Startup do "teste de sangue portátil" terá de devolver US$ 700 mi
A startup já foi a menina dos olhos do Vale do Silício. Mas, nesta semana, a entidade reguladora americana condenou o negócio por “falsos testemunhos”
Mariana Fonseca
Publicado em 15 de março de 2018 às 17h21.
Última atualização em 16 de março de 2018 às 08h52.
São Paulo – Elizabeth Holmes parecia estar no topo do mundo há poucos anos. A empreendedora que abandonou o curso de engenharia química na Universidade de Stanford aos 19 anos de idade para fundar uma startup já foi considerada a mulher mais rica dos Estados Unidos por meio de fortuna própria. Porém, suas promessas logo desmancharam no ar – e, nesta semana, o empreendimento de Holmes, Theranos, recebeu o maior golpe de sua história.
A Securities and Exchange Comission (SEC), entidade que regula os mercados de capitais nos Estados Unidos, condenou a empresa de testes de sangue, a CEO Elizabeth Holmes e o ex-presidente Ramesh Balwani por uma “fraude massiva”.
A principal acusação é a de que os empresários teriam levantado mais de 700 milhões de dólares (na cotação atual, aproximadamente 2,3 bilhões de reais) de investidores por meio de uma “elaborada fraude que durou anos, na qual eles exageraram ou deram testemunhos falsos sobre a tecnologia da companhia, sobre o negócio e sobre a performance financeira”. Tais testemunhos teriam se estendido para demonstrações de produtos e declarações à imprensa.
As falas da Theranos teriam levado investidores a acreditarem que o principal produto da startup – um teste de sangue portátil – poderia conduzir exames complexos com apenas algumas gotas, revolucionando a indústria de testes sanguíneos.
Mas, de acordo com o relatório da SEC, o equipamento só poderia completar um número pequeno de exames. A maioria dos testes dos pacientes teriam sido executados em equipamentos tradicionais, manufaturados por outras empresas e levemente modificados pela Theranos.
Por fim, o negócio também prometeu gerar uma receita de 100 milhões de dólares em 2014 – e gerou apenas 100 mil dólares. O período analisado pelo órgão regular foi o de 2013 a 2015.
Segundo a SEC, a Theranos (e Holmes) concordaram em resolver suas acusações, enquanto o julgamento de Balwani ainda não se formalizou.
Holmes pagará uma multa de 500 mil dólares e retornará as 18,9 milhões de ações que obteve durante a fraude, abrindo mão do poder de votos decisivos permitido por suas ações. Ela também será impedida de se tornar executiva ou diretora de uma companhia pública por dez anos. Todo o dinheiro arrecadado pela Theranos irá para quem aportou na empresa - o negócio só lucrará após todos os investimentos terem sido devolvidos. Os acordos com a startup e sua fundadora ainda estão sujeitos à aprovação.
“A história da Theranos é uma lição importante para o Vale do Silício”, afirmou Jina Choi, diretora do escritório regional da SEC em São Francisco. “Inovadores que procuram revolucionar e levar disrupção a uma indústria precisam falar a verdade aos seus investidores sobre o que sua tecnologia pode fazer hoje, e não dizer o que esperam que ela faça algum dia.”
Histórico: voo e queda da Theranos
Elizabeth Holmes lançou a Theranos ao mercado em 2014. Sua promessa era revolucionar o negócio de diagnósticos médicos. Em vez de exames de sangue demorados e realizados em equipamentos complexos e caríssimos, Holmes apresentou um sistema que dependia de apenas algumas gotas de sangue tiradas da ponta do dedo, com resultados quase instantâneos.
Larry Ellison, o fundador da gigante do software corporativo Oracle, foi um dos investidores da empresa. O negócio captou 740 milhões de dólares em investimentos.
Com 50% das ações da companhia, Holmes chegou a ter sua fortuna avaliada em 4,5 bilhões de dólares pelo aclamado veículo Forbes. Ela apareceu em capas de revistas de negócios e logo foi comparada a inovadores como Steve Jobs (que também gostava de vestir preto e golas rolê) e Mark Zuckerberg (que abandonou Harvard para se dedicar ao Facebook).
O problema é que a Theranos não conseguiu transformar a promessa em negócio. Um ex-funcionário acusou a empresa, em uma matéria do Wall Street Journal, de divulgar testes imprecisos e usar equipamentos tradicionais para realizar a maioria dos exames sanguíneos (alegação agora também feita pela SEC).
Estudos mostraram que a inovação de Holmes indicava níveis mais baixos de colesterol do que os valores apontados por exames realizados em clínicas tradicionais. A empresa exagerou ao dizer que precisaria de apenas poucas gotas de sangue. A verdade é que são necessários três frascos pequenos, ao invés dos tradicionais seis frascos grandes.
As dúvidas quanto à viabilidade da Theranos levaram a Forbes e reavaliar sua análise e, em 2016, reduzir a fortuna de Holmes para, simplesmente, zero. Desde abril de 2017 a companhia já estava sendo vigiada pela SEC, que só agora emitiu seu julgamento definitivo.
A Theranos foi sucinta ao responder as alegações do órgão regulador. Em comunicado, seus diretores afirmaram que “a companhia está satisfeita em dar o assunto por encerrado e almeja avançar sua tecnologia."
Holmes acatou as punições da SEC e voltará à estaca zero. O sonho da empreendedora que largou Stanford aos 19 anos de idade para criar uma startup parece ter chegado ao fim.