Revista Exame

A fórmula do Magazine Luiza para sobreviver na crise

Ao apostar na integração entre lojas e vendas online, a varejista Magazine Luiza cresceu mais do que os concorrentes. Mas a vida vai ficar mais dura

 (Germano Lüders/Exame)

(Germano Lüders/Exame)

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Da Redação

Publicado em 21 de outubro de 2016 às 05h55.

Última atualização em 21 de outubro de 2016 às 21h59.

São Paulo – Os 19 000 funcionários da rede de varejo Magazine Luiza assistiram, em março, a um vídeo sobre focas. O filme descrevia o habitat desses bichos e mostrava como o aquecimento global estava tornando a vida deles mais difícil. Para sobreviver, dizia o narrador, as focas tinham de “se adaptar” e “conquistar novos territórios”. Na pouco sutil metáfora que escolheu, a cúpula do Magazine Luiza tentava passar um recado aos funcionários: em meio à pior recessão da história brasileira, cada um tinha de se virar para sobreviver. O que estava em jogo, a rigor, era o destino da empresa. O Magazine Luiza sofria com a queda nas vendas, tinha prejuízo e suas ações vinham de uma baixa de 70% em 2015.

A virada obtida nos primeiros meses de 2016 foi de impressionar os mais otimistas. Depois de um prejuízo de 66 milhões de reais em 2015, o Magazine Luiza teve lucro de 16 milhões de reais no primeiro semestre deste ano. Num período em que as receitas do varejo de móveis e eletroeletrônicos diminuíram 15%, as vendas da empresa cresceram 3,6%, para 5,3 bilhões de reais, puxadas especialmente pelo aumento de 31% das vendas online (que hoje respondem por 22,5% das vendas totais).

A margem da geração de caixa quase dobrou: passou de 4%, em dezembro, para 7,6%, em junho. Os resultados ficaram tão acima do esperado que as ações da varejista já subiram 410% neste ano — de longe, a maior alta da Bovespa. As ações de suas principais concorrentes, a Viavarejo e a B2W, valorizaram 165% e 6%, respectivamente. Hoje, o Magazine Luiza vale 2 bilhões de reais na bolsa, quase o triplo de seu patrimônio — até o fim do ano passado, a empresa valia menos do que o patrimônio.

Como é comum em histórias de virada empresarial, uma combinação de fatores explica o bom desempenho da companhia neste ano. Um deles tem a ver com a recessão. “A estratégia de muitos concorrentes do Magazine Luiza nos anos de expansão do varejo foi fazer promoções agressivas, para crescer a qualquer custo, especialmente no comércio eletrônico. Muitos queimaram caixa por anos para financiar sua operação online. Com a crise, isso deixou de fazer sentido”, diz Marcos Gouvêa de Souza, diretor-geral da consultoria de varejo GS&MD.

A B2W dá prejuízo desde 2011. Neste ano, suas vendas caíram 12,8%. As vendas da Cnova, que reúne a operação online da Viavarejo, diminuíram 42,9%. Com os concorrentes retraídos, o Magazine Luiza aproveitou para ganhar espaço.

Para crescer em meio à crise, a empresa decidiu investir no que tem de diferente de seus principais concorrentes: a forte integração entre as lojas de tijolo e as vendas online. “Estamos mudando a empresa para que ela seja verdadeiramente digital”, diz Frederico Trajano, filho de Luiza Trajano (presidente do conselho de administração da rede) e presidente do Magazine Luiza desde o início do ano.

Assim que assumiu o cargo, Trajano colocou 25 projetos em andamento. Os vendedores das lojas estão recebendo celulares para ajudar nas vendas. O plano é que, até o fim de 2017, os clientes não precisem mais ir a um caixa para pagar: os próprios vendedores receberão o pagamento pelo celular (como acontece, por exemplo, nas lojas da Apple). Hoje, os vendedores têm acesso ao perfil dos clientes que compram pelo site, que pode ser acessado com o CPF do consumidor.

Com o perfil na tela, conseguem ver quais produtos foram pesquisados e o que foi comprado recentemente. Assim, têm mais chance de ser assertivo. Com a maior automação das lojas, o tempo médio para processar uma venda caiu de 45 para 4 minutos. “O Magazine Luiza é a única empresa em que as operações física e digital são integradas de fato, e isso é percebido pelo consumidor”, afirmam os analistas do banco BTG Pactual num relatório.

Outra vantagem é a redução de custos, já que as áreas de logística, marketing e tecnologia são as mesmas. “A margem de lucro do varejo é baixa. Não podemos nos dar ao luxo de replicar estruturas”, diz Trajano.

Direção contrária

Na década de ouro do varejo brasileiro, de 2004 a 2014, essa integração era vista quase como um ponto fraco do Magazine Luiza. Seus principais concorrentes estavam separando a operação física do comércio eletrônico, com a justificativa de que isso mostrava melhor o valor de cada subsidiária. Foi o que fez o Grupo Pão de Açúcar, controlado pelo grupo francês Casino. Uma das empresas do grupo, a Viavarejo, que é dona das marcas Casas Bahia e Ponto Frio, abriu o capital na Bovespa em 2013 e passou a valer 10 bilhões de reais.

Mas cabia à outra empresa, hoje chamada de  Cnova, tocar as lojas online de Ponto Frio e Casas Bahia. A Cnova, que também era controlada pelo Casino, foi listada na Nasdaq em 2014, com valor de mercado de 2,3 bilhões de euros. O problema é que com isso Cnova e Viavarejo passaram a ser concorrentes. O conflito deu tanta dor de cabeça que, em agosto, Viavarejo e Cnova anunciaram que vão combinar as operações brasileiras — as empresas estimam que isso vai gerar uma economia de 245 milhões de reais por ano.

Fundado em 1957, em Franca, no interior de São Paulo, o Magazine Luiza sempre foi mais “digital” do que a concorrência, mas o fazia no improviso. Em vez de ter grandes lojas, lotadas de produtos, abria “lojas virtuais”, que são, na realidade, mostruários de produtos, onde os vendedores ajudam os clientes a comprar pelo site da companhia. Como não têm estoque, as lojas virtuais podem ser menores e, assim, mais baratas.

A estratégia funcionou bem até 2011, quando o Magazine Luiza abriu o capital e decidiu usar os recursos captados (quase 1 bilhão de reais) para crescer em diferentes regiões do país. Já havia comprado a Lojas Maia, uma das principais redes de varejo de eletroeletrônicos do Nordeste, e em 2011 comprou o Baú da Felicidade, do Grupo Silvio Santos. Também passou a abrir lojas na cidade de São Paulo — até então, operava em mercados menos competitivos no interior do estado.

Integrar as novas empresas e ganhar dinheiro em São Paulo se mostrou mais difícil do que o esperado, e o os resultados começaram a ratear. “Em 2014, fechamos o ciclo de crescimento acelerado e decidimos iniciar outro, de criar uma companhia digital”, diz Marcelo Silva, vice-presidente do conselho de administração do Magazine Luiza e ex-presidente da empresa.

Daqui para a frente, a vida deve voltar a ficar difícil. Quando estiver integrada de fato, a “nova” Viavarejo pode ser uma ameaça, porque é duas vezes maior do que o Magazine Luiza (sem incluir a Cnova na conta), o que dá a ela maior poder de barganha com fornecedores, e terá uma vantagem competitiva. A B2W aprovou um aumento de capital em 823 milhões de reais neste ano e deverá ganhar fôlego.

O Walmart, que fez campanhas de congelamento de preços neste ano para atrair consumidores, conseguiu aumentar suas vendas de janeiro a junho. “Crescemos sozinhos até agora, mas isso deve mudar.” A luta pela sobrevivência não acaba nunca.

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