Jack Ma, o criador do Alibaba: ele diz que não entende nada de tecnologia. Imagine se entendesse (Daniel J. Groshong/Bloomberg)
Da Redação
Publicado em 21 de maio de 2014 às 20h00.
Nova York - Um dos trechos mais interessantes da papelada que uma empresa tem de apresentar para lançar ações na bolsa é o que diz respeito aos riscos do negócio. Algumas ressalvas são costumeiras.
Disputas jurídicas, retenção de pessoal qualificado, desastres naturais e dificuldade de acesso a financiamentos são sempre mencionados como possíveis fontes de problemas futuros para quem está interessado em comprar ações da companhia.
Mas o prospecto da oferta pública do Alibaba, líder do e-commerce chinês que anunciou o lançamento de suas ações na bolsa americana, tem outros itens bem mais curiosos.
“(Nossos advogados) nos dizem que há incertezas substanciais em relação à interpretação e à aplicação das leis, regras e regulamentações atuais da República Popular da China.” Em outros pontos do documento, os executivos do Alibaba alertam para a necessidade de policiar o conteúdo que circula em seus serviços e para uma eventual desaceleração da economia chinesa.
Todos esses avisos, aparentemente, não estão preocupando os investidores internacionais. O Alibaba anunciou a intenção de levantar 1 bilhão de dólares em sua abertura de capital, que deverá ocorrer nos próximos meses, mas os analistas estimam que o valor poderá ficar entre 15 bilhões e 20 bilhões de dólares.
Caso esse valor seja confirmado, será a maior oferta desde a do Facebook, dois anos atrás. O valor de mercado do Alibaba poderá chegar a 200 bilhões de dólares, acima de nomes consagrados, como Amazon, eBay e o próprio Facebook.
Para os investidores, a esperança de ganhar com os consumidores chineses é maior do que a incerteza que ronda a segunda (ou a primeira?) maior economia do mundo.
O Alibaba foi fundado em 1999 por Jack Ma, ex-professor de inglês. Ma gosta de dizer que não entende de tecnologia, mas ele foi um dos primeiros empreendedores digitais do país. Depois de lançar uma espécie de catálogo de empresas chinesas, Ma idealizou o Alibaba, portal de comércio eletrônico entre empresas.
A companhia nasceu em seu apartamento, na cidade de Hangzhou. Em certo momento, quase 20 funcionários se amontoavam na casa de Ma. Hoje, a empresa tem 24 000 funcionários e vários negócios, todos na área de comércio eletrônico. O site Tmall abriga lojas online de grandes marcas chinesas e internacionais.
O Taobao faz a intermediação entre pequenas empresas e seus clientes. O serviço Aliexpress vende produtos chineses para consumidores no exterior, inclusive brasileiros. O Alibaba é responsável por 60% dos pacotes que transitam pelo correio chinês.
Os serviços usam o Alipay, sistema de pagamento online que também tem enorme presença em celulares e é usado como um cartão de crédito ou débito. Em 2013, o grupo Alibaba transacionou 248 bilhões de dólares, e o Alipay movimentou 519 bilhões de dólares.
“São números dessa magnitude que atraem os investidores internacionais”, diz Gene Munster, analista do banco de investimento americano Piper Jaffray.
Outro dado que deixa o mercado de olhos arregalados é a lucratividade do Alibaba. A empresa faturou 8 bilhões de dólares em 2013, dos quais 3,6 bilhões foram lucro líquido. O Alibaba é apenas um intermediário, e a receita vem das comissões e dos anúncios pagos pelos vendedores.
Com essas margens de lucro e um crescimento anual médio de 27% ao ano no e-commerce chinês, de acordo com a consultoria chinesa iResearch, não é surpreendente o interesse despertado pela abertura do capital da empresa. E quem entrou no negócio cedo agora terá a chance de sair com um bom dinheiro.
Em 2005, o Yahoo! pagou 1 bilhão de dólares por 40% da empresa. Hoje, o Yahoo! tem 24% das ações do Alibaba, participação que pode vir a valer 50 bilhões de dólares (caso o valor de mercado do Alibaba atinja 200 bilhões).
Com um negócio que está patinando há vários anos, o Yahoo! deverá ser um dos grandes beneficiados do IPO.
Já o próprio Alibaba deverá usar o capital levantado no IPO para crescer de forma ainda mais agressiva na China, foco de seu negócio. Nem sequer metade da população está online — ou seja, uma massa potencial de 600 milhões de consumidores ainda segue inexplorada.
A dominância do grupo Alibaba é tão grande que a empresa não precisa usar anúncios em sites de busca, como Google e Baidu, o líder local. A presença no sistema de pagamento via celular, uma intersecção-chave entre o comércio eletrônico e o varejo tradicional, também é uma vantagem estratégica.
O Alibaba “poderá ser uma das empresas mais valiosas do mundo em cinco anos, com vendas de mais de 1 trilhão de dólares por suas plataformas a cada ano”, diz Gordon Orr, da consultoria McKinsey. Pode ser algo arriscado — mas, se Jack Ma e o Alibaba entregarem o que estão prometendo, os investidores internacionais que comprarem ações no IPO farão um verdadeiro negócio da China.