Loja do Carrefour em São Paulo: 70 unidade deverão ser abertas esse ano no país (Daniela Toviansky/EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h38.
Há cerca de dois anos, o francês Jean-Marc Pueyo, então diretorsuperintendente da operação brasileira do Carrefour, fez um convite para o paulistano Luiz Fazzio, na ocasião presidente da C&A no Brasil. Pueyo queria marcar uma conversa pessoalmente a respeito do varejo de vestuário, departamento que pretendia expandir nas lojas do Carrefour. Após aquele primeiro encontro, os dois voltaram a se falar meses mais tarde numa situação bem diferente. Dessa vez, Pueyo convidou Fazzio para ocupar o cargo de diretor executivo de supermercados, divisão que, sob a bandeira Carrefour Bairro, responde por menos de 5% das vendas de 25 bilhões de reais que o grupo francês registrou no Brasil em 2009 (Fazzio havia deixado o comando da C&A sete meses antes). A contratação para o cargo, feita em dezembro sem o intermédio de headhunters, logo se mostrou o primeiro passo de uma rápida ascensão. Em junho, Fazzio passou a acumular a diretoria comercial e logística de hipermercados. Poucas semanas depois, no dia 20 de julho, o presidente mundial Lars Olofsson enviou simultaneamente a seus funcionários no Brasil e na matriz, na França, o comunicado de que Pueyo deixava o grupo após 32 anos de trabalho. Em seu lugar, o recém-chegado Fazzio assumiria o posto como o primeiro brasileiro a comandar a subsidiária local desde a abertura da primeira loja no país, em 1975. Aos 49 anos, Fazzio chegou ao topo antes de completar um ano de trabalho — algo inédito numa companhia em que os executivos tradicionalmente acumulam décadas de casa.
A indicação inesperada de Fazzio não é a única movimentação no alto comando da operação brasileira. Desde maio, outros quatro altos executivos deixaram a empresa. O primeiro foi o diretor comercial da área alimentar, Manoel Araújo. Em seguida foi a vez do diretor da operação do Atacadão, Roberto Britto, ex-presidente do Ponto Frio, que estava no grupo desde 2007. Na semana seguinte à saída de Pueyo, outros dois executivos deixaram a empresa — o diretor financeiro, Pedro Daniel Magalhães, e o de hipermercados, o francês Eric Reiss. Exceto no caso de Britto, substituído por Roberto Mussnich, até então responsável pela expansão do modelo do Atacadão na América Latina, os outros três cargos ainda estão vagos. Segundo executivos próximos à empresa, as mudanças refletem o descontentamento da matriz diante dos resultados da operação brasileira. Em vendas, a operação apresentou o segundo maior crescimento dentro do grupo no ano passado — 14,5%, atrás apenas da operação chinesa, que cresceu 16%. Mas sua eficiência, medida por uma margem Ebitda (relação entre a geração de caixa e a receita líquida) inferior a 5,5%, está bem abaixo da de concorrentes como o Pão de Açúcar — em que essa taxa chegou a 6,5% em 2009. Procurado, o Carrefour não comentou as mudanças.
A troca na linha de frente encerra um período de certa estabilidade no comando do Carrefour no país. Antes da chegada de Pueyo, em 2004, três executivos passaram pelo cargo sem permanecer mais de dois anos na posição. Pueyo não só teve um mandato mais longevo como conseguiu vencer alguns obstáculos históricos. Um deles foi a centralização das operações de hipermercados, uma tarefa que perseguia os chefes da operação brasileira desde o final dos anos 90 — tradicionalmente, cada loja tinha independência para gerir compras e estoques, o que implicava perdas de escala e de competitividade. Pueyo também conseguiu dar um norte às operações de supermercados com a criação da bandeira Carrefour Bairro em 2006. Paralelamente, ele decidiu acabar com a marca Champion, criada em 2000 para abrigar os supermercados resultantes de uma série de aquisições feitas nos anos 90 (a medida implicou o fechamento de mais de 60 lojas deficitárias). Sua maior tacada veio com a compra do Atacadão em 2007. Em três anos, a rede de atacarejo dobrou o faturamento, para 10 bilhões de reais, o equivalente a 40% das vendas atuais do Carrefour no Brasil. A operação foi considerada modelo pela matriz, que abriu uma loja da bandeira na Colômbia em março. A previsão era que outra unidade seria inaugurada na Argentina no primeiro semestre, mas por causa da crise ainda não saiu do papel.
Fazzio recebe a operação brasileira, a terceira maior do grupo no mundo, atrás de França e Espanha, com a clara missão de intensificar o ritmo de expansão e aumentar o lucro. Na primeira frente, ele contará com recursos recordes. A matriz destinou 2,5 bilhões de reais para promover uma expansão orgânica até o fim de 2011, quase 40% mais que o volume do biênio anterior. Apenas para este ano, está prevista a abertura de 70 lojas, sobretudo no Norte e no Nordeste. Em março, a operação brasileira investiu 50 milhões de reais na estreia de sua operação de comércio eletrônico — a empresa francesa foi a última das grandes varejistas instaladas no país a iniciar vendas pela internet.
A parte mais difícil da tarefa de Fazzio será equilibrar o peso das bandeiras em busca de indicadores melhores de rentabilidade — algo que seus antecessores não conseguiram fazer. Um dos pontoschave é aumentar a proporção de supermercados no portfólio, que atualmente soma apenas 49 lojas (o Pão de Açúcar, por exemplo, tem 368). Hoje, quase metade das vendas vem de hipermercados, um formato menos rentável que o atacarejo e que as lojas menores de bairro. “Todas as redes possuem dificuldades com os hipermercados”, afirma Silvio Laban, professor especialista em varejo da escola de negócios Insper. “O problema é que, entre todas elas, o Carrefour é a mais dependente desse modelo.” No ano passado, a bandeira de supermercados ganhou apenas dez unidades — resultantes da aquisição de parte das lojas da rede paulista Gimenes. “Para alcançar os concorrentes no formato supermercado, o Carrefour teria de partir para grandes aquisições”, diz Ricardo Pastore, especialista em varejo da ESPM.
Na busca por mais eficiência, Fazzio também deverá enxugar custos em áreas como logística e compras. Cortar despesas é algo de que o executivo, com passagem por grandes empresas do setor, como Makro, Walmart e Pão de Açúcar, entende bem. Entre 2002 e 2009, período em que comandou a C&A, Fazzio implementou um sistema para começar a medir os indicadores de cada loja — o que resultou numa ampla revisão dos processos. A pressão pela redução de gastos era tamanha que alguns gerentes de loja chegaram a desligar a escada rolante durante o dia para economizar energia elétrica. “Foi o período de maior rentabilidade da empresa no país”, diz um ex-executivo da C&A. “Mas seu estilo combativo entrou em conflito com a cultura tradicional da companhia e comprometeu o crescimento da rede.” Desta vez, o estilo de Fazzio pode combinar com o ritmo acelerado esperado pela matriz. No início deste ano, Olofsson — ele mesmo um forasteiro, vindo em janeiro de 2009 da Nestlé — anunciou a intenção de vender as operações de Malásia, Tailândia e Singapura, onde não vê chances de a companhia tornar-se líder. Em relação ao Brasil, porém, ele já declarou ter grandes expectativas — o executivo prevê que, em cinco anos, as vendas por aqui cheguem a 20% do faturamento global, o dobro da participação atual. Fazzio precisará fazer mais do que cortar custos para chegar lá.