Revista Exame

130 ideias, um novo produto

Como a subsidiária brasileira da Kimberly-Clark está aplicando a metodologia do oceano azul para conseguir inovar -- e ganhar mercado -- num setor em que quase nada muda

Iszlaji, Damato, Aron e Loor, da Kimberly: operários e executivos escolheram juntos a melhor ideia (--- [])

Iszlaji, Damato, Aron e Loor, da Kimberly: operários e executivos escolheram juntos a melhor ideia (--- [])

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 12h36.

Mais de 5 bilhões de fraldas descartáveis são vendidas todos os anos no Brasil, segundo a consultoria Nielsen. À exceção de variações nas estampas e no tamanho, os produtos que compõem esse enorme volume -- usado por quase 3 milhões de bebês -- não diferem muito entre si. Eles basicamente seguem uma matriz criada há quase cinco décadas, quando a americana Procter&Gamble produziu a primeira fralda descartável em escala industrial. Em mercados assim, escapar do lugar-comum pode parecer quase impossível. Depois de 18 meses de trabalho, porém, os executivos da subsidiária brasileira da Kimberly-Clark estão tentando desafiar esse padrão com um produto que chega ao mercado em outubro. A grande inovação da Fralda Mágica é um cinto reutilizável, usado para prendê-la ao corpo do bebê e substituindo as tradicionais fitas adesivas. À primeira vista, a mudança pode parecer quase banal. A inovação, no entanto, diminui o uso de matéria-prima em 26% e derruba o preço de cada unidade para 38 centavos -- cerca de 25% menos que os modelos mais baratos da própria Kimberly e alguns centavos abaixo do produto mais barato do mercado, da marca Sapeca. Com um produto com preço tão competitivo, a companhia espera conquistar os 23% de mães brasileiras que ainda usam fraldas de pano por não ter condições de comprar fraldas descartáveis -- um universo de aproximadamente 700 000 novas potenciais consumidoras por ano. "Abrimos um mercado novo, sem concorrentes, que pode nos render um faturamento de 120 milhões de reais em 2010", afirma João Damato, presidente da Kimberly-Clark no Brasil.

Para criar o novo modelo, a empresa colocou em prática uma das mais incensadas teorias de gestão desta década, a estratégia do oceano azul, apresentada em 2005 no livro dos consultores W. Chan Kim e Renée Mauborgne. A sacada de Kim e Mauborgne foi mostrar que as mais bem-sucedidas estratégias de inovação não estão em segmentos superdisputados -- e sim em mercados inexplorados. Para ilustrar o conceito surgiu a metáfora do oceano azul, que pode ser amplamente navegado, em oposição aos oceanos vermelhos, nos quais diariamente ocorre uma luta sangrenta por participação de mercado. Um dos melhores exemplos mundiais do mergulho no oceano azul foi protagonizado pela fabricante japonesa de jogos Nintendo, com o lançamento do Wii, em 2006. Enquanto as concorrentes investiam em games complexos para nerds, a Nintendo lançou um modelo simples e interativo para toda a família. Outro exemplo recente é o da montadora indiana Tata Motors, que neste ano colocou no mercado o Nano, o carro mais barato do mundo, com o preço de apenas 2 000 dólares.

A relação da Kimberly-Clark com Chan Kim começou no final de 2007, quando executivos da empresa assistiram a uma semana de palestras do consultor na escola francesa Insead. No intervalo para o almoço, Kim sentou-se na mesma mesa de João Damato. "Logo percebi que Kim poderia nos ajudar a transformar nossa vontade de inovar em produtos realmente competitivos", diz. Em fevereiro de 2008, Kim montou dentro da sede da Kimberly, em São Paulo, o único Blue Ocean Strategy Institute da América Latina. Por trás do nome pomposo está o modelo criado pelo consultor para espalhar pelo mundo sua metodologia. Além da unidade brasileira, há outras três -- no próprio Insead, na universidade malaia UCSI e na ONG americana Manufacturer and Business Association. "É nossa primeira experiência dentro de uma empresa", disse Chan Kim a EXAME. Até agora, dois consultores enviados por Kim treinaram 90 funcionários da Kimberly. Como um dos pilares da estratégia do oceano azul é envolver funcionários das mais diversas áreas, o instituto ficou a cargo de um quarteto coordenado por Damato e composto pelos diretores Eduardo Aron, da área de produtos pessoais, Mário Loor, de produtos familiares, e Marco Antonio Iszlaji, de assuntos legais e corporativos. A mesma diversidade pode ser observada nas equipes que já participaram dos treinamentos. "Uma turma variada ajuda a ampliar o campo de visão", diz Iszlaji, que até o início do projeto não se envolvida com a criação e novos produtos.


O primeiro passo para chegar a um oceano azul é mapear o oceano vermelho, ou seja, analisar que tipo de produtos a empresa e a concorrência possuem. Para isso, a Kimberly colocou os próprios alunos do instituto, divididos em turmas de 15, para fazer o trabalho nas ruas. A primeira delas, formada no primeiro semestre do ano passado, pesquisou o mercado de fraldas, categoria que representa 30% das vendas da companhia no Brasil. O grupo fez mais de 1 000 entrevistas por telefone, visitou dezenas de famílias em suas casas e passou horas observando clientes nos supermercados. Um ponto fundamental foi conversar com quem não comprava fraldas descartáveis, quase 40% da amostra. "Queríamos descobrir como criar produtos para atender justamente essas pessoas", diz Eduardo Aron, diretor da categoria de produtos pessoais da empresa.

Depois das entrevistas, o grupo preparou uma reunião em que as informações foram divididas em cada etapa do processo de compra e uso dos produtos. Assim, a turma conseguiu entender de maneira esquematizada o que mais incomodava os consumidores. No caso das fraldas, a maior dificuldade das mães era escolher um modelo entre as dezenas de marcas e tamanhos diferentes. Outro problema identificado é que as tradicionais fitas adesivas não funcionavam direito quando eram fechadas e abertas mais de uma vez. As discussões duraram um dia inteiro. Cada um pôde apresentar uma ideia, que foi escrita num post-it e colada num quadro. Das 130 propostas apresentadas, o grupo elegeu apenas seis que cumpriam o critério de inovar e reduzir custos. Uma semana mais tarde, as seis finalistas foram apresentadas aos funcionários numa espécie de versão corporativa das feiras de ciências escolares. O encontro foi realizado no auditório da sede da empresa, em São Paulo, com a presença de 80 funcionários da presidência ao chão de fábrica. Todos os votos tiveram o mesmo peso. "A importância do voto de um operário ou de um executivo deve valer o mesmo neste momento", diz Kim. "E as ideias têm de ser simples, de modo que qualquer um possa entendê-las rapidamente."

Além da Fralda Mágica, a adoção da estratégia do oceano azul resultou em outro lançamento, o do papel higiênico Scott Compacto, que acaba de chegar ao mercado. A diferença em relação aos modelos convencionais é que os rolos são "amassados", mas voltam ao formato normal assim que apertados pelos clientes. A mudança atende a uma exigência dos consumidores apontada na pesquisa de campo -- eles querem embalagens menos espalhafatosas para carregar nos supermercados e mais compactas para guardar em casa. A inovação diminuiu em 31% o uso de plástico nas embalagens e em 25% os custos com transporte. Nos próximos meses, a Kimberly pretende lançar outros dez produtos que seguiram o mesmo método de desenvolvimento. "Com o instituto, mudamos nosso foco de inovação", afirma Damato. "Daqui para a frente, não queremos mais lançar apenas novos produtos, e sim criar novos mercados."


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