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De luxo a obrigação: startups apostam no rentável treinamento corporativo

Negócios inovadores que atendiam apenas consumidores finais expandem para corporações, diante da obrigação de treinar funcionários

Beetools: startup de educação, voltada ao ensino de idiomas, lança campanha que paga "salário" a artistas (Beetools/Divulgação)

Mariana Fonseca

Publicado em 14 de junho de 2019 às 06h00.

Última atualização em 14 de junho de 2019 às 06h00.

O Brasil já vê mais de 300 startups atuando para suprir as deficiências na educação -- mas, para algumas delas, a maior oportunidade está em atender as empresas que sentem no bolso a falta de capacitação.As edtechs (como são conhecidas as startups do setor) Beetools, Descola e Witseed atuam em frentes distintas, mas praticaram um movimento em comum: uma frente de atendimento corporativo, um modelo conhecido como B2B.

Quando as contas apertam, muitos usuários podem desistir de comprar um curso ou assinar uma plataforma de educação à distância. Já as grandes empresas possuem um orçamento alocado para treinamentos corporativos e sentem a queda em produtividade quando funcionários não possuem os conhecimentos necessários para suas funções.

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As corporações investem em média 0,63% do seu faturamento em treinamento e desenvolvimento e sempre buscam modalidades mais baratas e flexíveis de ensino.De acordo com o Censo da Educação Superior de 2016 (Inep), enquanto o ensino presencial teve queda anual de 0,08% nas matrículas, o ensino a distância (EAD) teve expansão de 7,2%.

As edtechs aproveitam esse mercado garantido não apenas para reduzir o custo de aquisição de usuários, ao conseguirem diversos alunos por meio de um único contrato, mas também as taxas de desistência comuns aos consumidores finais. No final das contas, isso representa mais oportunidade de lucro.

Aulas de inglês

O grande impulso do professor Fábio Ivatiuk para abrir sua própria rede de escola de idiomas foi ver o desânimo em seus estudantes – e prever que sua unidade franqueada não iria para a frente desse jeito. Em sociedade com a startup Beenoculus, inaugurou em junho do ano passado a escola de inglês Beetools.

O negócio nasceu para atender alunos regulares, mas a Beetools testa no espaço de coworking Cubo Itaú (São Paulo) um piloto de atendimento para empresas. “As escolas têm um curso, mesmo que ruim. Já as empresas têm um problema de funcionários que não falam inglês e todas as soluções são caras ou ineficientes”, afirma Ivatiuk.

Fábio Ivatiuk, da Beetools (Beetools/Divulgação)

Os funcionários não possuem os mesmos horários nem o mesmo nível de inglês, o que dificulta o treinamento nos moldes tradicionais. Na sala de aula da Beetools, o aluno veste óculos de realidade e pode fingir que está, por exemplo, pegando um táxi ou fazendo um pedido de restaurante em Nova York (Estados Unidos). Cada aluno vê aulas do seu nível e só conversa com o educador humano no final dos 60 minutos de classe para conversar sobre acertos e erros. Os estudantes levam lições para casa e também as resolvem em aula, por meio de aplicativos e tablets.

Diferentemente de escolas tradicionais, não há taxa de matrícula, custo com materiais didáticos e contratos de fidelidade. Os alunos compram crédito e logo serão apresentados a um modelo de assinatura mensal, no estilo da plataforma de streaming Netflix, a partir de 199 reais. No modelo corporativo, a ideia é reduzir a mensalidade de acordo com volume de alunos de cada corporação.

Três contratos já foram fechados e a projeção é chegar a 25 deles neste ano. A startup já atendeu três mil alunos e espera chegar a oito mil até o fim de 2019. Metade deles virá do modelo B2B.

Habilidades do futuro

O comunicador André Tanesi, o administrador Daniel Pasqualucci e o marqueteiro Gustavo Paiva tinham uma agência de marketing e perceberam a demanda das empresas por ensinar habilidades do futuro a seus funcionários, como ciência de dados. Os diretores poderiam fazer viagens ao Vale do Silício (Estados Unidos), mas não havia orçamento para gerentes fazerem o mesmo.

Em 2013, cofundaram a plataforma de cursos Descola, que dá hoje 65 cursos em temas como design thinking, oratória e storytelling. O capital do negócio veio dos programas de aceleração Seed (Minas Gerais) e Startup Chile.O negócio nasceu voltado ao consumidor final. Porém, aposta em uma frente corporativa desde 2017.

Daniel Pasqualucci, Gustavo Paiva e André Tanesi, da Descola (Descola/Divulgação)

O investimento se intensificou no ano passado, acompanhando a demanda.“Vimos um crescimento constante em consumidores finais, mas no atendimento a empresas a expansão dá saltos. O treinamento é obrigatório no B2B, diferentemente do B2C”, afirma Tanesi. A taxa de conclusão de cursos dos funcionários é de mais de 80%, contra os mais de 60% dos usuários finais.

No modelo B2C, um curso custaria em média 149 reais. A negociação de lotes de funcionários com empresas pode fazer esse valor diminuir de 30 a 50%. A Descola cria trilhas de cursos personalizadas e a empresa pode comprar créditos para distribuir aos funcionários como bem entender. O próximo passo será um modelo de assinatura.

A Descola atende 67 mil usuários, dos quais 30% pertencem às mais de 100 empresas que contrataram a Descola. Alguns clientes corporativos da Descola são Boticário, Bradesco, Natura e Nextel.Até o final deste ano, a startup projeta que o B2B representa 45% dos usuários. O faturamento deve crescer de 1,3 milhão para 2 milhões de 2018 para 2019.

Processos, recursos humanos e vendas

O empreendedor Bruno Leonardo, que trabalhou como coordenador e professor na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), foi sócio durante 10 anos da empresa de universidades corporativas Instituto de Engenharia e Gestão. Antes mesmo de criar sua própria startup, entendia o potencial do mercado de educação B2B.Após atender mais de 10 mil alunos fisicamente, Leonardo vendeu sua participação no final do ano passado e aproveitou seu conhecimento de grandes empresas para uma nova ideia de negócio: treinamentos virtuais.

“Percebi que o pessoal de recursos humanos tinha dificuldade em gerar treinamentos que fossem personalizados e, ao mesmo tempo escaláveis. A tecnologia poderia resolver isso”, afirma Leonardo.

O empreendedor e o engenheiro Miguel Fernandes fundaram a startup Witseed em julho de 2017. O negócio começou aproveitando os clientes conquistados no IEG e dispensou capital externo.

Equipe da Witseed (Witseed/Divulgação)

A Witseed tem academias virtuais temáticas nas áreas de Centro de Serviços Compartilhados, Recursos Humanos e Vendas.A startup produz vídeos atraentes, que duram de cinco a sete minutos e são curados por um conselho de educação. Participam do conselho, inclusive, os executivos das 27 empresas de grande porte atualmente atendidas pela Witseed.“Eles ajudam a definir as prioridades de treinamento corporativo. Algo 100% personalizado não seria escalável, então partimos de conteúdos transversais”, explica Leonardo.

Alguns temas trabalhados são comunicação, criatividade, inteligência artificial, metodologia ágil, processos e transformação digital. A empresa contratante compra as trilhas de conhecimento do seu interesse -- recursos humanos, centro de serviços compartilhados (como suprimentos e custos) ou vendas. A assinatura anual vai de 59 mil a 79 mil reais.

Leonardo defende que os vídeos possuem um engajamento de 58%, contra uma média de 15% em cursos tradicionais de educação à distância, devido a um sistema de recomendações de próximos vídeos que usa a inteligência artificial Watson, da gigante IBM.Com tais resultados, cada um milhão de reais que uma cliente investe na Witseed corresponderiam a 10,6 milhões de reais gastos nos treinamentos físicos tradicionais.

Alguns dos clientes atendidos pela startup são Fiat, Gerdau e Natura. A Fiat disponibilizou a plataforma para 1,2 mil funcionários de centros de serviços economizados e economizou 2,7 milhões de reais em treinamentos, por exemplo.A Witseed ensinou 6,4 mil funcionários no último ano e faturou 1,3 milhão de reais. Em 2019, a startup projeta atender 60 empresas e atingir um faturamento de 3,6 milhões de reais.

As centenas de edtechs começam a disputar espaço entre si -- e, quanto mais especializadas e estratégicas forem, mais chances possuem de sobreviver a uma inevitável consolidação do mercado. Para algumas delas, esse caminho está no B2B.

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