Revista Exame

A economia brasileira ainda anda em marcha lenta

O crescimento da economia veio até mais forte do que o esperado no segundo trimestre. Mas estudos obtidos por EXAME mostram que as grandes empresas frearam os investimentos. A reação pode vir com as concessões de estradas


	BR-050, em Minas Gerais: os leilões de rodovias vão melhorar o ambiente para investimento?
 (Wikimedia Commons)

BR-050, em Minas Gerais: os leilões de rodovias vão melhorar o ambiente para investimento? (Wikimedia Commons)

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Da Redação

Publicado em 20 de setembro de 2013 às 18h51.

São Paulo - Após um período de crescimento minguado que vem desde 2011, causaram surpresa os indicadores positivos da economia divulgados no fim de agosto. O produto interno bruto cresceu 1,5% no segundo trimestre do ano, ante o trimestre anterior. Mais alvissareira foi a constatação de que boa parte desse avanço foi puxada pelos investimentos — outro empurrão veio do desempenho do agronegócio, que cresceu 3,9%.

Embora não seja o caso de apelar para o mau humor de Holden Caulfield, personagem do clássico americano da literatura O Apanhador no Campo de Centeio, que disse que “as pessoas sempre batem palmas pelas coisas erradas”, convém conter o entusiasmo. Em primeiro lugar, porque não há evidências de que a economia brasileira tenha engatado uma recuperação firme.

O terceiro trimestre voltou a mostrar sinais desanimadores, como um recuo da produção industrial em julho e o esfriamento da demanda por máquinas e equipamentos. Ninguém espera a repetição da boa taxa de expansão econômica do segundo trimestre — a expectativa neste terceiro está mais para estagnação ou até ligeiro recuo.

Com isso, os prognósticos do ano todo subiram para um crescimento ainda tímido de 2,4% do PIB — bem melhor do que o parco 0,9% de 2012, mas muito aquém do ritmo que o país de fato precisa para se desenvolver.

A cautela deve ser aplicada especialmente quando são analisados os dados sobre investimento. Houve uma recuperação no índice referente à economia como um todo: a taxa anualizada do investimento em junho chegou a 18,6% do PIB — ante 18,1% no fim do ano passado. Mas esse avanço foi obtido partindo de uma base baixa — o índice chegara a 19,5% em 2010.

O outro fator de preocupação diz respeito ao estado de ânimo dos investidores. Dois estudos encomendados por EXAME detectaram que grandes empresas estão postergando projetos de ampliação e modernização. Sem o engajamento delas, fica mais difícil a retomada consistente do investimento.

“Para o Brasil voltar a crescer 4% ao ano, precisa de investimentos”, diz Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e sócio da gestora de investimentos Quest. “Para as empresas investirem, é preciso confiança, o que não existe mais.”

De acordo com levantamento feito pela consultoria Economática, houve uma redução de 14% nos investimentos de empresas de capital aberto no primeiro semestre na comparação com o mesmo período de 2012. O estudo analisou 162 grandes companhias com dados disponíveis desde 2009.

Bancos, a mineradora Vale e a estatal Petrobras não entraram na lista. Até o ano passado, os números só cresciam (excetuando 2009, quando a crise mundial afetou o Brasil). Em 2013, o investimento de janeiro a junho caiu para 46 bilhões de reais, ante 54 bilhões na primeira metade do ano passado.


Trata-se, claro, de uma amostra restrita. E é normal que as empresas segurem projetos em determinado período — neste momento, a volatilidade do real frente ao dólar se tornou mais um motivo para ir devagar e esperar a tempestade amainar. Mas os dados não deixam de ser um indicativo relevante do humor do setor privado.

Em quatro de sete setores analisados houve queda dos investimentos. Um dado que chama a atenção é a relação entre investimentos e nível de depreciação das máquinas e equipamentos.

Essa relação evidencia se os gastos estão ampliando a capacidade produtiva ou se apenas mantêm os ativos atuais. Quando o investimento é igual à depreciação, o índice é de 100%. Em 2009, o indicador estava em 179%. Ou seja, os 79% adicionais indicavam uma expansão da capacidade produtiva. Em 2013, essa relação caiu para 149%.

Custos em alta

Um dos motivos para que os investimentos não deslanchem é o aperto da rentabilidade. Segundo um levantamento da consultoria Deloitte, de 2004 a 2010 o lucro das empresas abertas no país subiu 134%. De 2010 para cá, o cenário mudou: o lucro caiu 40%. Isso ocorreu a despeito da elevação das receitas em 30% nos últimos três anos.

A culpa está nos custos cada vez maiores. Os gastos com mão de obra, aluguéis, energia e outros fatores subiram 40%. “O investimento só cresce quando há expectativa de mais lucro”, diz Paulo Leme, presidente do conselho de gestão do banco Goldman Sachs no Brasil. “Quando o lucro cai — e neste momento, em razão dos custos mais altos, ele está caindo —, o investimento segue baixo.”

Um exemplo de como a perda de rentabilidade faz as empresas deixar os investimentos de lado vem da rede de laboratórios de análises clínicas Fleury. Após queda no lucro de 31,5% no segundo trimestre, a empresa revisou a intenção de investimentos de 300 milhões de reais, projetados no começo do ano, para 250 milhões. “O cenário econômico é incerto no momento”, disse Omar Hauache, presidente do Fleury, durante a apresentação dos resultados do segundo trimestre no começo de agosto.

O cenário incerto faz com que outras empresas se comportem como o Fleury. Em julho, o índice de confiança da Confederação Nacional da Indústria atingiu os níveis mais baixos desde meados de 2008, quando começou a crise mundial. A fabricante de alumínio Alcoa estancou o plano de expansão de sua mina de bauxita Juruti, no Pará. 

Com isso, a empresa cortou um terço do investimento previsto em 2013, para 100 milhões de dólares, ante 150 milhões no ano passado. O principal entrave para a Alcoa é o preço da energia elétrica, que continua uma das mais caras do mundo, mesmo depois da polêmica medida do governo para forçar a redução da tarifa.

A Votorantim Metais mantém paralisado um projeto de ferroníquel, que, até o fim de 2011, tinha recebido 480 milhões de reais de investimento, mas ainda dependia de outros 400 milhões para sua conclusão —  verba que continua sem previsão de desembolso. Mesmo num setor aquinhoado com muitos estímulos nos últimos anos, o de veículos, as empresas estão segurando projetos por falta de perspectiva.


A Ford chegou a anunciar em 2011 um investimento de 4,5 bilhões de reais até 2015 em suas fábricas. Entre os planos estava o aumento da capacidade de produção de Camaçari, na Bahia, de 250 000 para 300 000 unidades por ano. Até agora, passados mais de dois anos, a capacidade em Camaçari continua a mesma.

“Temos receio de ficar com ociosidade”, diz Rogelio Golfarb, vice-presidente da Ford da América do Sul. “O momento não permite extravagâncias. Preferimos ser tímidos na ampliação da capacidade.” No setor, sem novos incentivos, o consumo não cresce como antes: a previsão neste ano é que as vendas de carros no mercado interno avancem no máximo 2%.

Há uma boa chance de que o setor privado retome sua natural propensão a investir e empreender novos negócios — afinal, o Brasil tem o sétimo maior mercado consumidor do mundo e muito por ser construído. A chance é justamente no campo da infraestrutura. Está prevista para o dia 18 de setembro (esta reportagem foi fechada no dia 9) a retomada das concessões de rodovias, começando pelas BR-050 e 262, nos estados de Minas Gerais, Goiás e Espírito Santo.

Após um ano de idas e vindas nas regras do leilão, o governo melhorou as condições oferecidas — até mesmo assumindo uma duplicação das estradas antes da entrega a futuras concessionárias — e a expectativa é de bom comparecimento das empreiteiras. No setor de óleo e gás, grandes grupos internacionais já se movimentam para disputar os leilões, a começar pelo campo de Libra, o maior do pré-sal, marcado para outubro.

Só com Libra, o governo prevê arrecadar 15 bilhões de reais. Em 2014, espera-se que saiam outras concessões, de portos, aeroportos e ferrovias. Se tudo der certo, essas obras vão provocar investimentos na casa de 400 bilhões de reais nos próximos anos. Dotar o país de boas estradas e bons portos vai aumentar nossa competitividade.

Segundo o BNDES, as obras podem levar a taxa de investimento a 22% do PIB em 2018. “Queremos impulsionar os investimentos a partir da melhoria da logística”, diz João Carlos Ferraz, diretor de planejamento do BNDES. Faz todo o sentido. Como mostra um estudo do economista Francisco Faria, da consultoria LCA, os gastos insuficientes em infraestrutura ajudam a explicar o atávico baixo investimento do Brasil.

O estudo revelou que, de 2000 a 2011, o país investiu 7,4% do PIB ao ano em obras em geral — casas, fábricas, portos, estradas. Num ranking com 54 países, ficamos só na frente da África do Sul. A China investiu 25%. A Índia, 17%. O Chile, 13,6% “Ao que tudo indica, faltaram projetos”, diz Faria. Ou seja, as concessões são fundamentais — só com elas teremos crescimento de verdade no Brasil.

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