Prédio comercial que está sendo construído no terreno mais caro do país, comprado por 640 milhões de reais em 2008 (Germando Lüders/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.
No fim do ano passado, o baiano Rubens Dias, de 39 anos, comprou, por 400 000 reais, dois terrenos num condomínio de alto padrão que acabara de ser lançado pela incorporadora Alphaville, controlada pela Gafisa, em Porto Alegre. Achou que teria de mantê-los por alguns anos - é o que vem fazendo desde que começou a investir em imóveis, há quase uma década. Dois dias depois de fechar negócio, recebeu uma proposta de compra de 540 000 reais. Vendeu na hora. "Nem cheguei a descontar o cheque do pagamento da entrada", afirma Dias. Em menos de dois meses, o dinheiro já estava aplicado em um apartamento na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro, outro mercado em plena ebulição. A novidade do momento na Cidade Maravilhosa é o interesse de estrangeiros pelas áreas mais nobres - e quem resolve pensar muito acaba ficando para trás. "Um turista americano que veio passar o Carnaval no Rio se interessou por dois apartamentos em Ipanema", diz Rodrigo Caldas, vice-presidente da construtora carioca Concal, que assessorou o americano. "Mas ele quis pensar melhor por uns dias e perdeu os dois negócios. Um foi vendido e o outro subiu de preço." Enquanto isso, em São Paulo, a incorporadora MaxCasa decidiu limitar a compra dos apartamentos que lança a um por pessoa. O motivo? Diminuir a atuação dos investidores de curtíssimo prazo, que compram e vendem em dias só para ganhar com a valorização imediata. "Para as empresas, esse pode ser um investidor perigoso. Se o mercado virar, ele pode deixar de pagar e derrubar os preços", diz José Paim, presidente da MaxCasa.
Talvez não haja em toda a economia um setor mais importante - para o bem ou para o mal - do que o imobiliário. Um mercado pujante tem o poder de catapultar os países a patamares inéditos de desenvolvimento. "Não há economia madura sem um mercado imobiliário sólido. Historicamente, a experiência dos países ricos mostra que há, primeiro, uma forte expansão do crédito. Depois, o desenvolvimento do setor de imóveis. Só então vem a fase da prosperidade", diz o economista Nicolas Retsinas, diretor do centro de estudos sobre habitação da Universidade Harvard. Quando o sistema funciona, as pessoas consomem mais, já que o investimento na casa própria é financiado ao longo de anos. Pela mesma lógica, também poupam mais. Um mercado imobiliário em desequilíbrio, por outro lado, pode ter um efeito arrasador. Os Estados Unidos são um bom exemplo dos extremos dessa equação. Entre 1995 e 2005, o setor de habitação foi responsável por 20% do PIB e ajudou a impulsionar um dos mais longos ciclos de crescimento da maior economia mundial. Em 2008, o colapso desse mercado levou o país à recessão e, só em 2008, jogou 2,5 milhões de americanos na pobreza. Por isso, acompanhar os sinais vitais do mercado imobiliário deveria ser prioridade máxima das autoridades econômicas, mas no Brasil isso esbarra em um problema grave - a quase absoluta falta de informações consolidadas. Sem estatísticas confiáveis, como julgar se as histórias que abrem esta reportagem seriam indícios de um mercado cada vez mais forte ou, ao contrário, de uma bolha em formação?
Para suprir essa lacuna, EXAME encomendou ao instituto Ibope Inteligência a mais abrangente pesquisa já feita no Brasil sobre o tema. Pela primeira vez, um instituto de pesquisa não ligado ao setor dissecou o comportamento do mercado nos segmentos residencial e comercial, tanto para imóveis novos como para os usados. A pesquisa traz também a lista das casas ou dos apartamentos mais caros em quatro capitais - São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Salvador - e o perfil de renda de cada bairro dessas cidades. O principal resultado agregado é a constatação de que os preços residenciais dos novos e dos usados subiram, em média, 22% nos últimos 12 meses. No Rio, cidade que mais valorizou, o aumento dos preços dos novos chegou a 27% - já há imóveis que custam mais de 15 000 reais por metro quadrado. Graças à pesquisa, é possível também comparar o mercado local com o de outros países - e o que se vê é uma das maiores valorizações do mundo. Segundo um levantamento da consultoria britânica Global Property Guide, só Hong Kong e Singapura tiveram valorizações superiores. A consultoria aponta o Brasil como um dos destinos obrigatórios dos investidores. É a primeira vez que o mercado brasileiro, tradicionalmente acanhado e pouco pujante para os padrões internacionais, assume uma posição de destaque no cenário global. Diversos fundos estrangeiros passaram a investir em imóveis no Brasil nos últimos anos, como o Abu Dhabi Investment Authority, maior fundo soberano do mundo, e a gestora britânica Autonomy.
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A grande pergunta, agora, é como qualificar o momento que vivemos. Há sinais de exuberância irracional, para usar a célebre definição do economista Robert Shiller, da Universidade Yale, do delírio imobiliário americano? Ou estamos ainda trilhando os primeiros passos da trajetória descrita por Nicolas Retsinas, de Harvard? Não há resposta simples, e pode levar alguns anos até que o fenômeno atual seja totalmente compreendido. Uma forma de avaliar o mercado é comparar os valores praticados aqui com o de outros países. No mercado residencial, o Brasil ainda não ficou caro. Ocupa apenas a 64a posição num ranking de preços de 90 países feito pela Global Property - na média, o valor do metro quadrado é metade do que se cobra na África do Sul e na China. No mercado de escritórios, os valores são sensivelmente mais altos. Nas últimas semanas, EXAME ouviu algumas das mais importantes personalidades ligadas ao setor, além de economistas, pesquisadores e consultores. É unânime a percepção de que, embora exageros possam ocorrer aqui ou ali, estamos em terreno firme. "Tudo indica que o Brasil caminha para uma expansão sustentável", diz Susan Wachter, professora da escola de negócios Wharton, nos Estados Unidos.
O otimismo se deve, em larga medida, à inédita disponibilidade de financiamento. Mais que qualquer outro setor, o imobiliário só se desenvolve se houver crédito. Por décadas, esse mercado funcionou como se o Brasil fosse um país de milionários e companhias abarrotadas de caixa. Compravam-se apartamentos ou escritórios pagando quase metade à vista, o que, obviamente, só era possível para os mais abastados. A anomalia só começou a ser revertida há cerca de cinco anos, quando foram criados incentivos governamentais e novas regras de proteção a credores, e os juros, de forma geral, caíram. De lá para cá, o número de moradias financiadas subiu de pouco mais de 350 000 para 700 000. "Isso incluiu muita gente no mercado, não só as famílias de baixa renda mas também jovens das classes A e B", diz Wilson Amaral, presidente da Gafisa, uma das maiores incorporadoras do país. "Hoje, 90% de nossas vendas são financiadas. Em 2005, eram só 20%." O crescimento tem sido vigoroso, mas ainda mais interessante é o potencial de expansão. Comparados internacionalmente, os números brasileiros são tímidos - o volume de recursos para o setor responde por 3% do PIB aqui, ante 9% no México e 18% no Chile. "O crédito imobiliário não acompanhou a evolução que se viu em outras linhas, como as voltadas para o consumo e as empresas, que hoje estão em patamares internacionais", diz Ilan Goldfajn, economista-chefe do banco Itaú Unibanco. "Só agora, depois de anos de estabilidade, as pessoas e os bancos se sentem mais confortáveis para tomar emprestado e emprestar por prazos tão longos."
Se o crédito efetivamente atingir os padrões internacionais, o país poderá tirar proveito de alguns fenômenos que conspiram a favor do crescimento do mercado. O principal deles é a mudança demográfica em curso, algo recorrente em países que viveram saltos imobiliários nas últimas décadas, como Estados Unidos e Espanha. Um estudo da consultoria Ernst & Young mostra que, nos últimos 20 anos, o número de brasileiros com mais de 30 anos de idade aumentou de 37% para quase metade da população - e espera-se que o percentual chegue a 60% até 2030. "Essa é a idade em que as pessoas formam suas famílias e buscam um lugar para morar", diz Ricardo Freire, gerente sênior da Ernst & Young. A cada ano, surgem no Brasil 1,5 milhão de domicílios - número que pode passar para 2 milhões em dez anos. As construtoras já não conseguem erguer casas e apartamentos para fazer frente a essa demanda, o que explica o déficit habitacional do país, estimado em 8 milhões de moradias. Eis um dos mais importantes alicerces ao desenvolvimento do mercado local. Diferentemente do que se viu nos países agora em crise, em que boa parte das casas era comprada não por necessidade, mas por pura especulação, no Brasil há uma sólida demanda de gente que busca sua primeira residência.
É verdade que boa parte desse déficit está concentrada na baixa renda, segmento que depende de incentivos públicos para decolar e vem sendo atendido pelo programa governamental Minha Casa, Minha Vida. Mas também faltam imóveis para as classes mais altas. Estima- se que as famílias mais abastadas que vivem nas grandes cidades precisem de 100 000 novas moradias por ano, cerca do dobro do que as incorporadoras conseguem construir. A situação se agravou com a crise de 2008, porque, temendo uma redução brusca da procura por imóveis, as grandes incorporadoras cancelaram planos de lançamento - as obras só foram retomadas para valer no segundo semestre de 2009. "Isso criou um desequilíbrio e uma pressão enorme por lançamentos", diz Leonardo Diniz, diretor da incorporadora Rossi, que montou uma divisão para construir imóveis para as classes média e alta em São Paulo.
O descompasso entre uma oferta que cresce de forma gradativa e uma demanda que dispara abriu espaço para altas de preços que, à primeira vista, parecem não fazer sentido. Em Brasília, onde há poucos terrenos disponíveis e o crescimento do funcionalismo público criou uma nova massa de potenciais compradores, o preço do metro quadrado de um apartamento em construção numa região nobre chega a 10 000 reais - 30% mais do que há apenas seis meses. Quem quer pagar mais barato tem ido morar em cidades próximas a Brasília, como Águas Claras, que viveu um boom imobiliário nos últimos cinco anos. No Rio, um fenômeno curioso é a valorização de bairros próximos a favelas que são alvo de ações públicas de combate ao crime organizado, iniciadas em 2008. O exemplo mais acabado é o de Botafogo, que fica próximo ao Morro Dona Marta, já pacificado pela polícia carioca. A redução da violência aumentou a procura na região e fez os preços dos imóveis de alto padrão subir cerca de 50% no último ano. "Lançamos mais de dez empreendimentos em Botafogo recentemente", diz Zeca Grabowsky, presidente da incorporadora PDG Realty. O próximo bairro na mira das construtoras é a Tijuca, cujas favelas estão sendo ocupadas pela polícia.
Na esteira da economia
Por afetar milhões de pessoas, a valorização dos imóveis residenciais talvez seja a ponta mais visível da efervescência do mercado brasileiro. Mas há um movimento semelhante ocorrendo no setor de escritórios, que responde diretamente ao desempenho da economia - quando o PIB cresce, surgem novas empresas, e as companhias já estabelecidas geralmente crescem e precisam de espaços maiores. A taxa de imóveis comerciais vagos é a menor da década e a previsão é que isso continue, ao menos por mais alguns meses. "Haverá grandes lançamentos a partir de 2011, mas, se a economia crescer mais do que se espera, pode não ser suficiente", diz Walter Cardoso, presidente da consultoria Richard Ellis. Ou seja, os preços podem continuar subindo - o que estimularia mais construções. O preço dos aluguéis, que é a medida usada para comparações internacionais, tornou-se um dos mais altos do mundo - o valor médio é 40% maior que na China e 62% superior ao da Índia. "É difícil acreditar que há espaço para altas muito maiores no futuro e, por isso, está arriscado investir nesse setor", diz Roberto Miranda de Lima, presidente no Brasil da gestora Autonomy. A procura por terrenos tem crescido especialmente em São Paulo - o mais caro já vendido no Brasil fica na avenida Faria Lima, na zona oeste da cidade. Foi comprado pela incorporadora Brookfield por 640 milhões de reais. Está sendo construído ali um complexo avaliado em 1,3 bilhão de reais, que pode ser, por falta de espaço, um dos últimos grandes prédios comerciais novos da região.
A alta dos preços na capital paulista deve acelerar um dos movimentos mais interessantes em curso da economia, a descentralização da atividade produtiva. Desde seu primórdio, a industrialização brasileira foi extremamente centrada em São Paulo, estado que ainda responde por 34% do PIB nacional. Trata-se de um padrão seguido em quase todos os países que se desenvolveram. Durante décadas, a busca por escala força a concentração, embora à custa de uma série de problemas sociais e regionais. Aos poucos, entram em cena os custos da concentração excessiva, na forma, por exemplo, de criminalidade e deficiência da cobertura de saúde e educação. Espera- se que, a partir daí, outras regiões comecem a se mostrar competitivas economicamente. O alto preço dos aluguéis na região mais desenvolvida do país é um dos maiores estímulos para a descentralização Por isso, muitos especialistas acreditam no desenvolvimento do mercado imobiliário fora dos grandes centros urbanos. A ideia é que as empresas possam se fixar em diferentes regiões do país, buscando custos menores e acesso a matérias-primas e mão de obra. "O mercado imobiliário passa por um ciclo semelhante ao que ocorreu em diversos setores, como o de automóveis: inovações institucionais geram expansão de crédito, que leva a mais consumo, produção e, posteriormente, novos investimentos", diz Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e diretor executivo do Itaú Unibanco. Por enquanto, a descentralização é um movimento incipiente - só nos últimos três anos, as grandes incorporadoras começaram a investir de forma consistente fora do eixo Rio-São Paulo. Como a carência por imóveis é grande, os preços dispararam. Um exemplo foi o que ocorreu em Alphaville, bairro novo de média e alta renda que se desenvolveu em Salvador nos últimos cinco anos. "O preço do terreno subiu oito vezes desde 2005", diz Guto Amoedo, diretor da imobiliária Brito & Amoedo, subsidiária da Brasil Brokers.
Altas dessa magnitude despertam dúvidas sobre os riscos do investimento imobiliário - e é saudável que elas existam. O clima geral entre investidores é de cautela. A Prosperitas, maior gestora de fundos de private equity imobiliários do Brasil, não compra novos terrenos em São Paulo desde 2006 por achar que os preços subiram demais. Carlos Antunes, dono do grupo de roupas masculinas Via Veneto e um dos maiores investidores em imóveis do país, acredita que este é o momento de vender. "Os preços estão altíssimos e, por falta de mão de obra e materiais, muitas construtoras estão lançando empreendimentos ruins, mal planejados, que têm pouca chance de valorização num mercado mais normal", diz Nice Sampaio, responsável pela gestão dos cerca de 100 imóveis de Antunes. É pouco provável que o relativo pessimismo desses investidores tire o ânimo de milhões de brasileiros que, pela primeira vez, passam a ter condições reais de virar donos de imóveis. Como em qualquer mercado, é inevitável que haja exageros. De todo modo, é consenso entre os especialistas que não há uma bolha imobiliária em formação no país - ao menos por enquanto. É verdade que as histórias de investidores que ganham milhares de reais em dias e de imóveis que se esgotam em poucas horas são muito parecidas com as que se tornaram comuns na bolsa de valores entre 2006 e 2007, quando houve dezenas de aberturas de capital e valorizações superiores a 100%. Desde então, a bolsa caiu e voltou a subir. No caso dos imóveis, as oscilações de preço tendem a ser menos bruscas, mas elas ocorrem. Os riscos existem, mas isso faz parte do jogo. O que há de novo é o fato de o mercado imobiliário brasileiro ter, finalmente, entrado para o grupo dos que realmente contam no mundo. E - turbulências à parte - isso é algo a comemorar.