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Temperatura máxima para educar na Floresta Amazônica

As muitas oportunidades — e os enormes desafios — para crescer na região onde a economia mais avançou em 2010

Elaine Saldanha e Eliana Pinheiro, da Literatus Educacional (Rodrigo Baleia)
DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h48.

As irmãs Eliana Pinheiro, com 45 anos, e Elaine Saldanha, com 41, vêm fazendo seus funcionários acumular um bocado de horas de voo sobre a Floresta Amazônica. Elas são donas da Literatus, de Manaus, grupo educacional que oferece cursos de nível técnico e superior em Manaus e de pós-graduação em quatro cidades do Amazonas. Nos finais de semana, seus professores saem de Manaus em pequenos aviões bimotores rumo a cidades como Coari, Parintins e Itacoatiara para dar aulas em cursos de especialização na área de saúde. "O avião é a alternativa para chegar nesses lugares”, diz Eliane. “Por isso concentramos as aulas nos fins de semana para reduzir o custo com transporte.” Em 2010, as aulas fora de Manaus representaram 5% das receitas, que ficaram em torno de 31 milhões de reais — 40% mais que em 2009.

A expansão para o interior do Amazonas é recente na Literatus, que surgiu há 19 anos a partir de uma creche. Hoje, a escola tem 8.400 alunos, matriculados em 45 diferentes cursos. Os negócios das irmãs crescem rápido numa região sedenta por qualificação profissional — segundo o IBGE, a população de 18 a 24 anos do Norte que frequenta o ensino superior passou de 3,5%, em 1998, para 10%, em 2010. Para aproveitar as oportunidades de crescimento na Amazônia, em 2011 Eliana e Elaine devem abrir 27 cursos de pós-graduação no interior. “Até 2014, metade de nossas receitas deve vir de cursos fora de Manaus”, diz Elaine.

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Histórias como a da Literatus são uma amostra do tipo de transformação que vem ocorrendo na economia do Norte brasileiro. Não faz muito tempo, as poucas notícias de negócios que vinham da região quase sempre eram relacionadas à produção de eletroeletrônicos na zona franca de Manaus e a discussões em torno dos impactos ambientais de atividades como a extração de madeira e o uso do solo outrora ocupado pela floresta para o cultivo de grãos. Agora, pelo menos 20 grandes projetos de infraestrutura em andamento estão injetando mais de 46 bilhões de reais nos estados do Norte — as usinas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, e um corredor hidroviário que vai ligar o Acre ao litoral do Peru são algumas dessas obras.

Com cerca de 75 000 habitantes, Coari é um exemplo dos resultados desse tipo de investimento nos negócios de uma pequena ou média empresa. Nos últimos anos, a construção de um gasoduto da Petrobras aqueceu a economia local. As obras trouxeram mais gente para a cidade, além de investimentos em novos hospitais e postos de saúde. Foi o que atraiu a atenção das sócias da Literatus para abrir cursos ali. “A procura por mão de obra qualificada na área da saúde explodiu”, diz Eliana.


O que está ocorrendo num pedaço do Brasil que, para a maioria dos brasileiros, ainda está mais relacionado a imagens como castanha-do-pará, pororoca, boto e seringueiras do que à prosperidade de seus habitantes, pode ser classificado como um novo ciclo de desenvolvimento. Em alguns lugares do Norte as transformações são inquestionáveis. É o caso do sudeste do Pará, que na década de 90 havia sido palco de conflitos entre fazendeiros e trabalhadores sem terra — realidade que se seguiu ao declínio da mina de Serra Pelada, que nos anos 80 atraíra milhares de garimpeiros que sonhavam em ficar ricos da noite para o dia. Hoje, naquele pedaço do estado há municípios, como Paraupebas, que estão mudando completamente. Onde antes havia criação de gado até há pouco tempo hoje surgem condomínios residenciais e concessionárias de automóveis. Em breve, deverá ser erguido ali um shopping center, com inauguração prevista para março, onde deverão ser instaladas as primeiras salas de cinemas dos arredores.

De acordo com uma projeção da consultoria Tendências, em 2010 o PIB da região aumentou cerca de 12% em relação a 2009 — bem acima da média nacional, de 7%. O mesmo levantamento mostra que até 2015 o PIB do Norte deverá continuar crescendo, em média, quase 6% ao ano. Com essa expansão, o mercado consumidor da região ganhou força. Desde 2005, 20% da população local que estava classificada na classe D ascendeu para a C, segundo a Tendências. No mesmo período, o consumo no Norte passou de 4 900 para 9 200 reais anuais por habitante. Entre 2005 e 2010, as vendas de eletrodomésticos no varejo da região dobraram, chegando a 2,6 bilhões de reais, segundo a Fundação Getulio Vargas e o IBGE.

São números como esses que estão impulsionando o crescimento de pequenas e médias empresas como a Sol Informática, rede de eletrodomésticos e equipamentos de informática de Belém. Em 2010, a Sol faturou aproximadamente 120 milhões de reais, 30% mais que no ano anterior. Seus donos, os empreendedores Celso Eluan e Luiz Roberto Ferreira, ambos de 52 anos, começaram o negócio em 1994.

No início, a Sol Informática vendia apenas produtos de informática, como computadores e impressoras. Em 2004, passaram a oferecer também eletrodomésticos, como fogões, geladeiras e televisores. “Havia poucos concorrentes nesse mercado, e nos demos conta de que muitos clientes que estavam com mais dinheiro no bolso também queriam eletrodomésticos novos”, diz Eluan. “Em cinco anos, quase triplicamos a diversidade de nosso catálogo.” Hoje, os sócios têm quatro lojas em Belém, três delas em shoppings.

A Sol Informática também está sendo ajudada pelo maior acesso à eletricidade. Segundo o Ministério de Minas e Energia, desde 2006 mais de 2 milhões de moradores da região passaram a ter luz elétrica em casa. Para Ferreira e Eluan, isso significa a possibilidade de vender mais televisores, fornos de microondas e máquinas de lavar roupa. “Achamos que há ainda muito espaço para a nossa empresa crescer na região”, diz Eluan. Em 2011, os sócios pretendem abrir mais três lojas da Sol Informática no Pará.


Para pequenos e médios empresários dispostos a aproveitar o crescimento no Norte, um dos maiores desafios continua sendo transportar até lá os produtos de que a região precisa. O caminho inverso — escoar produtos como polpas congeladas de frutas típicas para o restante do país — também é complicado. Não existem rodovias que liguem grandes centros, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, a Manaus, a maior capital da Região Norte e sede da zona franca. Nesse aspecto, a situação não evoluiu muito nas últimas décadas. Dificuldade de acesso era uma regra também na década de 70, quando o gaúcho Irani Bertolini começou a ganhar a vida transportando cargas do Sul e do Sudeste para a Região Norte, no começo do que seria a Transportes Bertolini, hoje uma empresa que usa caminhões e balsas levando carregamentos de soja e componentes eletroeletrônicos entre Belém e Manaus.

As mercadorias passam por rodovias até Belém, no Pará, numa viagem que pode durar aproximadamente uma semana. De lá, são embarcadas em balsas para Manaus e para outras cidades, o que leva no mínimo outros cinco dias — na temporada de seca, a viagem pode durar até três semanas, porque com o nível das águas mais baixo as balsas costumam encalhar. “Essa logística complicada é cara e prejudica a rentabilidade das empresas do Norte”, diz Paulo Resende, especialista em infraestrutura da Fundação Dom Cabral. “É preciso fazer estoques que durem pelo menos um mês, o que pesa nos custos.” Os donos da Sol Informática, por exemplo, precisam estocar o equivalente a 45 dias de vendas — o dobro da média nacional do varejo do setor. “Tentamos compensar o custo da estocagem negociando descontos pelo maior volume”, diz Ferreira.

O empreendedor Antônio Carlos Nasraui, de 44 anos, dono da rede de lanches paulista Rei do Mate, encontrou uma forma de lidar com as dificuldades operacionais para se estabelecer no Norte. Para abrir quatro lojas em Manaus e duas em Belém, ele fechou contrato com um operador logístico que transporta os ingredientes de seus lanches de São Paulo para o Norte — embarcados com mercadorias de outros clientes, os produtos chegam à região sem pesar demais no custo da empresa.

O investimento nas principais capitais do Norte é estratégico para os planos de expansão de Nasraui. Segundo a Associação Brasileira de Franchising, as vendas de redes de fast food na região aumentaram 80% desde 2008 e devem dobrar até 2012. “Apesar do desenvolvimento do Norte do país, ainda há poucas redes disputando esse mercado”, diz Nasraui. “Chegar antes da concorrência é importante para fortalecer a nossa marca.” Localizadas em shoppings e aeroportos, as lojas do Rei do Mate em Belém e Manaus já representam 4% do faturamento, que chegou a 130 milhões de reais em 2010. “Até 2015 vamos dobrar o número de lojas na região”, diz Nasraui. “Quero vender muito chá gelado e pão de queijo para os nortistas.”

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