Revista Exame

Adeus aos donos

Quatro anos depois de criada, a varejista de eletroeletrônicos Máquina de Vendas, terceira maior do país, ainda dá pouco dinheiro. Os sócios concluíram que a solução era deixar o negócio

Nunes (à esq.) e Batista, da Máquina de Vendas: agora, só no conselho  (Germano Lüders/EXAME)

Nunes (à esq.) e Batista, da Máquina de Vendas: agora, só no conselho (Germano Lüders/EXAME)

DR

Da Redação

Publicado em 29 de setembro de 2014 às 06h00.

São Paulo - A varejista de eletroe­letrônicos Máquina de Vendas nasceu, em 2010, com uma vantagem única. Na falta de um, tinha dois donos que conheciam tudo de varejo — e que, de quebra, se davam bem e tinham personalidades complementares. O presidente era Ricardo Nunes, dono da varejista mineira Ricardo Eletro e, segundo executivos da companhia, um vendedor nato.

O responsável pela estratégia e pelas negociações com os bancos era Luiz Carlos Batista, dono da baiana Insinuan­te e conhecido por sua visão financeira. Eles cuidavam também de outras três varejistas regionais pertences à Máquina de Vendas — Salfer, no Sul, City Lar, no Centro-Oeste e no Norte, e Eletro Shopping, no Nordeste.

Embalada por essa união de forças regionais, a Máquina de Vendas cresce aceleradamente. Nos últimos quatro anos, a expansão ficou entre 10% e 15% ao ano. Hoje, fatura 7,5 bilhões de reais e é a terceira maior do setor. Mas esse desempenho exuberante esconde um problema crônico — a Máquina de Vendas pouco lucra.

Foram 88 milhões de reais em 2013. Sua margem operacional equivale à metade da obtida pela líder Via Varejo, empresa que reúne as redes Casas Bahia e Ponto Frio. Para tentar resolver esse problema, Nunes e Batista decidiram tomar uma decisão drástica e um tanto rara.

No último dia 4 de agosto, após 13 horas de reunião na casa de Batista, em São Paulo, os empresários concluíram que a Máquina de Vendas precisava que eles se afastassem do negócio.

A nova fase foi oficializada com a escolha do novo presidente da Máquina de Vendas, o pernambucano Richard Saunders. Fundador de uma das cinco marcas da rede, a pernambucana Eletro Shopping, Saunders assume o lugar de Nunes, que deixa o comando da operação e vai para o conselho de administração.

Batista, que não tinha cargos formais, mas a rigor mandava o quanto quisesse no dia a dia, também se recolherá ao conselho. Assim, Saunders terá liberdade total para impor seu estilo à companhia. Por que o baiano e o mineiro escolheram o pernambucano? A Eletro Shopping tem, em resumo, aquilo que a Máquina de Vendas precisa: resultado.

É, disparado, o melhor negócio do grupo. Sua margem operacional, em 2013, chegou a 10,9% — ante 5,9% da Ricardo Eletro e 6,1% da Insinuante. “Ele é um cara muito mais preparado do que eu: morou fora, fala inglês e tem bons resultados. Eu fui criado no balcão do varejo”, diz Nunes. Com a nova estrutura, a Máquina de Vendas terá uma copresidência, ocupada pelo executivo Pedro Magalhães. Na prática, quem manda é Saunders.

A mudança radical concluída agora é consequência final de um processo que começou há mais de um ano. Foi quando teve início uma tentativa frustrada de vender uma participação na Máquina de Vendas para um fundo de investimento. Nunes, dono de 47% da empresa, venderia boa parte de suas ações.

Ao fim, ele se tornaria minoritário e deixaria a presidência, e caberia ao novo sócio profissionalizar a empresa. Mas o valor oferecido pelo Kinea, fundo que mais avançou nas negociações, não agradou. Enquanto a Via Varejo vale o equivalente a 13 vezes sua geração de caixa, a Máquina de Vendas valeria, na visão do Kinea, nove vezes sua geração de caixa.

Além disso, o fundo hesitava em comprar ações de Nunes e insistia em capitalizar a empresa.  As negociações esfriaram. Em abril, Luiz Carlos Batista procurou o banco BTG Pactual para tentar ressuscitar o projeto de venda de ações, mas as conversas também não foram adiante.

A venda das ações de Nunes era vista como fundamental para que a Máquina de Vendas fizesse, um dia, sua abertura de capital. Em 2011, Nunes foi condenado por pagar propina a um auditor da Receita Federal (ele nega as acusações). Como a venda não deu certo, a Máquina de Vendas se viu diante de um problema.

Tinha 656 milhões de reais em dívidas a vencer em 2014 e uma operação com pouco lucro. A solução foi emitir 874 milhões de reais em debêntures com prazo mais longo. Mas, resolvido o problema imediato, restava outro: refazer um caminho para abrir o capital sem mudar a composição acionária da Máquina de Vendas.

Loja da Casas Bahia em São Paulo: a Via Varejo tem o dobro da margem da Máquina (Germano Lüders/EXAME)

Foi quando surgiu o nome de Richard Saunders para substituir Ricardo Nunes. Seu desempenho à frente da Eletro Shopping mostrou aos dois sócios que ele poderia controlar os custos da Máquina de Vendas, um aglomerado de empresas que nunca alcançou a promessa de economia nos custos que a escala deveria trazer.

Saunders tem a meta de fazer a empresa lucrar 200 milhões de reais em 2015. Para isso, já começou a fazer cortes drásticos. Em um pouco mais de um mês, diz já ter economizado 50 milhões de reais em custos. Ao todo, 20 executivos foram demitidos em agosto. A ideia é enxugar ainda mais a estrutura da diretoria, pois cada operação regional ainda tem seu próprio presidente e uma média de cinco diretores.

“Estou virando a empresa pelo avesso”, diz Saunders. Nesse processo de reformulação, até mesmo o pai de Saunders deixará a diretoria da Eletro Shopping. A tesoura também atingiu outras áreas do grupo, como a de marketing. Com uma verba publicitária de 215 milhões de reais, a empresa tinha duas agências, a mineira Pro Brasil e a baiana Propeg.

Agora, ficou apenas com a Propeg, o que gerou uma economia anual de 9 milhões de reais. Outro foco de corte de gastos são os centros de distribuição. A Máquina de Vendas tem 18 depósitos, e o objetivo é ficar apenas com dez, fechando unidades no Ceará, no Maranhão e no Rio de Janeiro.

O centro de Goiás deverá ser vendido para um fundo de investimento por cerca de 30 milhões de reais. “O Richard está economizando em passagens e até no táxi para o aeroporto. A gente nunca tinha pensado nisso”, diz Luiz Carlos Batista.

Camarões

Saunders começou a carreira cedo. Aos 13 anos, passava as madrugadas descascando camarões que comprava na Barra de Sirinhaém, no litoral sul de Pernambuco, para vender aos restaurantes em Recife. Aos 18, assumiu a loja de material de construção de seu pai. Sem capital, vendeu carros da família para comprar produtos e abrir novos pontos.

Com o dinheiro que sobrava das vendas, financiava novos automóveis. Ele repetia essa operação algumas vezes porque não podia andar a pé, já que ele mesmo realizava as entregas das compras na casa de seus clientes à noite, depois de fechar a loja. Quatro anos depois, em 1994, participou de uma feira de eletrodomésticos na Paraíba e, convencido por um amigo fornecedor, decidiu criar a Eletro Shopping.

Com poucos funcionários, negociava com os fornecedores, pintava as próprias lojas nas reformas, pagava as contas no banco. Abriu dezenas de lojas na periferia de Recife e, aos poucos, chegou a cidades do interior do estado, depois, aos estados vizinhos. Hoje, tem 145 lojas em Pernambuco, Sergipe, Alagoas, Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte.

Seus desafios vão muito além de economizar os trocados do táxi. Uma das empresas que mais preocupam é justamente a Ricardo Eletro. Com a menor margem do grupo, a companhia operou no vermelho em 2011 e 2012, de acordo com os últimos dados apresentados ao mercado.

Uma razão é a forte concorrência que enfrenta com as grandes redes no Sudeste — o que a obriga a investir acima das outras redes em marketing. Para piorar, no ano passado, o site Reclame Aqui recebeu mais de 22 000 denúncias relacionadas a descumprimento de prazos das vendas no site da Ricardo Eletro, o que levou a Justiça do Rio de Janeiro a determinar a suspensão da venda dos produtos.

Saunders impôs metas de prazo de entrega para seus executivos e costuma dizer que só consegue dormir depois de checar o volume de entregas atrasadas. Além de corrigir problemas pontuais, ele terá de, finalmente, criar uma empresa que fale a mesma língua. A Máquina de Vendas, conforme anunciada em 2010, ainda nem sequer existe.

Apenas há um ano a empresa criou uma holding para concentrar seus negócios e auditou pela primeira vez as companhias adquiridas. Mas as bandeiras ainda atuam de forma separada, e os sistemas ainda não foram completamente integrados. Nem a área comercial foi totalmente unificada, o que dificulta a vida dos fornecedores e dos bancos.

É comum diretores ouvirem repreensões do novo presidente quando chamam a empresa de “Insinuante” ou de “Ricardo Eletro”. “É Máquina de Vendas”, diz Saunders. Por enquanto, não é lá muito verdade. Mas não deixa de ser um bom começo.

Acompanhe tudo sobre:ComércioEdição 1074EmpresasMáquina de VendasSóciosVarejo

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025