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Acorda, Accor

A hotelaria brilha, mas o grupo precisa reinventar o negócio de tíquetes

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Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 10h50.

Última atualização em 10 de fevereiro de 2021 às 18h37.

De hotéis econômicos para executivos em trânsito por São Paulo a resorts luxuosos para turistas em férias na Bahia, a agenda do executivo Firmin António, 55 anos, presidente do grupo Accor no Brasil, tem sido repleta de inaugurações. Foram 16 apenas nos primeiros meses de 2001. O vai-e-vem de Firmin pelo país atende ao pujante crescimento da divisão de hotelaria da subsidiária do grupo francês. A onda de investimentos no Brasil, aliada ao crescimento do fluxo de turistas, permitiu que o número de hotéis administrados pela Accor crescesse de 40 em 1994 para 102 hoje. Até o fim de 2004 deverão ser mais de 200. É a face mais glamourosa da Accor, que comemora em maio 25 anos no país. "Temos tudo por fazer", diz Firmin. "Somos hoje um imenso canteiro de obras."</p>

A charmosa atividade de inaugurar hotéis nem sempre esteve, porém, entre as ocupações freqüentes de Firmin. Português naturalizado francês, ele foi o primeiro funcionário da Accor a desembarcar no Brasil, em 1976. De lá para cá, empreendeu a construção de uma das maiores operações de serviços do Brasil, com receita anual superior a 500 milhões de dólares e 23 000 funcionários. A base de tudo - e a antiga menina-dos-olhos de Firmin - foi a Ticket, a divisão de refeições-convênio. Nos últimos tempos, porém, o brilho dela ficou ofuscado. Motivo: enfrenta uma difícil batalha para reinventar-se. E está demorando para vencer.

Com cerca de 50 000 empresas como clientes dos populares Ticket Restaurante e Ticket Alimentação, a divisão ainda é a responsável por mais da metade dos lucros da Accor. Mas ela teve no ano passado o que possivelmente foi o seu pior resultado desde que o grupo começou a operar no Brasil. A divisão Ticket lucrou cerca de 30 milhões de reais - um bom número, não fosse por um detalhe: sua margem foi de apenas 1% sobre o volume total de dinheiro movimentado no negócio, da ordem de 3,4 bilhões de reais. Esse índice representa a metade da média obtida nos últimos anos e um quinto da média que a empresa alcançara uma década atrás.

A explicação para tamanha queda está ligada à estabilização da moeda. Nos tempos de inflação alta, os polpudos ganhos provenientes do giro de uma massa de dinheiro dos clientes no mercado financeiro representavam até 90% do lucro da Ticket. Desde que deixou de contar com a ciranda financeira, a empresa, que se transformou em sinônimo do negócio de vales-refeição, não conseguiu reproduzir aquele resultado. Como muitas outras empresas na época, ela estava mais acostumada a ganhar dinheiro à noite que de dia.


O fraco desempenho em relação ao passado, coincidindo com o crescimento da área de hotelaria, tem contribuído para diminuir a importância relativa da Ticket no resultado total da Accor no Brasil. Se em 1994 a divisão de refeições-convênio gerava 75% dos lucros do grupo, hoje essa participação está em 55%. Com o crescimento mais acelerado projetado para as outras áreas da Accor, a previsão é que a Ticket deverá responder por 40% dos lucros em 2004 (veja o quadro ao lado). O maior equilíbrio entre as fontes de receita da Accor é até saudável. Mas isso não significa que a Ticket possa ficar confortável com essa situação. Ao contrário. "A empresa tem um extraordinário valor estratégico para a Accor e precisa continuar crescendo nos próximos anos", diz Firmin.

Para entender melhor o que ele quer dizer - e a pressão a que está submetido -, considere que a divisão brasileira da Ticket é simplesmente a maior do grupo Accor no mundo. "Os acionistas ficaram mal acostumados com a rentabilidade do passado e têm cobrado o aumento dos lucros", afirma o executivo paulista Oswaldo Melantonio Filho, diretor-geral da Ticket. Para 2001 a meta é aumentar em 50% a rentabilidade.

A pressão da matriz fez com que de um ano para cá Firmin e seu time de executivos da Ticket pisassem mais fundo no acelerador das mudanças. Depois de passar alguns anos marcando passo num ritmo tímido, a empresa começou a reestruturar sua força de vendas, a modernizar os sistemas de informática e a estabelecer parcerias para produtos específicos. O risco de não fazer isso? Mais do que a perda de prestígio dentro da própria Accor, o perigo é ser ultrapassado por concorrentes cada vez mais competentes e determinados. "O fim da época dos ganhos financeiros depurou o mercado, que chegou a ter 82 empresas e hoje tem apenas um punhado", diz Melantonio. "Em compensação, concorremos hoje com grupos bem mais fortes."

Entre eles, a Ticket tem pela frente a Sodexho, a grande rival da Accor na França. Operando há cinco anos nesse mercado no Brasil, a Sodexho é a vice-líder. Outro competidor respeitável é o grupo brasileiro VR, do empresário Abram Szajman. Ambos ganharam escala com a quebra de empresas menores e também buscam criar novos produtos. "Esse mercado está passando por profundas transformações de tecnologia, de relacionamento com os clientes e de serviços", afirma Sérgio Chaia, diretor de marketing e vendas da Sodexho Pass, divisão da Sodexho na área de tíquetes. "Quem estiver mais preparado para capitalizar as novas demandas vai ser o vencedor da corrida."

Na sede da Ticket, na Avenida Paulista, em São Paulo, fez sucesso no alto escalão uma recente entrevista publicada em EXAME com o americano Gary Hamel, guru de estratégia empresarial e autor do best-seller Liderando a Revolução. "O que Hamel diz sobre a necessidade de inovações radicais e de autoquestionamento constante sobre a forma de atuação são pontos-chave do que queremos fazer aqui", afirma Melantonio, diretor-geral desde 1988. Mas transformar uma empresa que passou os últimos 17 anos vendendo basicamente o mesmo produto, o Ticket Restaurante e suas pequenas variações, como o Ticket Alimentação e o Ticket Transporte, não é fácil. A empresa precisava aprender novas formas de atuação e começou a fazer isso da forma mais dura: por meio de tentativa e erro.


Desde que o Plano Real vingou, em 1994, quatro novos produtos foram criados. Mas apenas um já conquistou certa relevância - o Ticket Car, que permite o gerenciamento de frotas por meio do uso de cartões magnéticos ou com chips no reabastecimento em postos de gasolina. Os outros três ainda não produziram resultados. Um dos motivos para a demora foi a falta de equipes especializadas para comercializá-los. Até o fim do ano passado, a empresa vinha aproveitando a mesma equipe de vendedores do Ticket Restaurante para tentar vender os novos produtos. Ocorre que, no caso do Ticket Car, por exemplo, os interlocutores não devem ser os diretores de recursos humanos, com os quais seus vendedores estão habituados a conversar, mas os executivos de logística dos clientes. "O Ticket Car é um produto excepcional e, se tivéssemos contratado vendedores especializados antes, provavelmente as vendas já estariam maiores", diz Melantonio.

O Ticket Car representa cerca de 10% dos resultados da divisão, o que não é mau para um produto recente. Outras novidades, entretanto, sofreram ainda mais por falta de especialização.

Um caso que chega a ser engraçado aconteceu há um ano. A companhia lançou uma espécie de cartão de crédito para funcionários de empresas clientes, o Ticket Plus. Esse cartão opera com taxas de juros mais baixas que as do mercado. Suas faturas são descontadas na folha de pagamento. A Ticket não tinha experiência em tratar diretamente com os funcionários dos escalões hierárquicos inferiores dos clientes. Para começar a abordagem, seus executivos inventaram o que foi chamado de "Momento Mágico". Consistia na visita de diretores e gerentes da Ticket às empresas para reuniões com grupos de 20 a 30 funcionários a fim de explicar o Ticket Plus. Para início de conversa, as reuniões já causavam um certo transtorno ao cliente, porque aconteciam em pleno expediente de trabalho. O que era para ser mágico acabou se mostrando decepcionante. Os convidados ficavam constrangidos e o cartão não vendeu quase nada.

Do plano inicial de colocar 40 000 em circulação até o fim do ano passado, só saíram 3 000. "Não sabíamos que para vender esse tipo de produto era preciso montar uma barraquinha próxima do refeitório da empresa e conversar individualmente com cada funcionário", diz Luiz Peduti, diretor de marketing da Ticket. O cartão Ticket Plus está atualmente passando por reformulações e deverá ser relançado dentro dos próximos três meses. Provavelmente, por uma força de vendas de uma empresa especializada em comercialização de serviços financeiros.

Essas experiências mostraram que ter novos produtos não era o suficiente para transformar a Ticket. "Estamos criando uma estrutura nova para dar suporte aos produtos", afirma Melantonio. Uma das principais medidas nesse sentido é a substituição do sistema de informática, extremamente necessária quando se pensa no número de clientes da empresa. Este ano, a Ticket está investindo 20 milhões de reais para integrar todos os produtos num só programa. Hoje, quando um vendedor se prepara para uma visita a uma empresa, tem de entrar no software de cada serviço da Accor para saber de quais deles ela já é cliente. Em breve, um único programa deverá reunir todas as informações dos clientes. "Isso vai nos possibilitar aumentar as vendas cruzadas, algo muito promissor numa empresa como a nossa", afirma Melantonio.


Outra batalha no campo da tecnologia - e isso envolve não apenas a Ticket, mas todas as empresas do setor - é a substituição dos tíquetes por cartões eletrônicos, uma promessa antiga de mais de cinco anos. Caso se concretize, os cartões eletrônicos deverão reduzir drasticamente os custos de distribuição (que representam 15% dos custos totais da operação) e ainda diminuirão a possibilidade de falsificações. Até o mês passado, a Ticket conseguiu entregar aos clientes 500 000 cartões magnéticos do Ticket Alimentação, destinado a compras de supermercado, o que atende a 25% do total de usuários desse serviço. A previsão é que esse cartão eletrônico substitua todos os cupons de papel nos próximos 18 meses. Isso, segundo os cálculos de Melantonio, deverá gerar uma economia de 4 milhões de reais por ano. No projeto de substituição do papel por cartão, o grande entrave ainda são os cupons de restaurante. O motivo é que a maioria dos restaurantes e botequins não tem maquininhas de leitura dos cartões.

O fato de a Ticket trabalhar tanto com papel quanto com cartão faz o custo da operação praticamente dobrar. Foi preciso montar uma equipe paralela de 150 profissionais só para fazer o cartão funcionar. "O retorno desse investimento virá depois, mas a obtenção de mais uma competência para a empresa já é uma realidade", diz Melantonio. Ainda na área tecnológica, a Ticket vem procurando nos últimos 15 meses fazer com que os clientes usem a Internet para encaminhar pedidos de tíquetes. Dos 50 000 clientes, 20 000 já aderiram ao sistema e os executivos da empresa acreditam que o número dobrará até o fim do ano.

A tecnologia também está mudando o perfil do pessoal nos 38 escritórios da Ticket no Brasil. A empresa centralizou a maior parte dos processos administrativos, como o recebimento de pedidos na sede, em São Paulo. Com isso, funcionários das filiais, que ficavam dentro dos escritórios, 70% do total, estão saindo às ruas para vender. Hoje, só 20% do pessoal fica nas escrivaninhas. "Queremos aumentar em 10% o nosso número de clientes até o fim do ano", diz Melantonio. "Para isso, vamos atacar as empresas pequenas."

Nesse processo de reinvenção, talvez o pecado da Ticket tenha sido demorar um pouco demais para acordar. Por sua cultura historicamente paternalista - um traço conhecido de Firmin - muitas mudanças de pessoal necessárias demoraram a acontecer. "Fazia tempo que os executivos da empresa sabiam o que tinha de ser feito, mas as coisas simplesmente não eram realizadas", afirma um ex-diretor da Accor. A maioria dos novos produtos ainda não emplacou e deverá ser reavaliada no fim do ano. Para Firmin, a demora é natural. "A lentidão deve-se à complexidade da mudança que está sendo empreendida numa empresa tão grande", diz. Sorte da Ticket que nesse meio tempo nenhum dos concorrentes conseguiu vantagens significativas sobre ela. Ao menos por enquanto.

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