Revista Exame

Black Money

A comunidade afro-brasileira movimenta 1,7 trilhão de reais por ano. Quanto não se perde ao ignorar esse público?, questiona Paulo Rogério Nunes

Ilustração (Richard Drury/Getty Images)

Ilustração (Richard Drury/Getty Images)

BC

Beatriz Correia

Publicado em 4 de junho de 2020 às 05h30.

Última atualização em 12 de fevereiro de 2021 às 12h46.

Depois da repercussão do brutal assassinato do afro-­americano George Floyd na cidade de Minneapolis, nos Estados Unidos, no dia 25 de maio, uma série de protestos tomou conta das principais cidades dos Estados Unidos e de outras partes do mundo, como Canadá, França e Inglaterra.

Ativistas, celebridades (como Jamie Foxx, Lady Gaga e Beyoncé), empreendedores e cidadãos de diversas classes sociais e etnias foram para as redes sociais pedir justiça e denunciar o racismo institucional que ceifa vidas negras todos os dias, principalmente nos países marcados pela escravidão racial, como os Estados Unidos e o Brasil.

Além de pessoas nas ruas, desta vez ocorreu outro movimento importante: as marcas globais começaram a se posicionar publicamente sobre o caso Floyd e repudiaram o racismo. Horas depois do início do protesto, as duas mais poderosas marcas de calçados do mundo (Nike e Adidas) se engajaram em vocalizar o que seus milhares de clientes estavam sentindo naquele momento de dor. A Nike global lançou a campanha Don’t do it. Logo após, a Adidas compartilhou em seu perfil internacional no Twitter o vídeo da concorrente, algo raro no mercado, em geral.

Outra marca que também se posicionou em seu perfil global e também no brasileiro foi a Netflix, que lembra que “ficar em silêncio é ser cúmplice” e cita David, João Pedro e João Vitor, também mortos em casos de racismo no Brasil. A Amazon Prime também surpreendeu e repostou a mensagem da rival.

Na mesma linha, a Disney (por meio dos perfis Disney Studios, Pixar e Marvel) manifestou solidariedade à comunidade afro-americana. Já a empresa Paramount Pictures usou as redes sociais para condenar o ato de racismo, mostrando um alinhamento de grandes players da indústria global do entretenimento sobre o tema da diversidade.

O assassinato de jovens, em geral moradores de comunidades, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos, não é bem uma novidade, infelizmente. Segundo o Atlas da Violência de 2019, só no Brasil foram 65.000 casos (2017) de assassinato, sendo 75,5% deles de negros e negras. Nessa conta há diversas formas de violência, seja a da direta pelo braço armado do Estado, seja a violência pela falta de oportunidades que empurra a maioria dos jovens de comunidades para a vulnerabilidade e, muitas vezes, para a marginalidade.

O problema da violência policial é mais do que um fato isolado, trata-se de uma sistemática política estatal de “dois pesos e duas medidas”. Ao fazer uma abordagem, ou usar a força, há diferença no tratamento quando a pessoa é branca ou negra, principalmente levando em consideração onde ela mora. É raro ver no noticiário ações policiais com vítima ou invasão de residência em bairros considerados de alta renda nas cidades brasileiras, assim como nos Estados Unidos.

Os protestos desta última semana mostram que a combinação entre redes sociais e insatisfação generalizada com as condições de vida das populações mais vulnerabilizadas nesta crise está fazendo com que as pessoas estejam mais dispostas a lutar por dias melhores. E aí, onde entra o papel das marcas?

Em minhas palestras e consultorias sobre diversidade e inclusão para o setor privado sempre digo: só serão relevantes no contexto pós-pandemia as marcas que realmente dialogarem com seus consumidores e apresentarem saídas concretas para esta crise.

As marcas citadas no início deste artigo, por exemplo, são focadas principalmente no público jovem e não poderiam ficar de fora desta conversa tão importante para nossa democracia e para a própria economia.

Porém, fica a reflexão: por que as marcas locais (ou com representação aqui) são tão “tímidas” ao abordar as questões que são pertinentes a seus consumidores? O que falta para que elas avancem no tema da diversidade e da inclusão?

E, quando falamos de engajamento pela diversidade, não se trata apenas de post em rede social. Estamos falando de geração de oportunidades, cocriação de conteú­do, inclusão na cadeia produtiva.

A comunidade afro-brasileira movimenta 1,7 trilhão de reais por ano, segundo dados da empresa de pesquisa Locomotiva. Esse é o tamanho do setor da economia chamado black money.

Quantas empresas realmente têm estratégias de diversidade? Quantas agências de publicidade possuem planos para a criação de produtos multiculturais? Pense comigo: quanto não se perde financeiramente todos os anos por ignorar esse público?

Devemos lembrar que cada vez mais o “ativismo econômico” é uma realidade no Brasil. As pessoas querem consumir de empresas que estejam do seu lado, principalmente nos momentos mais difíceis.

Neste período de profunda disrupção social, em que falta esperança e há uma descrença generalizada nas instituições, as empresas que possuem propósito e olham além de sua bolha precisam se posicionar, cobrar do Estado o papel dele e, sobretudo, investir em quem mais necessita de apoio neste momento.


Acompanhe tudo sobre:economia-brasileiraEstados Unidos (EUA)NegrosRacismo

Mais de Revista Exame

A tecnologia ajuda ou prejudica a diversidade?

Os "sem dress code": você se lembra a última vez que usou uma gravata no trabalho?

Golpes já incluem até máscaras em alta resolução para driblar reconhecimento facial

Você maratona, eles lucram: veja o que está por trás dos algoritmos