Revista Exame

Economia no Brasil só decola com melhor educação básica

Com 120 bilhões de reais a mais e 5 milhões de estudantes a menos, o Brasil terá, nos próximos dez anos, uma oportunidade histórica para tirar o atraso na educação básica ­— e garantir que nossa economia de fato decole

Qualidade na educação de Sobral: a cidade cearense virou exemplo no ensino fundamental (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

Qualidade na educação de Sobral: a cidade cearense virou exemplo no ensino fundamental (Alexandre Battibugli/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 30 de novembro de 2013 às 13h18.

Recife (PE), Rio de Janeiro (RJ) e Sobral (CE) - As meninas da foto acima moram e estudam no distrito de Aracatiaçu, em Sobral, no Ceará. Aracatiaçu fica a 60 quilômetros do centro de Sobral, que por sua vez está a 250 quilômetros de Fortaleza. É a zona rural de uma das cidades mais quentes do país. Pior: o sertão nordestino sofre com a maior seca dos últimos 50 anos. 

Na escola delas, o ventilador só espalha o calor. Quando a reportagem de EXAME visitou o local, fazia 40 graus. Mas essas crianças têm sorte de viver ali. Nos últimos 13 anos, Sobral vem se consolidando como um exemplo bem-sucedido de reforma educacional.

O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), indicador do Ministério da Educação, é maior em Sobral do que em qualquer capital do Brasil nos anos iniciais do ensino fundamental. O mais surpreendente é que os efeitos dessa política educacional já são sentidos até no setor privado.

A fabricante de calçados gaúcha Grendene chegou a Sobral em 1992, quando a atividade econômica local era quase toda agrícola. Na época, o único requisito para trabalhar na fábrica era não ser completamente analfabeto — e mesmo assim era difícil conseguir gente.

Os programas de treinamento se dedicavam a ensinar os empregados a compreender textos e a fazer contas básicas. Nos últimos três anos, a Grendene tem intensificado a troca daquela mão de obra mais rudimentar por jovens — de Sobral mesmo. A empresa sente o efeito na forma de melhoria da produtividade.

Em Sobral estão oito das 13 fábricas da Grendene e quatro de cada cinco trabalhadores que emprega. Hoje, com máquinas novas e gente que teve acesso a uma educação melhor, a Grendene produz 20 milhões de calçados por ano a mais do que em 2009 — com 9 000 funcionários a menos.

“Diria que 70% de nosso ganho de produtividade se deve a uma seleção mais apurada da mão de obra”, diz Francisco Schmitt, diretor de finanças da Grendene. “Em geral, o investimento em pessoas tem retorno maior do que em capital físico”, diz o economista Samuel Pessôa, da Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro.

Tudo começou com uma simples pesquisa. Em 2000, o prefeito Cid Gomes, atual governador do Ceará, encomendou um estudo sobre o padrão educacional da cidade. O levantamento mostrou que, no 4º ano do fundamental, quando os alunos costumam ter 9 anos, metade das crianças nem sequer conseguia juntar sílabas e ler palavras.


A constatação deflagrou um plano de ação para corrigir o atraso. Diretores passaram a ser escolhidos por processos de seleção em vez de indicação política. O conteúdo das aulas começou a seguir um cronograma único e detalhado para todo o município. Os professores iniciaram uma capacitação mensal para aprender a ensinar.

Avaliações viraram uma constante, mas não para punir quem não aprendia, e sim para verificar se os alunos progrediam — não há reprovação em Sobral. “Sem esse acompanhamento, muitos alunos seriam reprovados à toa”, diz Claudia Barbosa Viana, professora de português da escola Francisco Aguiar, onde estudam as meninas que abrem a reportagem.

Hoje, a proporção das crianças que leem e compreendem textos é de 97% no 2o ano do ensino fundamental — aos 7 anos de idade. A psicóloga Izolda Cela foi a secretária de Educação de Sobral de 2001 a 2006. Em 2007, passou a ocupar o mesmo cargo no governo do Ceará e levou o Programa de Alfabetização na Idade Certa para todo o estado.

De 2005 a 2011, o Ceará foi o estado que mais avançou no Ideb até o 5º ano do fundamental. “O mais importante da reforma foi avaliar escolas e alunos e cobrar um desempenho melhor”, diz Martin Carnoy, professor da Universidade Stanford que estuda a educação na América Latina. O programa cearense agora inspira um similar em esfera federal. Lançado neste ano, visa garantir que os alunos de toda a rede pública no país estejam alfabetizados até os 8 anos.

O papel do governo federal de um país continental como o Brasil é reconhecer as melhores práticas em educação e dar escala a elas. “O Brasil não faz isso bem”, diz o alemão Andreas Schleicher, diretor-geral de educação na OCDE, organização dos países mais ricos que estuda o desenvolvimento econômico.

Com mais dinheiro para a educação, o Brasil terá uma chance de dar um salto na qualidade. Os futuros royalties do pré-sal podem gerar incremento de 120 bilhões de reais no orçamento da educação até 2022, segundo projeção do Ministério da Educação. Ao mesmo tempo, a transformação da pirâmide demográfica aponta uma queda no número de pessoas com idade escolar — cerca de 5 milhões de alunos a menos no período.

Nesse cenário, segundo cálculo do economista Jorge Arbache, professor da Universidade de Brasília e assessor especial da presidência do BNDES, se nos próximos dez anos a economia brasileira crescer apenas 2% ao ano, como tem acontecido no governo Dilma, o investimento por aluno aumentará 42%.


Se a média de expansão do PIB for de 4% ao ano, o incremento por aluno será de 67%. Como aproveitar o dinheiro extra? “O Brasil tem de estabelecer os padrões de qualidade da educação que quer alcançar e ajustar o gasto conforme a demanda”, diz Arbache. Na última década, os gastos com educação no Brasil saíram de 4,5% do PIB para 6%.

O país praticamente universalizou o acesso ao ensino fundamental. Agora é preciso manter crianças e adolescentes na escola e garantir que aprendam. “O grande desafio do Brasil é elevar a qualidade da educação”, diz Schleicher. 

O que poderá fazer diferença, sobretudo, é uma boa gestão dos recursos. Como ilustra o exemplo do ganho de produtividade da Grendene, reformas educacionais bem-feitas e com continuidade geram resultados expressivos na economia em tempo mais curto do que se pensa.

Na mesma década em que Sobral deu um salto, uma reforma ainda mais impressionante estava tomando forma a 8 500 quilômetros de distância: na Polônia. O país do Leste Europeu foi o único a não sofrer recessão de 2009 para cá na União Europeia. Isso tem a ver com as fábricas que se instalaram lá, vindas de outros países, menos produtivos.

Só as empresas lideradas por italianos na Polônia são quase 750 — a Itália vive uma fuga de investimentos em decorrência da baixa produtividade e do sistema educacional que não melhora. A Fiat tem uma linha de montagem na cidade de Tychy, no sul da Polônia. Lá produz seu compacto Fiat 500.

“A qualidade da educação se reflete na capacidade de um país de atrair investimento”, diz Cledorvino Belini, presidente da Fiat no Brasil. “Há uma dificuldade maior para implementar medidas de aumento de eficiência quando não se tem uma mão de obra qualificada.”

A Fiat está há 35 anos em Betim, Minas Gerais, mas continua precisando treinar a mão de obra para coisas básicas, como conceitos elementares de matemática e língua portuguesa.

O sistema público na Polônia começou a ser reformado no fim da década de 90. Os alunos do fundamental ganharam um ano a mais de aulas na preparação para o ensino médio. “Essa medida é citada frequentemente como fator essencial para a melhoria do desempenho de nossos estudantes na década seguinte”, diz Maciej Jakubowski, secretário executivo do Ministério da Educação da Polônia.

O país também inovou ao criar quatro categorias de professor. Para pular de uma categoria para outra, o professor precisa incrementar a formação e se sair bem na sala de aula. Pura meritocracia. O resultado é que 92% do corpo docente em educação básica tem mestrado, e a carreira de professor é uma das mais concorridas da Polônia.


De 2000 a 2009, o país ultrapassou Estados Unidos, França e Alemanha no ranking do ­Pisa, prova da OCDE que mede a qualidade do ensino para alunos com 15 anos em 65 países. De acordo com as notas, é como se um aluno médio de 15 anos no Brasil tivesse o mesmo conhecimento que um de 12 na Polônia — e que um de apenas 10 anos em Xangai, na China, que aparece no topo do ranking.

Na Polônia, o governo trocou de mãos desde o início da reforma educacional, mas os avanços foram mantidos. No Brasil, é comum as políticas públicas serem abandonadas de um governo para outro. Uma rara exceção é a política de expansão das escolas de tempo integral no ensino médio de Pernambuco.

Governador em segundo mandato consecutivo, Eduardo Campos manteve um programa iniciado por seu antecessor e, na época, inimigo político, Jarbas Vasconcelos. Hoje, metade da rede pública já está em tempo integral ou semi-integral. O plano é chegar a 80% dos alunos até o ano que vem, o que deixaria de fora só os estudantes do noturno.

O melhor é que o modelo de escolas integrais de Pernambuco está se espalhando pelo Brasil. Quem leva o modelo pelo país afora é Marcos Magalhães, que foi presidente da multinacional Philips no Brasil por 11 anos.

Em 1999, ao descobrir que a escola em que estudou em Recife havia sido fechada, o executivo reuniu amigos, como o empreiteiro Norberto Odebrecht, e recuperou o prédio histórico com investimento de 2,5 milhões de reais. Mas Magalhães concluiu que não bastava entregar um prédio novo.

Em 2002, contratou dois pedagogos para criar um projeto de ensino médio inovador que fosse interessante para os alunos, diminuísse a evasão e, sobretudo, fosse replicável. “O ensino médio é um problema no mundo inteiro, e esse parecia um segmento esquecido”, diz Magalhães.

“A nossa ideia foi fazer um curso que prepara o aluno para o mundo do trabalho.” Em 2006, quando acabou o governo de Jarbas Vasconcelos, já havia outras 12 escolas seguindo o modelo de ensino integral. Hoje, são 260 com professores acompanhando alunos o dia inteiro na escola, disciplinas eletivas e aulas práticas de ciências em laboratórios bem equipados.

A nota média dessas escolas é de 4,5 pontos na prova anual mais recente de Pernambuco, feita nos moldes do Ideb. Ainda é muito pouco. Mas essa média é mais alta do que a de Santa Catarina, estado com a melhor rede pública de ensino médio do Brasil. O modelo está sendo exportado para Ceará, Goiás e São Paulo.


A proposta tem outro aspecto que começa a ganhar corpo no Brasil: incluir de forma transversal na grade curricular conceitos que serão úteis aos alunos pelo resto da vida, como foco em objetivos, otimização do uso do tempo e empreendedorismo.

Recentemente, a Abril Educação, empresa do mesmo grupo que publica EXAME, trouxe dos Estados Unidos o programa O Líder em Mim, que procura incutir esse tipo de questionamento nos alunos desde a infância. O programa está sendo testado em escolas públicas cariocas e particulares em São Paulo.

O resultado da política educacional de Pernambuco é uma oferta de jovens mais preparados. “A qualidade do capital humano é um dos maiores entraves à competitividade das empresas brasileiras. E aqui falo de educação básica mesmo”, diz a consultora de gestão Betania Tanure.

A Contax, empresa de centrais de atendimento, estava de olho na melhora da competitividade quando instalou em Recife sua maior unidade da América Latina. “Levamos em conta a melhora do nível educacional dos jovens da região para investir”, diz Otávio Azevedo, presidente do grupo Andrade Gutierrez, dono de 35% da Contax. A central recifense, com 14 000 empregados, foi inaugurada em 2011.

O potencial de ganho com a educação para a economia é enorme num país que mal começou a melhorar o nível de suas escolas. “Duas coisas basicamente explicam o crescimento sustentado no longo prazo na maioria dos paí­ses: o nível de renda e o desempenho em matemática e ciências”, diz Erik Hanushek, economista da Universidade Stanford. “Nesse segundo aspecto, o Brasil tem ficado muito atrás de países como México e Polônia.”

Historicamente, o Brasil não priorizou a educação. Até o fim dos anos 70, investia menos de 2% do PIB no ensino. “A crença entre nós era que a educação era consequência do desenvolvimento econômico, e não a mola propulsora”, diz Samuel Pessôa.

Há sinais de que a visão mudou, como a promessa que a presidente Dilma fez, em agosto, quando a lei que destina 75% dos royalties do pré-sal para a educação foi aprovada no Congresso: “Queremos dar educação de Primeiro Mundo para os jovens”. As propostas apresentadas na reportagem a seguir são atalhos para alcançar esse objetivo. E nos livrar da vergonhosa colocação entre os piores países no ranking do Pisa.

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