Revista Exame

A prova dos nove da Gafisa

Uma das poucas empresas brasileiras sem controlador, a Gafisa tenta sair da má fase — a missão cabe ao conselho de administração mais pressionado do país

Obra da Gafisa em São Paulo: no Brasil, são apenas sete empresas sem controlador (Alexandre Battibugli/Site Exame)

Obra da Gafisa em São Paulo: no Brasil, são apenas sete empresas sem controlador (Alexandre Battibugli/Site Exame)

DR

Da Redação

Publicado em 6 de maio de 2012 às 06h00.

São Paulo - "Você acha que eu não me pergunto o que estou fazendo aqui?”, diz, com uma dose incomum de sinceridade, Caio Mattar, presidente do conselho de administração da Gafisa, sexta maior construtora do país. Sua vida, de fato, não tem sido fácil. A empresa anunciou em abril um prejuízo de quase 1 bilhão de reais referente a 2011.

Os investidores não estão gostando nada do que veem: as ações perderam 60% do valor nos últimos 12 meses, o segundo pior resultado da Bovespa. O que torna sua situação ainda mais complexa é que Mattar desempenha um tipo de papel inédito na história brasileira: o homem responsável por guiar a Gafisa trabalha, na verdade, no Pão de Açúcar.

Ele é vice-presidente e despacha diariamente na sede do grupo, em São Paulo. É Abilio Diniz, portanto (ou os franceses do Casino, sabe-se lá), que paga seus salários. Ao mesmo tempo que é cobrado para achar uma solução para a Gafisa, Mattar tem de entregar os resultados exigidos por seu chefe. 

Eis, aqui, a explicação para o papel desempenhado por ele — a Gafisa é, hoje, uma das poucas empresas brasileiras sem controlador. Suas ações estão espalhadas por milhares de acionistas, e nenhum deles tem participação suficiente para mandar. Apenas sete das 465 companhias listadas na Bovespa têm estrutura semelhante.

Nos Estados Unidos, mais da metade é assim. Por aqui, o padrão é que as empresas tenham um controlador. Desse jeito, o conselho de administração pode acabar tendo uma atuação mais de conselheiro, menos de administrador: é o dono que decide, e os membros podem se dar ao luxo de simplesmente concordar.

Já em empresas pulverizadas quem manda, de verdade, é o conselho de administração — que também será responsabilizado por uma eventual barbeiragem. É isso que faz do conselho de administração da Gafisa o mais pressionado do Brasil.

Seus nove membros singram por mares nunca navegados. Têm de tomar, de forma colegiada, decisões vitais para a empresa, sabendo que os acionistas estão sedentos por uma solução para seu investimento.

O que está em jogo não é apenas o futuro da construtora, mas a reputação (e o patrimônio) dos nove conselheiros. Desde 2003, membros de conselhos podem responder legalmente por decisões que desrespeitam os direitos de fornecedores, funcionários, clientes ou acionistas.


A punição pode vir em forma de multa ou até de bloqueio dos bens pessoais. No escândalo financeiro que levou a Sadia às cordas, nove conselheiros foram condenados a pagar multas que variavam de 200 000 a 400 000 reais (todos recorreram).

“Eles podem ser responsabilizados não apenas por fraude mas também por má gestão”, diz Marcelo Coimbra, especialista em governança corporativa da Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis. Para protegê-los, as empresas oferecem aos conselheiros seguros que cobrem até mesmo gastos com o dia a dia em caso de bloqueio de bens.

Como se espera de empresas com a estrutura de capital da Gafisa, seu conselho de administração é um tanto estrelado. Além de Mattar, há seis membros independentes — e outros dois ligados à construtora. Entre os independentes estão nomes como Guilherme Afonso Ferreira, um dos maiores investidores do país (retratado na reportagem de capa desta edição), Leticia Costa, ex-presidente da consultoria Booz Allen, e Henri Phillippe Reichstul, ex-presidente da Petrobras.

Eles ganham, em média, 15 000 reais por mês. Até um ano atrás, era um dinheiro recebido sem suor. “Não éramos atuantes”, diz Mattar. “Tínhamos pouco acesso à diretoria e às informações da empresa.” Em abril de 2011, o investidor americano Sam Zell vendeu suas ações e, com isso, deixou de controlar a Gafisa. “Foi aí que a ficha caiu e o conselho percebeu que não haveria mais ninguém para bancar as decisões”, diz um conselheiro.

Três meses depois, a dinâmica teve de mudar na marra depois que os diretores começaram a reconhecer erros no orçamento de obras (erros estes que também afetaram os resultados de concorrentes como Cyrela e PDG). Foi a primeira pista de que algo não ia bem. Até então, os conselheiros faziam quatro reuniões presenciais por ano e oito por teleconferência (de até 40 minutos cada uma).

Agora, os conselheiros se reúnem uma vez por mês, em encontros que duram cerca de 6 horas. Alguns deles, como o ex-sócio da Deloitte José Écio Pereira da Costa, acumulam também cargos em comitês específicos — no caso dele, o de auditoria.

Pente-fino

Os nove conselheiros iniciaram, então, uma intervenção, amparada no trabalho de consultorias externas, como a Bain & Company. Eles exigiram um pente-fino em todas as obras, principalmente nas da marca Tenda, voltada para o público de baixa renda, operação executada pelo presidente executivo, Duílio Calciolari.


O resultado veio à tona em novembro, quando a empresa anunciou que ia encolher a operação para se reorganizar. No mês passado, o próprio Mattar, numa atitude rara para um presidente de conselho, abriu a conferência de apresentação dos resultados para anunciar o prejuízo (normalmente, é Calciolari que cumpre esse papel).

O perfil do conselho da Gafisa cria situações inteiramente novas. Em empresas com controlador definido, o presidente do conselho costuma ter muito a ganhar caso um período de crise seja vencido. Elie Horn, fundador da Cyrela, tem 127 milhões de ações da empresa.

Cada ponto percentual de valorização nos papéis faz seu patrimônio crescer cerca de 20 milhões de reais. Caio Mattar tem apenas uma ação da Gafisa. “Nem eu nem ninguém do conselho dependemos dessa função para viver, mas temos nomes a zelar e uma obrigação junto aos acionistas”, diz ele.

Para quem observa a atuação do conselho de perto, seus membros têm optado por uma rota mais conservadora que a normal. Todas as trocas de e-mail são impressas e estocadas (para ser usadas num eventual litígio). Em fevereiro, o conselho recebeu uma proposta de aquisição feita por seus antigos controladores — Zell e a gestora de private equity GP Investimentos.

Quando a informação vazou, revelada por Exame.com, a empresa confirmou, num fato relevante enviado à Bovespa, que havia recebido, sim, uma proposta. Do ponto de vista da transparência, uma atitude invejável. Mas, para executivos próximos à transação, a confirmação atrapalhou as negociações (empresas em situação semelhante comunicam, de forma um tanto imprecisa, que estão “constantemente avaliando oportunidades”).

No dia 11 de maio, a Gafisa elegerá dois novos conselheiros. O próprio conselho indicou seus candidatos, que serão aprovados ou não pelos acionistas. Conhecido por ser o mais barulhento entre os conselheiros, Guilherme Ferreira pediu para sair por discordar das indicações.

Um grupo de acionistas vai indicar a ex-presidente da Caixa Econômica Federal Maria Fernanda Ramos Coelho e o ex-diretor do fundo Pátria Marcelo Moreira. Os membros podem até mudar. A prova dos nove continuará a mesma.

Acompanhe tudo sobre:B3bolsas-de-valoresConstrução civilEdição 1015EmpresasGafisaIndústriaIndústrias em geral

Mais de Revista Exame

Linho, leve e solto: confira itens essenciais para preparar a mala para o verão

Trump de volta: o que o mundo e o Brasil podem esperar do 2º mandato dele?

Ano novo, ciclo novo. Mesmo

Uma meta para 2025