(Vladimir Gerdo/Getty Images)
Da Redação
Publicado em 29 de abril de 2021 às 05h46.
Última atualização em 29 de abril de 2021 às 08h41.
Não tem sido um ano fácil para ninguém. Diante do aumento do desemprego, que atingirá 14,6% da população ao final de 2021, segundo projeção da Confederação Nacional da Indústria (CNI), o Brasil tem buscado forças na filantropia em uma nova realidade de consciência coletiva de empresas e indivíduos. “O terceiro setor nunca foi tão importante”, afirma o coordenador de planejamento da Cruz Vermelha Brasileira (CVB), Erick Vieira.
Com mais de 6.000 voluntários atuantes e presente em 21 estados, a CVB é uma das instituições que trabalham para mitigar os efeitos da pandemia em comunidades carentes, populações ribeirinhas e povos indígenas. Vieira afirma que, com a ajuda que vem recebendo, a entidade consegue destinar parte dos recursos para a área da saúde, mas que o valor ainda não é suficiente para auxiliar todas as pessoas que dependem da entidade. “Neste momento, pela crise sanitária, há mais necessidade de EPIs e insumos hospitalares para os profissionais da saúde. Além disso, não podemos nos descuidar dos fatores secundários. Buscamos também realizar ações para a entrega de cestas básicas e cartão de alimentação a quem precisa”, afirma.
O auxílio dado de forma voluntária por empresas e pessoas por causa da crise sanitária evitou um número ainda maior de mortes em decorrência da doença. Os resultados apresentados pela Cruz Vermelha demonstram crescimento de 100% nas doações no ano passado em comparação a 2019. Foram doados 12 milhões de reais, e mais de 8 milhões em produtos como EPIs, álcool em gel e produtos de limpeza, o que possibilitou o aumento do número de pessoas assistidas, beneficiando mais de 7 milhões de brasileiros.
Mesmo com uma possível redução nas doações para este ano, de acordo com pesquisa do Instituto Datafolha publicada em dezembro, a solidariedade nunca esteve tão alta nos últimos tempos. Dados da Associação Brasileira de Captadores de Recursos (ABCR), órgão que monitora as doações para o combate à covid-19 no Brasil, mostram que nos 12 meses contados a partir de 31 de março de 2020 foram doados 6,7 bilhões de reais. As causas a que foram destinados são variadas; contudo, 74% dos recursos foram para a área da saúde, minimizando o desgaste do setor mais utilizado até o momento.
Para o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), organização não governamental criada em 1995 com a proposta de conservação do meio ambiente alinhada ao correto uso do solo e à proteção a indígenas, as doações tiveram um peso importante nos últimos anos. Com cada vez menos investimentos para o setor, a parceria com empresas privadas e a destinação de recursos das pessoas físicas tornaram-se mais necessárias. Em 2019, de acordo com o balanço publicado, o instituto conseguiu uma receita de 24 milhões de reais, entre financiadores e serviços prestados, e em 2020 a receita preliminar apontava 23 milhões de reais.
Roberto Palmieri, gerente de projetos do Imaflora, diz que as parcerias acontecem de formas variadas e que, mesmo não contribuindo com doações em dinheiro, outras necessidades do instituto são levadas em consideração. “As doações financeiras são importantes, e há participação de outras formas também, como a prestação de serviços. Fizemos um plano de marketing completo totalmente gratuito com uma empresa parceira, e isso foi bom para a contenção de despesas e a divulgação de projetos”, afirma.
Se de um lado existem entidades sem fins lucrativos engajadas em fazer o repasse de doações e a distribuição de seus serviços para quem precisa, de outro há empresas que buscam amparar a sociedade com algum tipo de recurso. A iniciativa privada está cada vez mais preocupada em auxiliar com parcerias no terceiro setor. O desenvolvimento de programas sociais por parcela significativa das empresas é algo que tem tomado fôlego, mesmo com a pandemia.
Um dos exemplos é o Santander Brasil. A instituição financeira mobilizou seu quadro de funcionários em prol da Ação da Cidadania, organização fundada por Herbert de Souza, mesmo idealizador da campanha Brasil Sem Fome, com a doação de 100.000 cestas básicas. E, para engajar seus colaboradores e clientes, informou que doaria outras 100.000 unidades caso atingissem a mesma quantidade em doações espontâneas. A meta, além de incentivar a participação dos funcionários — que, por sinal, já possuem um envolvimento na filantropia em programas da empresa —, incentiva a participação de toda a rede de familiares e amigos, criando um ciclo de voluntariado que excede os limites da empresa.
“Essa cultura que criamos engaja os colaboradores. Existe gente que passa a fazer parte de conselho municipal depois de participar de ações da companhia”, diz Karine Bueno, superintendente de sustentabilidade. O banco ainda tem outras iniciativas, como o Parceiro do Idoso, que trabalha com o incentivo fiscal direcionando recursos do imposto de renda para Fundos dos Direitos do Idoso, e também o Amigo de Valor, que investe na garantia dos direitos da criança e do adolescente. Todas as ações de 2020 impactaram mais de 306.000 pessoas em 63.000 participações sociais.
Mesmo que no Brasil a cultura da doação não seja tão consolidada, há esforços para alavancar o debate dentro e fora das empresas. Nesse sentido, a doação de tempo gera forte impacto para o desenvolvimento tanto para quem recebe quanto para quem executa. Oferecer a oportunidade de participação do quadro de funcionários é uma forma de conscientização, além de demonstrar os valores em que a empresa acredita.
A fabricante de alimentos Mondelez, por exemplo, desenvolve e estimula seus colaboradores, fornecedores e consumidores a atuar nas iniciativas da companhia. “São várias as atividades realizadas anualmente com crianças e adolescentes de instituições parceiras, sempre no horário de trabalho, além de promovermos eventos de serviço à comunidade dentro da companhia. Temos também oficinas com o voluntariado que apoiam empreendedoras no projeto de geração de renda e na comercialização dos produtos”, diz Maria Claudia Souza, diretora de assuntos corporativos e governamentais.
A executiva reforça a importância da participação em projetos sociais em qualquer escala. O evento global Purpose Day, promovido pela empresa com o objetivo de mudar a mentalidade dos funcionários em prol das causas sociais e humanas, contou com a participação de 80.000 colaboradores no mundo todo. Nessa ação, que ocorreu em outubro de 2020, foram economizados 54 milhões de litros de água, número suficiente para o abastecimento por um mês de uma cidade com até 10.000 habitantes. “Houve um forte engajamento do time brasileiro e seus 8.000 participantes. Eles ficaram sem utilizar o carro por um dia, fizeram a separação e destinação adequada dos resíduos pós-consumo, doaram roupas, alimentos, brinquedos e livros”, diz Souza. No fim, a equipe brasileira venceu a gincana.
O cenário é preocupante no pós-pandemia. Falência de empresas, desemprego em alta e o moral comprometido compõem uma situação comparada a um quadro de guerra. Entre as principais angústias relatadas por entidades de apoio assistenciais está a redução das doações financeiras e de produtos.
O desafio das instituições que dependem de doações, nos próximos anos, será manter a arrecadação elevada. As propostas de parceria entre as empresas e o terceiro setor tiveram de ser reinventadas e avaliadas minuciosamente. Fatores como logística, informatização, captação e capacitação de voluntariados são dificuldades que ficaram ainda mais em evidência nesta crise sanitária e devem continuar por algum tempo. Como a vacinação ainda está longe de atingir uma grande parcela da população devido a seu ritmo lento, as medidas de auxílio são pensadas para durar, pelo menos, até o final de 2022.
Atualmente o Brasil ocupa a 74a posição entre os 136 países que mais fazem doações, no ranking World Giving Index. O índice é divulgado pela Charities Aid Foundation (CAF), organização internacional que apoia e capitaliza recursos para mais de 88.000 instituições de caridade no mundo todo. O primeiro lugar é dos Estados Unidos, em seguida estão Mianmar e Nova Zelândia.
É fácil entender as razões dessa posição do Brasil. Os países que estão mais bem posicionados nesse índice possuem incentivos fiscais mais amplos e abrangentes. Por exemplo, a lei americana estabelece que ações filantrópicas podem gerar abatimentos no imposto de renda de até 50%, enquanto aqui no Brasil o máximo permitido é 6%. Outro ponto importante que desmotiva a prática é o imposto sobre doações, cobrado em poucos países, entre eles o Brasil.
Mesmo com o país posicionado na parte inferior do ranking, os brasileiros pelo menos têm a intenção de se envolver em ações coletivas, mas só o fazem quando são impactados por campanhas. O Instituto Datafolha aponta em uma pesquisa realizada em 2020 que 92% dos brasileiros querem ser mais solidários, e geralmente são em ações pontuais. Portanto, vale ressaltar que há vontade por parte das pessoas e, nessa direção, empresas privadas, setor público e ONGs devem buscar maneiras de chegar a elas. Se o problema do método for resolvido, será possível alcançar níveis mais altos e fazer a ponte entre quem quer doar e quem precisa receber.