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A bolsa não é mais aquela - nem aqui e nem em Frankfurt

Os juros baixíssimos (ou negativos) nos países ricos têm distorcido o mercado. As ações são negociadas como se fossem papéis de renda fixa. E vice-versa


	 Bolsa de valores de Frankfurt: faltam opções para investidores
 (Getty Images)

Bolsa de valores de Frankfurt: faltam opções para investidores (Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 8 de agosto de 2016 às 05h56.

São Paulo — Os brasileiros acostumaram-se a conviver, por anos a fio, com taxas de juro atípicas — muito mais altas do que as de qualquer outro país, emergente ou desenvolvido. Nosso sonho de consumo é viver um dia num ambiente de juros baixos. Ironia dos tempos atuais: não é que isso também pode ser um problema — e dos grandes?

Recentemente, nações como Alemanha, França, Japão e Suíça passaram a ter taxas negativas — o que significa que quem decide investir em títulos de renda fixa perde dinheiro diariamente. É a primeira vez que isso acontece, e as consequências no longo prazo desse fenômeno para a economia global ainda são imprevisíveis.

No mercado de investimentos, porém, o impacto já foi sentido: a manutenção de juros tão baixos por tanto tempo tem provocado distorções no desempenho da bolsa e da renda fixa. Como não há sinal de que os bancos centrais pretendam elevar as taxas, é provável que o comportamento do mercado continue maluco por mais alguns anos — ou até que uma nova bolha estoure por aí.

Em tese, não vale a pena investir em títulos públicos de países em que os juros são negativos, porque paga-se para deixar o dinheiro aplicado. Ainda assim, os investidores continuam comprando esses papéis e também os que oferecem rendimentos próximos de zero (como os do Tesouro americano) em busca, principalmente, de segurança.

Sempre que há sinais de que a crise na Europa será prolongada ou que poderá haver um novo grande conflito no Oriente Médio, parte do patrimônio dos grandes fundos estrangeiros migra para os títulos públicos da Alemanha ou dos Estados Unidos. Além disso, os bancos centrais dos países desenvolvidos têm comprado papéis públicos quando querem dar ainda mais estímulo à economia.

Por último, para não correr o risco de deixar o dinheiro embaixo do colchão, muitos investidores individuais têm aceitado pagar para manter seus recursos nos bancos. Com isso, a procura por títulos públicos continua alta. O banco JP Morgan estima que cerca de 10 trilhões de dólares estejam aplicados em títulos sem rentabilidade.

Como a demanda é maior que a oferta, os títulos públicos têm valorizado: quem comprou um papel de 20 anos do Tesouro americano em janeiro e o vendeu em julho ganhou cerca de 20% no período.

Já os que decidirem ficar com o papel até o vencimento receberão apenas 2% ao ano. De olho na chance de ganhar muito dinheiro no curto prazo, muitos investidores adotaram uma postura especulativa ao aplicar nesse mercado. É uma novidade: esses títulos sempre representaram a parcela conservadora do patrimônio de fundos e investidores individuais.

A atitude especulativa tem sido adotada por algumas das principais gestoras do mundo, como a Black­Rock, a Pimco e a Vanguard (somado, o patrimônio que administram chega a 8 trilhões de dólares).

“Estamos negociando títulos de renda fixa como se fossem ações. É a maneira de obter bons retornos nesse mercado hoje”, diz Axel Christensen, chefe de estratégia de investimentos da Black­Rock para a América Latina e a Ibéria.

Outra distorção é que, sem a renda fixa para fornecer um rendimento estável ao longo do tempo, os investidores têm buscado alguma estabilidade na bolsa — aplicando em ações de empresas que pagam dividendos elevados. Mais companhias de países desenvolvidos têm ampliado a distribuição de dividendos justamente porque manter o dinheiro em caixa se tornou um mau negócio.

Na média, a rentabilidade obti­da só com os dividendos pagos pelas empresas do índice S&P 500, da Bolsa de Valores de Nova York, foi de 2,1% em 12 meses. No mesmo período, o rendimento dos títulos públicos ficou em 1,6%. Desde os anos 50, os dividendos geraram um retorno maior do que o dos papéis do governo durante vários meses seguidos apenas em 2012 — e agora.

Alta da bolsa

Uma consequência dessas distorções é a valorização dos “ativos reais”, como ações, imóveis e ouro — um movimento que, segundo um número crescente de analistas, passou do ponto. O índice S&P 500, da bolsa americana, subiu 140% desde 2009 e, com isso, o valor das empresas está perto da máxima histórica, embora haja inúmeras dúvidas sobre a recuperação da economia americana.

Os investidores também têm buscado alternativas nos países emergentes. Apesar dos riscos que rondam muitos desses países, como China, Turquia e o próprio Brasil, o fluxo de recursos para esses mercados está positivo pela primeira vez desde 2012: chegou a 4,6 bilhões de dólares neste ano. Indícios de que a economia brasileira pode começar a se recuperar já fizeram o Ibovespa subir 30% neste ano.

“É muito provável que haja uma correção forte das bolsas assim que os juros voltarem a subir nos países desenvolvidos”, diz André Leite, sócio da assessoria financeira Tag Investimentos, que atende clientes de alta renda. O problema é que ninguém sabe quan­do isso vai ocorrer.

Os riscos trazidos pela saída do Reino Unido da União Europeia levaram os economistas a prever que os juros demorarão mais a subir na maioria dos países desenvolvidos. O medo dos bancos centrais é que um aumento dos juros prejudique a ainda cambaleante recuperação das economias ricas.

Na visão predominante hoje, as distorções de curto prazo são um efeito colateral aceitável diante de um objetivo maior, que é evitar que o mundo entre em recessão de novo. Os críticos dessa política — entre eles o BIS, instituição internacional com sede na Suíça que supervisiona o mercado bancário mundial — dizem que os ganhos de curto prazo estão criando grandes dificuldades para o futuro.

Mas, como quem toma as decisões de política monetária discorda, pelo menos por enquanto, o mundo das finanças vai continuar meio maluco por mais tempo.

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