro para ajudar o estado a recompor a cobertura florestal.

É o caso da capixaba Jeanine Kucht, de 52 anos, dona de uma pequena propriedade de 26 hectares na região de Linhares, no norte do Espírito Santo. Ela aderiu ao programa em 2014 e, até agora, recebeu 15 000 reais por manter e restaurar 13 hectares de mata nativa. O Reflorestar foi criado em 2011 e começou a operar em 2013, com base em experiências de menor escala conduzidas anteriormente.

De lá para cá, 28 milhões de reais já foram separados para proprietários rurais, como Jeanine. Os recursos vêm de um fundo com cerca de 70 milhões de reais oriundos de royalties do petróleo e doações. “Daqui a dois anos, queremos chegar a 5 000 proprietários monitorados”, afirma o engenheiro florestal Marcos Sossai, coor­denador do programa.

Por enquanto, o trabalho tem surtido efeito. Em 2008, 15% do território do estado era coberto de Mata Atlântica. Análises preliminares do território, que devem ser concluídas em meados deste ano, indicam que essa cobertura vegetal chegou hoje a 17%.

É um indicador de que a experiência, ainda exceção no país, pode dar resultado. Só falta uma boa dose de articulação e escala para que exemplos como esse façam diferença em âmbito nacional.

Acompanhe tudo sobre:COP 21Edição 1106FlorestasMeio ambienteReflorestamentoSustentabilidade

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025