Revista Exame

Motor | Animal domesticado

Acelerar o novo Porsche 911 Carrera S é um ato tão instintivo quanto respirar. Mas o que me conquistou nele foi a capacidade de frear

Porsche 911 Carrera S (Porsche/Divulgação)

Porsche 911 Carrera S (Porsche/Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 9 de maio de 2019 às 05h20.

Última atualização em 24 de julho de 2019 às 16h48.

— Cola, cola. Me busque. Vamos!

A ordem, que invadia o ambiente por meio de um rádio de comunicação, era emitida por um piloto em um carro uns 100 metros à frente. Aos meus sentidos, não constava que eu estivesse rodando devagar, numa velocidade que me valesse a alcunha de tiozinho medroso, tão usada para homenagear os domingueiros de plantão. Mas, é preciso reconhecer, em termos relativos, sim, eu podia mais, muito mais, e meu nobre e inquieto instrutor sabia disso.

Para começar, estávamos livres, leves e soltos — ainda que fosse no Circuito de la Comunidad Valenciana Ricardo Tormo, pista com 4.051 metros, considerada técnica com suas 14 curvas que vão desde as mais suaves até cotovelos que exigem contorcionismos. Para terminar, eu estava ao volante do novo Porsche 911 Carrera S, que nesta oitava geração ganhou a denominação 992 e chega neste mês às concessionárias brasileiras. Sim, se o nome Porsche já é, por si só, sinônimo de desempenho, imagine a última geração de uma espécie tida como o suprassumo da esportividade?

Eu antecipo a resposta: o bicho é feroz. Vou poupá-los de detalhar as alterações visuais que atualizaram seu shape sem comprometer sua essência, e vamos direto aos números que interessam: acelera de zero a 100 quilômetros por hora em 3,5 segundos e pode chegar aos 308 quilômetros por hora, parâmetros que o colocam à dianteira do antecessor — como se precisasse. Diante de tais referências, temos três opções: ou a gente se empolga, ou se intimida, ou fica mais cauteloso. Depois de terminada a avaliação, descobri, pelas minhas próprias conclusões, que me encontrava na categoria cauteloso. E tinha lá meus motivos.

Afinal, o instrutor, que na verdade era um piloto travestido (a mim você não engana…), estava no comando de um Porsche GT3, com seus 500 cavalos de potência e velocidade a perder de vista. Como assim? Eu, motorista, aprendiz de assistente de auxiliar de ajudante de piloto, e ainda mais com a desculpa de estar domando um carro, digamos assim, mais lento? Como vou conseguir, nem digo colar,  me aproximar do líder? Parecia até uma provocação, e era mesmo. Mas bastou a segunda volta para entender. Nem seria preciso ter coragem. Era questão de confiar na máquina que tinha em mãos. E motivos para isso não faltavam.

Acredite, o novo Porsche 911 S me conquistou pela capacidade de frenagem. É isso mesmo. Acelerar aquele bólido em seu habitat é uma atitude quase instintiva. E, à medida que a gente vai se adaptando ao meio, buscar velocidade é uma ação natural, que se faz quase sem perceber. Daí que, para os mais cuidadosos, a cautela entra em cena, lembrando ao motorista o que está em suas mãos, como ele está se comportando, quando será o momento de avançar para o segundo passo. No meu caso, comecei a ficar mais saidinho quando notei que poderia interromper a brincadeira com segurança com um leve toque no pedal. Eureca! O carro obedece de pronto, sem se estabanar, sem perder o controle, sem sair de lado, de frente, deixando claro que está tudo bem.

Era somente o que eu precisava saber. Na terceira volta, a (agora bendita) voz me incentiva:

— Perfeito. Tangencia a curva, sai abrindo, ganha a pista. Agora acelera, vem com tudo, isso.

Encerrei a sexta volta feliz por não ouvir aquele pedido que soou mais como uma provocação: “Cola, cola”. Fiquei ainda mais confiante quando, ao sair do carro, um colega, este, sim, piloto, me cumprimentou:

— Você evoluiu muito de uma volta para a outra. Se ficar mais, vai melhor ainda mais.

Deixei a pista todo cheio de mim, mas não podia perder o foco. Estava ali trabalhando, e não me divertindo — eu sei, as coisas às vezes se confundem quando se está bem acompanhado. Fui explorar o carro nos arredores de Valência, na Espanha, contemplando a natureza e as estradas, sem a pressão de buscar desempenho. O roteiro previa um trajeto de quase 150 quilômetros, mesclando autoestradas com vias vicinais, trechos de serra, vilarejos, penhascos, mirantes e vales. Em um cenário como esse, quem quer ter pressa? Conforto é mais do que suficiente. E o 911, camaleonicamente, sabe entregar o que o motorista precisa em cada momento. Encaixado, vestido naquela cabine, integrado àquele microcosmo, só me restava curtir vagarosamente o que via do lado de fora.

Vida longa a esse clássico cinquentão que, quanto mais o tempo passa, mais ageless ele se mostra. 


MESMO CARRO, SÓ QUE DIFERENTE

Em edição limitada, o 911 Speedster mal nasceu e já é um clássico | Ivan Padilla, de Nova York

Um fã amador da Porsche diria que o 911, lançado em 1963 e agora em sua oitava geração, mudou pouco — considerando, claro, a estética de cada década. Faço parte dessa turma. Os entendidos costumam usar os códigos internos de fabricação da Porsche, quase um apelido, para diferenciá-los: 964, 993, 996, 991… para o mercado, todos são 911. Em abril, estive no Salão do Automóvel de Nova York para conhecer o 911 Speedster. Um esportivo puro-sangue, com teto retrátil, para-brisa baixo, motor seis cilindros boxer 4.0 que faz o carro chegar a 100 quilômetros por hora em 3,8 segundos, câmbio manual de seis marchas bem ao gosto dos puristas. Maravilhoso. Mas não é o mesmo carro de sempre?

Não, não é. Cada geração desperta um sentimento diferente. Para alguns aficionados, o último 911, de verdade, é o 993, o derradeiro com refrigeração a ar, produzido até 1998. O 911 Speedster é uma edição limitada de 1 948 unidades. O número é uma referência ao ano de fundação da Porsche. A versão heritage traz um número pintado na porta, como antigamente. É um carro especial. A maior evidência era a presença de alguns convidados ilustres na apresentação de Nova York. Quem eu vi por lá foi Magnus Walker, empresário britânico do universo da moda radicado nos Estados Unidos e um dos principais colecionadores de 911 do mundo — possui, hoje, 25 unidades. Com seus longos dreadlocks, Walker só dá as caras em eventos muito especiais. Certamente voltou para casa com a coleção aumentada.

O esportivo 911 Speedster: apenas 1 948 unidades | Divulgação

O 911 Speedster custa 275 000 dólares nos Estados Unidos. Algumas unidades desembarcarão no Brasil no fim do ano. Pergunte aos futuros sortudos proprietários se existe alguma semelhança entre essa versão exclusiva e a oitava geração do modelo, de linha. E prepare-se para uma longa explicação. Com paixão não se brinca.  

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