Revista Exame

Na economia e na Copa, é permitido sonhar

Não existe relação de causa e efeito entre ganhar o mundial e o sucesso econômico. Mas para Jim O’Neill, criador do termo Bric, uma vitória brasileira poderia dar a confiança para o país promover as mudanças de que tanto precisa


	Amistoso Brasil e Sérvia, em São Paulo: o maior evento do futebol permite que os países anfitriões mostrem seus atrativos aos investidores globais
 (Rafael Ribeiro/CBF)

Amistoso Brasil e Sérvia, em São Paulo: o maior evento do futebol permite que os países anfitriões mostrem seus atrativos aos investidores globais (Rafael Ribeiro/CBF)

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Da Redação

Publicado em 18 de julho de 2014 às 14h18.

São Paulo - "Para centenas de milhões de pessoas de todo o planeta, o futebol é o esporte mais importante, e a Copa do Mundo, o maior evento esportivo de todos. Sim, há quem argumente que a Olimpíada seja tão relevante quanto — mas ela não elege um único campeão. Portanto, nada se equipara à Copa do Mundo.

Tendo o Brasil como sede do evento, surge uma interessante questão a um economista fanático por futebol, como eu: o país que ganha a Copa pode receber por tabela um vento favorável na economia? Levantar a taça é um acontecimento tão importante que, em teoria, daria para empurrar os negócios — não é uma previsão científica, mas às vezes acontece.

O Brasil certamente é a nação mais bem-sucedida do mundo no futebol e está em condições de ganhar pela sexta vez neste ano. O país também tem uma economia com problemas, passível de ser impulsionada por outra vitória dentro das quatro linhas — ou emocionalmente arrasada se não for bem.

Uma coisa é certa: é preciso fazer algo para atrair novamente as atenções para o B dos países do bloco Bric. O Brasil não pode mais contar com a explosão induzida pelas commodities na última década. Em termos econômicos, há muitas reformas a fazer. O ambiente de negócios no Brasil precisa ser destravado.

O setor público tem de parar de ocupar o lugar das empresas. O investimento privado é fundamental para fazer o país atingir seu potencial de crescimento de 4% a 5% ao ano. Mas, para promover essas mudanças, é necessário contar com capital político, o que se espera que o vencedor nas eleições de outubro tenha de sobra. 

Quando identifiquei o país como uma economia emergente, em 2001, muita gente, incluindo do próprio Brasil, ficou surpresa. Nas décadas anteriores, o Brasil vivia uma impressionante montanha-russa e sofria os efeitos de sua notória hiperinflação.

Mas, depois de reformas macroeconômicas no fim dos anos 90 e da adoção de metas de inflação, o país tornou-se uma economia mais “normal”, com oscilações menos caóticas. Os três últimos anos mostraram, no entanto, que a economia brasileira tem dificuldade para atingir o potencial que sua força de trabalho oferece.

Como outros emergentes, o Brasil ainda está aquém de conseguir o crescimento imaginado até 2020. Para tal, o governo precisa promover uma nova queda nas taxas de juro reais, comprometendo-se com uma sustentabilidade fiscal de médio e longo prazo e avançando na estabilidade inflacionária.

Dar ao Banco Central plena independência para determinar a política monetária implicaria menos interferência. Além dessas medidas, o Brasil necessita urgentemente melhorar sua produtividade, permitir um mercado de trabalho mais competitivo, apoiar maior criatividade e inovação e reduzir a importância das commodities no desempenho da economia.

Implementar e alcançar tais objetivos requer o mesmo grau de atenção que o Brasil precisa ter para ganhar a Copa — embora os brasileiros costumem tratar a vitória no Mundial como algo fácil de conseguir.

É bem verdade que a relação entre o triunfo na Copa do Mundo e o sucesso econômico não é inteiramente confiável. O evento em si nunca deixa de ser maravilhoso, mas as ramificações mais amplas são imprevisíveis. Tenho visitado países que foram sede da Copa do Mundo desde 1994, quando ela foi realizada nos Estados Unidos, e estarei no Brasil durante o torneio.

Entre outras coisas, esse é um momento em que países anfitriões mostram seus atrativos aos investidores globais. Tais impressões podem ser duradouras.

Avenida Champs-Elysées, em Paris: o ressurgimento econômico da França não veio com a vitória em 1998 (Franck Prevel/Getty Images)

Lembro de Seul toda pintada de vermelho pela inesperada participação da Coreia do Sul na semifinal em 2002 e de celebrações ensandecidas na avenida Champs-Elysées, em Paris, quando a França ganhou a Copa de 1998. Lembro também que se falou do surgimento de uma Alemanha vibrante em 2006.

Apesar de todo o barulho em todas essas ocasiões, pouco se sentiu na economia. Depois da Copa de 2002, não vi mudanças significativas na Coreia do Sul. A vitória da França em 1998 foi supostamente o prenúncio de um ressurgimento econômico — que no final não aconteceu.

A Alemanha teve um sucesso econômico relativo desde que foi sede da disputa em 2006, mas a suposta mudança cultural para uma perspectiva mais internacional, condizente com sua força econômica, não ocorreu.

Houve também grande excitação com as perspectivas econômicas da África do Sul, quando ela recebeu o campeonato em 2010. Hoje, há provavelmente mais interesse na África subsaariana como região do que na África do Sul em si.

De volta ao futebol

Além do Brasil, os favoritos desta vez são Argentina, Alemanha e Espanha, nessa ordem. O Uruguai tem um bom time — e vale lembrar que toda Copa do Mundo realizada na América Latina foi vencida por uma nação sul-americana. A Holanda é um perpétuo azarão, e, desta vez, a Bélgica também tem um time que pode surpreender.

Dos quatro principais favoritos, Argentina e Espanha provavelmente precisariam vencer mais do que o Brasil se a questão fosse a necessidade de recuperação econômica.

O problema, a meu ver, é que uma vitória da Argentina pode ser contraproducente: seu terceiro título na Copa do Mundo pode ser saudado pela elite política argentina como uma oportunidade para persistir na abordagem heterodoxa que recolocou o país na ladeira escorregadia de um declínio econômico persistente.

O governo da Argentina precisa menos de capital político e mais de um empurrão para um novo caminho. A Espanha venceu a competição na África do Sul há quatro anos — e, portanto, sabe que o sucesso no futebol nem sempre prenuncia uma recuperação econômica. Mas, passados quatro anos, há sinais de que ela está finalmente saindo da depressão.

Creio que a economia espanhola poderá surpreen­der os investidores nos próximos dois anos. Também tenho um palpite de que o período de predominância espanhola no esporte pode estar chegando ao fim. Se fosse preciso escolher, imagino que o país optaria pelo sucesso econômico, e não pela vitória na Copa do Mundo, embora muita gente ainda tenha dúvida por lá.

Como já mencionei, uma seleção europeia jamais venceu a competição na América Latina, mas a Alemanha parece estar em forte posição para quebrar essa sequência perdedora.

Acredito que ela tem a melhor chance. Se isso acontecer, talvez a Alemanha saia espiritualmente arejada pela experiên­cia e resolva assumir uma carga maior de liderança econômica e política na Europa. Enfim, a cada quatro anos, é permitido a todos sonhar. No futebol e na economia.

Jim O'Neill é ex-presidente da gestora de recursos do banco americano Goldman Sachs e torcedor do time inglês Manchester United

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