Boston: os bancos de praça high-tech espalhados pela cidade foram elogiados pelo presidente Barack Obama (Divulgação/Soofa)
Da Redação
Publicado em 24 de setembro de 2014 às 18h12.
São Paulo - Poucos lugares são tão bem-dotados de capital intelectual quanto Boston. A Universidade de Boston fica na própria cidade. O Instituto de Tecnologia de Massachusetts, mais conhecido pela sigla em inglês MIT, e a Universidade Harvard estão em Cambridge, município colado à mancha urbana de Boston.
Esses três centros de pesquisa estão tão perto que é possível conhecê-los num passeio a pé de 1 hora. Tantos especialistas e pesquisadores por metro quadrado, com certeza, ajudam Boston a figurar entre as cinco regiões metropolitanas dos Estados Unidos mais importantes em termos de registro de patentes, com destaque especial em inovações voltadas para a gestão pública.
“Estamos mostrando capacidade de criar funcionalidades para cuidar mais de nossas metrópoles, e isso é sensacional”, diz Edward Glaeser, professor de economia da Universidade Harvard e uma das maiores autoridades mundiais em economia urbana. De certo modo, Boston se transformou num laboratório a céu aberto.
A onda de novas tecnologias nas ruas começou em grande estilo há cinco anos, quando a prefeitura da cidade foi uma das primeiras a adotar lixeiras inteligentes, invenção de uma startup sediada nas redondezas.
Além de compactar o material, essas lixeiras avisam a central da prefeitura quando estão quase cheias, o que reduz pela metade a frequência de coletas e, assim, diminui os gastos com combustível e mão de obra. Para ter uma ideia do tamanho desse tipo de serviço, só na cidade de São Paulo 3 200 pessoas e 500 caminhões estão envolvidos na coleta diária de lixo.
Em Boston, uma das novidades mais inusitadas adotadas recentemente é o banco de praça inteligente, batizado Soofa. Seu principal atrativo é permitir que qualquer cidadão recarregue a bateria do celular gratuitamente a partir de uma placa que capta energia solar. O banco conta com sensores que transmitem informações sobre a qualidade do ar e o nível de ruído.
“Esses dados podem ajudar a orientar futuras políticas públicas”, diz Sandra Richter, diretora da Changing Environments, empresa que criou o Soofa.
Em junho, o presidente americano Barack Obama se rendeu à inovação da startup criada dentro do MIT Media Lab em uma feira organizada em Washington. Na oportunidade, ele brincou dizendo que, como presidente, nunca precisou se preocupar com a bateria do celular.
Boston se beneficia por estar no meio dos laboratórios de onde saem algumas das melhores ideias, mas engana-se quem pensa que a prefeitura local não tem seus méritos. Boa parte das inovações testadas na cidade ocorre graças à parceria entre as startups e um órgão do município, o Escritório de Novas Mecânicas Urbanas, departamento criado em 2010 pelo ex-prefeito Thomas Menino.
Sua meta é avaliar e sugerir iniciativas com potencial de melhorar a vida dos cidadãos. Em outras palavras, faz a triagem das inovações que podem ser de interesse do município. Com orçamento de 1,4 milhão de dólares por ano e apenas cinco funcionários, o órgão é a ponte entre as secretarias do município e universidades, centros de pesquisa e empresas.
“Nosso papel é experimentar”, explica Chris Osgood, diretor do Escritório de Novas Mecânicas Urbanas. No momento, o escritório está fazendo ajustes no desenvolvimento de um aplicativo que premia os cidadãos por denunciar problemas como muros pichados ou lixeiras quebradas.
Uma solução criada em Boston, idealizada pela própria prefeitura, mas que ainda precisa provar seu valor, é o aplicativo Street Bump. Ele funciona como uma espécie de caça-buracos nas vias públicas. Cruzando dados de localização e de vibração dos smartphones, o programa identifica onde há buracos nas ruas e informa a prefeitura.
Até agora, mais de 37 000 solavancos foram captados pelos smartphones com o Street Bump, mas ainda não há dados de quantos eram realmente buracos ou apenas trepidações provocadas por barbeiragens dos motoristas.
“O aplicativo ainda é usado por pouca gente, o que limita a quantidade de dados para análise”, diz Christos Cassandras, chefe da engenharia de sistemas da Universidade de Boston, onde o aplicativo foi desenvolvido. Caso se prove um sucesso, o Street Bump tem tudo para se popularizar mundo afora. Apenas em São Paulo, 1 200 buracos são tapados por dia.
Aluguel de vagas
Embora Boston seja um território que atrai experimentações tecnológicas, nem sempre a relação com essas novidades é livre de atritos. O aplicativo de estacionamento Haystack, desenvolvido por um empreendedor de Baltimore, tornou-se rapidamente popular na cidade.
O programa localiza os usuários que estão prestes a liberar vagas de estacionamento nas ruas, mostra a localização num mapa, bem ao estilo dos aplicativos para chamar táxi que se popularizaram no Brasil, e faz uma operação de compra e venda. Os usuários costumam cobrar 5 dólares de quem está mais perto — em áreas concorridas, o valor pode chegar a 20 dólares.
Mas, na mesma velocidade com que ganhou adeptos, o aplicativo Haystack acabou despertando a ira do prefeito Martin Walsh, que o baniu no fim de agosto, um mês depois de lançado.
Antes da decisão, Walsh fez questão de dizer que não se tratava de ojeriza à tecnologia — seu argumento é que essas empresas lucram com uma infraestrutura urbana que não pertence a elas. Uma análise dos últimos anos mostra que as novas tecnologias são realmente bem-vindas em Boston. Só não vale vender o que não é seu.