Revista Exame

A vida nova da Oi: Rodrigo Abreu fala sobre o futuro da empresa após recuperação judicial

A operadora está saindo da maior recuperação judicial da história do Brasil. É um feito. Agora começa outro desafio: voltar a crescer menor, mais focada e num mercado em transformação

A Oi renegociou o que seria, pelo dólar atual, equivalente a 85 bilhões de reais em dívidas e agora tem um passivo de 16 bilhões de reais (Bambu Productions/Getty Images)

A Oi renegociou o que seria, pelo dólar atual, equivalente a 85 bilhões de reais em dívidas e agora tem um passivo de 16 bilhões de reais (Bambu Productions/Getty Images)

GV

Graziella Valenti

Publicado em 18 de agosto de 2022 às 06h00.

Você se lembra das árvores de Natal feitas com fios de fibra óptica? Elas foram sensação das famílias nas metrópoles no fim da década de 1990, quando a tecnologia começou a ser conhecida mundo afora. Na época, o Brasil se preparava para privatizar o Sistema Telebras, em um leilão que movimentou 19 bilhões de dólares. O país contava com mais ou menos 17 milhões de telefones fixos — apenas dez a cada 100 habitantes — e 4 milhões de celulares, uma tremenda novidade.

Em 2023, a privatização completará 25 anos. As peças natalinas, que quando lançadas custavam uma pequena fortuna, seguem à venda. No Mercado Livre, por exemplo, é possível comprar uma de 90 centímetros por 400 reais. São feitas de finos cabinhos coloridos que acendem. O motivo para serem tão hipnotizantes é o mesmo pelo qual o material também é o mais rápido para a transmissão de dados. O tal cabinho de fibra óptica é feito de vidro, revestido de plástico. Por ele passa um feixe luminoso — razão de ser tão bonito — em que a informação viaja na velocidade da luz. E sem interferência eletromagnética. O adorno natalino de 25 anos atrás agora é o foco de uma nova revolução no Brasil. 

Apesar de ter sido extremamente bem-sucedido em democratizar a telefonia fixa e celular, o país passou anos atrasado na adoção da fibra para o serviço de conexão à internet. Agora, finalmente, vive uma mudança de conectividade que vai acelerar — e muito — a difusão da banda larga de alta velocidade nos próximos anos. Tanto esse atraso do Brasil como a atual revolução que se avizinha têm um mesmo protagonista: a Oi.

A companhia tem sob seus cuidados a cobertura de todos os estados brasileiros, com exceção de São Paulo, e está perto de sair do processo de recuperação judicial. Falta apenas a homologação da Justiça para encerrar o caso. A Oi renegociou o que seria, pelo dólar atual, equivalente a 85 bilhões de reais em dívidas e agora tem um passivo de 16 bilhões de reais. O plano montado para a recuperação judicial da empresa, desenhado por Rodrigo Abreu, CEO desde o início de 2019 e com toda a sua carreira construída no setor, é a razão para o fim desse atraso de duas décadas no país. “Ganhamos finalmente o direito de virar a página”, disse ele em entrevista à EXAME. 

Rodrigo Abreu, CEO da Oi: “O trabalho realmente focado da nova Oi começa agora.” Para sair da recuperação judicial, desde 2019 ele organizou a empresa vendendo todos os seus ativos fixos (Leandro Fonseca/Exame)

A empresa que surge desse processo é totalmente diferente do que os brasileiros estavam acostumados a ver. Basicamente, a Oi vendeu todos os seus ativos fixos, o que movimentou quase 30 bilhões de reais. Foram vendidas as torres de telefonia celular, a operação de clientes móveis — para o trio Claro, TIM e Telefônica Vivo —, o negócio de TV por assinatura via satélite, os data centers, e também a rede fixa de banda larga. E este último negócio é a razão da mudança que ocorre no país. Para vender sua rede de alta velocidade, uma das maiores do mundo em extensão, foi preciso tirar pelo menos parte do atraso acumulado em décadas de subinvestimento. 

“O trabalho realmente focado na nova Oi começa agora”, afirmou Abreu, mentor do plano de transformação. Quando em janeiro de 2019 ele anunciou que a companhia se voltaria totalmente para a fibra, ninguém tinha a dimensão do que essa fala significava. A nova Oi que nasce após todo o esforço dos últimos anos é muito mais leve. Tudo foi vendido para pagar as dívidas, e a estratégia foi remodelada para que a Oi passasse a ser uma varejista de serviços e soluções digitais baseada em banda larga, para clientes residenciais e corporativos — bem diferente do modelo das demais teles e do desenho que surgiu com a privatização. A capacidade de rede que dará suporte a isso será alugada da V.tal, que nasceu da venda da infraestrutura de fibra para um fundo do BTG Pactual (do mesmo grupo de controle da EXAME). 

(Arte/Exame)

Ao fim de 2016, quando a Oi entrou em recuperação judicial, tinha pouco mais de 260 milhões de receita vinda dessa tecnologia. O balanço do segundo trimestre de 2022 indica que neste ano só esse serviço trará cerca de 4 bilhões em receita para a companhia. Ao todo, terá cerca de 10 bilhões de reais em faturamento anual. Em 2018, quando começaram os investimentos nessa rede, a empresa terminou o ano com 1,2 milhão de casas com acesso à tecnologia de alta velocidade e, ao entregar a infraestrutura para a V.tal, já eram 16 milhões. Há seis anos, quando começou a reorganizar sua dívida, a Oi nem sequer tinha clientes desse tipo — eram 5,2 milhões de assinantes de banda larga, praticamente todos no cobre e no cabo. Em junho deste ano, eram 7,3 milhões de unidades geradoras de receita sobre fibra, ou seja, de serviço efetivamente contratado. Nesse número, conta duas vezes quem compra acesso à internet e telefonia fixa nesse sistema. 

Investir na expansão da fibra não era apenas um plano ligado à demanda, era também um único caminho dada a velocidade com a que telefonia fixa se deteriorou. A receita de telefonia fixa, que era de 10 bilhões de reais quando a empresa começou a recuperação judicial, caiu para 3 bilhões no ano passado e segue recuando. Na comparação dos seis primeiros meses de 2022 com 2021, há um tombo de 45%. Agora o potencial da venda de serviços de fibra entra no lugar. “Temos finalmente a perspectiva de sermos geradores de caixa num horizonte de médio prazo”, diz Abreu, explicando que isso significa um prazo de aproximadamente dois anos. A expectativa é que a margem de geração de caixa fique em torno de 20%. O analista do BTG Pactual Cadu Siqueira estima que esse percentual está hoje em torno de 14%. 

A rentabilidade ficará muito diferente de seus antigos pares, como TIM, Claro e Telefônica Vivo, nas quais a geração de caixa está acima de 40% da receita. Porém os investimentos necessários, já que não há rede própria, também despencam. A Oi vinha investindo uma média de 7 bilhões a 8 bilhões de reais nos últimos anos para reverter o atraso na fibra, e a expectativa de Abreu é que esse volume caia para cerca de 1,5 bilhão por ano, agora todo focado em seu crescimento. Ao vender a rede de fibra para a V.tal, a agora ex-tele abriu a porta para que a infraestrutura que construiu seja usada por outras empresas, que vão brigar com ela por clientes. Mas, ao mesmo tempo, segundo o executivo, vai poder também vender serviços que antes não estavam em seu portfólio e que agora vão chegar para complementar a oferta da conectividade, como conteúdos e parcerias em educação, saúde e produtos financeiros, por exemplo. 

O QUE VEM POR AÍ

A venda da rede de fibra da Oi criou uma nova companhia, a V.tal, e também trouxe para o Brasil o modelo de rede neutra, o que muda totalmente a cara do setor. Amos Genish, um israelense que se tornou conhecido no país por ter construído a única empresa concorrente de uma operadora de telefonia fixa que veio do Sistema Telebras, a GVT (adquirida pela Telefônica Vivo em 2015), é o presidente da V.tal. O projeto dessa nova empresa é levar a fibra até 34 milhões de casas até o fim de 2025 — isso equivale a mais do que dobrar a infraestrutura comprada da Oi. Só que esses acessos não serão vendidos ao público, e sim para provedores que, esses sim, ficarão encarregados da oferta à população. 

(Arte/Exame)

O que vai acontecer no país só tem precedente com a universalização da telefonia de voz fixa e celular, que ocorreu após a privatização. A expectativa é que dos cerca de 90 milhões de domicílios que existem no país, entre residências e negócios, pelo menos 63 milhões tenham acesso à fibra até 2025. E essa estimativa leva em consideração apenas as projeções oficiais da V.tal e da Telefônica Vivo — a companhia com foco em São Paulo já tem hoje uma rede de fibra que chega a 21 milhões de casas. Hoje, o Brasil tem 42 milhões de domicílios com o serviço de banda larga contratado e, desse total, 26 milhões são acessos por fibra, conforme dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Em densidade demográfica, isso significa menos de 20 acessos a cada 100 habitantes — muito inferior aos 36 que Hong Kong tinha cinco anos atrás, por exemplo.

O espaço que a Oi deixou no mercado e as dimensões continentais do país possibilitaram o surgimento de empresas regionais provedoras de internet, por meio da construção de redes menores. Esses novos negócios ergueram sua infraestrutura já em fibra. Hoje, o Brasil conta com 20 dessas companhias de menor porte, chamadas de competitivas (porque concorrem com as grandes teles, que vieram da privatização), e elas respondem por mais de 60% dos acessos de banda larga com fibra contratados no Brasil ­— ou 38% de todo o mercado, considerando todas as tecnologias. Algumas delas cresceram tanto que foram à bolsa e listaram suas ações, fizeram o famoso IPO, oferta pública inicial: Brisanet, Desktop e Unifique. Ainda é esperada uma grande consolidação desses negócios, com fusões e aquisições.

Amos Genish, presidente da V.tal: a meta é mais do que dobrar a infraestrutura comprada da Oi e levar fibra para 34 milhões de casas até 2025 (Germano Lüders/Exame)

É para essas empresas — e tantas outras que surgirem — ampliarem seus limites que a V.tal vai poder agora vender o acesso à sua infraestrutura. E essas companhias vão oferecer o serviço à população. Na visão de Genish, o acesso à internet vai se tornar uma commodity. O diferencial estará na qualidade do atendimento, e não mais da rede. Mais do que isso, a banda larga vai poder ser vendida por qualquer companhia que vir nesse serviço um complemento para o seu negócio. Hoje, a V.tal já tem cerca de 30 clientes pequenos provedores, além da Oi como cliente âncora. Genish contou, em entrevista, que entre os contratos que está negociando está uma grande rede varejista. “Já imaginou? Vai ser possível contratar banda larga no mercado”, enfatizou. 

Para entender um pouco melhor o que está acontecendo no Brasil e a empolgação de Genish, um exemplo ilustrativo é um pequeno negócio que está nascendo, a empresa Axxel, que contratou a rede da V.tal para oferecer acesso à internet. Com investimento inicial de 50 milhões de reais, o plano da empresa é atender 12 cidades do Paraná, com projeção de alcançar 80 municípios até o fim de 2023, incluindo alguns do Rio Grande do Sul. Christian Alberti, diretor de operações da Axxel, explicou que a ideia não é só ser um provedor, com acesso à internet, streaming e games, que é o pacote básico das empresas competitivas. O objetivo é vender um conjunto de soluções e serviços para residências com monitoramento e segurança. 

O modelo de rede neutra criado para a recuperação judicial da Oi e mais as oportunidades que surgiram com as competitivas levou também a Telefônica Vivo a ter uma frente semelhante ao que foi criado para a V.tal em seu negócio. Só que, no caso do grupo espanhol, isso será feito apenas para fora do estado de São Paulo, foco de sua atuação no que era conhecido como telefonia fixa e que hoje é basicamente internet — é por ela também que agora a maioria das ligações telefônicas acontece. Como investir em infraestrutura exige muito capital, a Telefônica Vivo foi buscar um parceiro financeiro. Quem se associou ao negócio com um aporte inicial de 1,8 bilhão de reais foi o fundo de investimento canadense ­Caisse de dépôt et placement du Québec (CDPQ). 

Loja da Telefônica Vivo: grupo espanhol também vai investir em redes neutras fora do estado de São Paulo, ampliando seu foco de atuação em infraestrutura (Leandro Fonseca/Exame)

A presença de um grande investidor financeiro junto com o grupo espanhol e o fato de a V.tal ser controlada por um fundo de investimentos não é uma coincidência. O modelo de rede neutra, fora do Brasil, também é basicamente suportado por agentes desse tipo, porque se trata de um negócio de infraestrutura, e não de venda para o varejo — que exige um atendimento sofisticado e o conhecimento das particularidades de cada região e população. O maior negócio de rede neutra do mundo é a Digital Colony, resultado da combinação de dois grupos de investimento, a DigitalBridge e a Colony Capital, que têm juntos 30 bilhões de dólares sob gestão para infraestrutura digital. A companhia já controla um total de 350.000 sites de torres no mundo (nem todos ativos), 220.000 quilômetros de fibra, 125 data centers e 40.000 pequenas células móveis. No Brasil, eles são donos da ­Highline, que nasceu como infraestrutura de torres celulares, e da Scala Data Centers — ambas de venda para o atacado. O grupo chegou a avaliar a compra da rede da Oi para ampliar sua presença no país.

No caso da V.tal, para dobrar a cobertura que comprou serão necessários mais 30 bilhões de reais em investimento. A empresa já contratou financiamento para os primeiros 5,7 bilhões que vai aplicar nessa expansão. A Oi segue minoritária na V.tal, com uma fatia na ordem de 35%, e não participará dos investimentos da empresa. Deve, porém, conseguir alguns bilhões de reais quando a V.tal fizer seu IPO, um passo já programado. Esses papéis poderão ser vendidos em bolsa para pagar boa parte dos compromissos que ficaram. Se o mercado de capitais melhorar, é possível que essa operação ocorra já em 2023.

(Arte/Exame)

5G — A FIBRA NO AR

O leilão para as frequências de 5G feito pelo governo federal em 2021 arrecadou 47 bilhões de reais em licenças vendidas. Essa tecnologia que promete alta velocidade e capacidade de transmissão de dados pelos smartphones, ou seja, pelo ar, também é toda suportada pela fibra. Essa mudança também está totalmente relacionada com a expansão que o país fez nos últimos quatro anos e que ainda vai fazer. Genish explica que a maioria das pessoas ainda não se atentou para o que a tecnologia 5G significa em termos de desenho de infraestrutura. “A transmissão das informações será feita por redes de fibra, com gigantescos wi-fis fora do solo.” Esses wi-fis a que ele se refere são as antenas de telefonia celular, que vão espelhar o sinal que vem do chão com a fibra. É assim também que esse acesso vai crescer, e não só pela quantidade de casas que vão ter o fio passando na porta. Nessa nova tecnologia já não é mais a velocidade que está em jogo, e sim a latência, que é basicamente o gap de tempo que a informação leva desde sua origem até seu destino. O tempo de resposta do 5G promete ser mais veloz do que a velocidade de resposta de uma ação humana. 

No Brasil, como a evolução das redes fixas de banda larga ficaram atrasadas, a conectividade aconteceu basicamente pelos telefones móveis. Foi assim que o país se tornou o quinto em população online e reconhecidamente um dos mais abertos a novidades do mundo. Depois que a Oi vendeu seu negócio nesse segmento, são basicamente três grandes operadoras no varejo: Vivo, Claro e TIM. Todas elas participaram do leilão de 5G e agora já brigam na velocidade dos lançamentos. O primeiro lugar do país a ter o serviço ofertado foi o Distrito Federal, mas a cada dia surgem novos anúncios. A combinação do 5G e da fibra, além do uso pelas pessoas, promete deslanchar no Brasil a internet das coisas, a comunicação máquina a máquina. Nessa mesma edição da revista EXAME, o presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), Piero Minardi, explica que a explosão dos investimentos em capital de risco e das startups no país não foi uma bolha, porque há muito a fazer na frente de digitalização, um processo que estava atrasado por falta de infraestrutura. “Vivemos um círculo virtuoso nos últimos cinco anos. Mas motivado por fundamentos: a digitalização da economia. Nós estávamos atrasados nisso, por uma série de fatores, inclusive falta de infraestrutura tecnológica mesmo. As empresas tinham um problema da porta para fora. Então, com as melhorias nos últimos anos, o cenário mudou e elas encontraram um terreno fértil.” É a perspectiva para o Brasil que ganha cor quando a fibra sai da árvore de natal e vai para onde deveria estar.


(Publicidade/Exame)

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