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Trabalho em excesso e consumismo exagerado podem ser a nova pandemia

Para Sofia Esteves, da Cia de Talentos, só trabalhar e consumir não é o caminho

 (Getty Images/Getty Images)

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Sofia Esteves

Sofia Esteves

Publicado em 17 de dezembro de 2020 às 05h40.

Última atualização em 17 de dezembro de 2020 às 10h42.

Não é novidade para ninguém que, ano a ano, o número de pessoas com crise de estresse, ansiedade e depressão vem crescendo no mundo todo e, principalmente, no Brasil. A OMS, em 2018, alertava que em 2020 questões relacionadas à saúde mental seriam o primeiro motivo de afastamento dos colaboradores.

Também não é novidade que a pandemia obrigou os líderes a prestar mais atenção nos fatores que impactam positiva e negativamente sua própria saúde mental e a de seus colaboradores. Índices que já eram alarmantes antes da pandemia ganharam as manchetes e forçaram as organizações a adotar medidas paliativas para tentar amenizar os impactos de contexto.

Nesse sentido, a pandemia de covid-19 foi um catalisador para que centenas de apps de psicologia online, treinos físicos, meditação, mindfulness e programas de apoio psicológico fossem implementados. Ainda não se sabe ao certo por que o nível de engajamento dos funcionários nesse tipo de programa tem sido inferior ao estimado e até que ponto essas intervenções serão efetivas no médio e longo prazo.

Observo líderes que, apesar das melhores intenções, acabam se iludindo e buscando consolo ao implementar soluções reativas e paliativas que, no médio e longo prazo, não vão reverter os altos índices de absentismo e presenteísmo decorrentes de questões de saúde mental. Vale ressaltar que, além de ser mais difícil de identificar, o custo do presenteísmo (quando o profissional não se afasta do dia a dia do trabalho, porém sua produtividade e seu engajamento são infinitamente menores) é três vezes o custo do absentismo.

Trabalho na área de gestão de pessoas, atendendo desde jovens em início de carreira até a alta liderança, há mais de 30 anos e vejo essa realidade se agravar diariamente. Tenho pesquisado e refletido muito sobre esse tema, pois me toca bastante, e minha frustração é acompanhada de um profundo questionamento.

Ao reconhecer que a pandemia provocada pela covid-19 não é a vilã por trás do que vem sendo descrito como a “pandemia silenciosa da saúde mental no ambiente de trabalho”, eu me pergunto: qual será a causa raiz dos alarmantes indicadores de saúde mental no contexto organizacional? Minha motivação para explorar qual é e como lidar com a causa raiz surgiu em agosto de 2020, quando me dei conta de que a única certeza que tinha (e continuo tendo) é que estou cansada, minha equipe está cansada e meus amigos, parentes e clientes estão cansados.

De um lado, cada vez mais os profissionais estão insatisfeitos com o ambiente de trabalho, e um dos principais fatores é a pressão imposta pelos líderes, clientes e competidores de mercado, que deixaram de ser os tradicionais e agora são as novas startups que transformam rapidamente mercados inteiros.

De outro, a meu ver, a verdadeira pandemia não é a causada pelo coronavírus nem a “silenciosa pandemia da saúde mental”. A verdadeira pandemia silenciosa que me preocupa decorre de duas ilusões que permeiam nossa sociedade hoje: que somos capazes de trabalhar incansavelmente e que consumir insaciavelmente é a solução da maioria de nossos problemas. Minha hipótese é que a confluência entre esses dois mindsets possa ser uma das causas raízes dos indicadores de saúde mental que tanto nos preocupam.

O primeiro passo para desconstruirmos essas ilusões é reconhecer que as pessoas que exigem produtos cada vez mais inovadores e customizados são as mesmas que estão na liderança das empresas e que, mesmo céticas e exaustas, criam estratégias e metas cada vez mais ambiciosas para atender consumidores insaciáveis e, assim, garantir a sustentabilidade do negócio.

Por fim, as pessoas que se encontram na média e na base das pirâmides organizacionais e que, para garantir sua empregabilidade, sofrem com a pressão imposta pela concretização das metas também terminam o dia exaustivo de trabalho e passam no supermercado, nas lojas ou simplesmente abrem as plataformas de e-commerce para consumir os novos produtos. Nesse contexto, a tempestade está criada!

Você deve estar se perguntando: mas de quem é a culpa? Do capitalismo desenfreado? Da tecnologia que facilita as disrupções e ameaça os empregos? Dos líderes e acionistas que cobram cada vez mais? Dos consumidores ávidos por novidades e moda? Em minha simples opinião, sem nenhum embasamento científico, somos todos nós! Tudo junto e misturado. Não estamos discutindo em profundidade qual é a causa raiz de tudo isso. Já passamos da hora de pensar “como estou contribuindo para esta realidade?”.

Ninguém gosta de ser desiludido, mas sabemos que desconstruir ilusões pode ser uma experiência libertadora e promotora de desenvolvimento individual e coletivo. Precisamos desconstruir juntos a ilusão de que trabalhar incansavelmente e consumir insaciavelmente é o que garantirá a sustentabilidade das organizações do ponto de vista de recursos humanos e financeiros. Em vez de perpetuar ilusões e temer desilusões, vamos refletir, agir e fazer valer os sofrimentos, as conquistas e os aprendizados que 2020 nos trouxe.

Convido o leitor a se juntar a um grupo de médicos, psiquiatras, especialistas em saúde mental, empresários e líderes para, juntos, descobrirmos como transformar essa realidade.


(Leandro Fonseca/Exame)

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