Startup fatura R$ 8 mi com um setor que os supermercados desprezam
A One Market trouxe a alimentação com restrições para os clubes de assinatura - e, agora, quer inaugurar um tipo de e-commerce pouco visto no Brasil
Mariana Fonseca
Publicado em 21 de maio de 2018 às 06h00.
Última atualização em 21 de maio de 2018 às 06h00.
São Paulo - A maioria das pessoas não percebe, mas há uma categoria de produtos que ocupa os supermercados de maneira muito tímida: a de produtos para quem tem restrições alimentícias . Eles vão desde comes e bebes para intolerantes ao glúten e à lactose até para diabéticos e veganos.
Vendo a procura de diversas pessoas por um negócio que oferecesse acesso, custo e variedade dos alimentos com restrições, os sócios Henrique Zanuzzo, Lucas Marin e Luís Fontes criaram a One Market. O empreendimento começou com a ideia de um e-commerce, mas se consolidou com clubes de assinatura. A startup já angariou 7.000 assinantes, além de um faturamento de 8 milhões de reais em 2017.
Agora, o negócio resolveu voltar às origens e criou há dois meses um "clube de compras" - pense em um Sam's Club digital e para alimentação com restrições. De lá para cá, adquiriu 650 usuários desvinculados de seus clubes de assinatura. A One Market pretende faturar de 12 a 13 milhões de reais em 2017.
Percepção de oportunidade: clube de assinatura
Formado em Economia, Henrique Zanuzzo estagiou em um fundo de investimento conhecido por aportar em startups: o Monashees. Depois de conhecer o mercado de inovação por dentro, o estudante passou a pesquisar mais sobre venture capital e startups ao fim de seu estágio.
Zanuzzo chamou o amigoLucas Marin, que havia feito uma pós-graduação em negócios na Universidade de Berkeley (Califórnia) e passado uma temporada no Vale do Silício, para abrirem um empreendimento juntos. Juntou-se ao negócio o último sócio, Luís Fontes, para compor o quadro de empreendedores.
Buscando oportunidades, Marin viu que uma amiga de família sofria com intolerância ao glúten. Ela era celíaca há mais de uma década e, com dificuldades em achar alimentos substitutos, tornou-se uma chef de receitas sem glúten e sem lactose. Para obter seus pães especiais, clientes viajavam até Sorocaba (interior de São Paulo), contou Marin aos sócios.
Em 2014, Zanuzzo usou o que aprendeu na Monashees para fazer uma análise do mercado de alimentação para celíacos. “Cerca de 1% da população brasileira é celíaca. Além disso, 7% é intolerante - ou seja, em algum momento terá uma reação similar à de um celíaco”, afirma. “Vimos que havia uma demanda latente por acesso aos produtos, com grupos no Facebook de milhares de pessoas discutindo onde achar o melhor local de compras.”
A maioria das empresas que fabricam alimentos com restrições são pequenas e médias. Além do custo para estar nas prateleiras dos supermercados, há também gastos altos com publicidade para fazer tais produtos girarem. Para sustentar tal operação, sobrevivem apenas os alimentos com restrições com preços altos.
“Esse canal de distribuição é quase um monopólio, em que os supermercados ganham dinheiro loteando espaços. Os negócios pequenos, de alimentação de nicho, não possuem uma rentabilidade por metro quadrado suficiente para bater produtos populares se não praticam margens grandes. Eles acabam ficando nas pontas das gôndolas, até saírem.”
Para resolver problema de acesso, custo e variedade, os três sócios pensaram em abrir um e-commerce. Seria criar a prateleira que o supermercado não tem, com um portfólio diverso e um preço mais acessível, trabalhando para o Brasil inteiro.
Porém, não é tão barato quanto parece abrir uma loja virtual. Além do investimento em tecnologia, é preciso ter estoque de todos os produtos ofertados e rezar para que o volume de pedidos compense o custo logístico. Uma estimativa errada pode acabar com as margens de lucro.
Como alternativa, os empreendedores apostaram em um modelo que fazia muito sucesso nos Estados Unidos: o clube de assinatura. É um modelo de negócio que não precisa de um site tão complexo e possui uma venda casada com a assinatura, acabando com o erro de estocagem e garantindo recorrência de consumo.
A One Market, nome que se daria ao negócio, lançou em outubro de 2014 o clube de assinatura GlutenFree Box - a “cesta básica” dos celíacos.
Por um preço definido (e produtos adquiridos em valor de atacado pela startup), o consumidor recebe em todo o país um portfólio de produtos maior do que os vistos nos supermercados tradicionais e por um preço mais acessível.
Segundo Zanuzzo, o contato com os grupos de celíacos no Facebook foi fundamental para escalar a empresa. Além de atender intolerantes ao glúten, o negócio também surfou na onda de pessoas que queriam uma alimentação sem glúten mesmo sem serem celíacas.
No primeiro mês, o GlutenFree Box recebeu 200 assinaturas. Os sócios recuperaram os 30 mil reais investidos no negócio com 60 dias de operação. Hoje, o clube tem uma mensalidade de 72,90 reais.
Na época, a One Market tinha apenas os três sócios e um estagiário. Em março de 2015, o negócio foi atrás de investimentos que pudessem sustentar o aumento dos pedidos. Em julho, recebeu um aporte semente de 1 milhão de reais e fechou o ano com 2.000 assinantes. Poucos meses depois, fechou seu segundo aporte de investimento, no valor de 2,1 milhões de reais.
A preocupação com alimentos celíacos se expandiu para produtos sem açúcar, sem lactose e para veganos no primeiro semestre de 2017. A One Market criou clubes específicos para tais necessidades: SugarFree Box, LacFree Box, Vegana Box e Orgânica Box.
Ao todo, a startup possui 7.000 assinantes. Ainda que a maioria dos assinantes venha com o GlutenFree Box, o segmento que mais cresce é o de alimentação vegana. Em 2017, a One Market faturou 8 milhões de reais.
Voltando às raízes: e-commerce, ou clube de compras
Um grande contra dos clubes de assinatura em comparação ao e-commerce é a falta de escolha dos assinantes. Os sócios nunca se esqueceram do que queriam fazer quando abriram a One Market. Agora, tinham o capital necessário.
Como piloto, a One Market disponibilizou no final de 2017 aos assinantes dos clubes um pequeno e-commerce de alimentos para quem tem restrições, no qual os clientes poderiam incluir mais produtos na sua caixa com preços de atacado.
Com a boa resposta, os empreendedores decidiram transformar o produto fechado em um e-commerce aberto, praticando um conceito pouco conhecido no Brasil: o de clube de compras.
Uma referência do tipo para o mercado de alimentação é o americano ThriveMarket, que acumulou centenas de milhões de dólares em vendas e recebeu um total de investimentos de 162 milhões de dólares (na cotação atual, cerca de 606 milhões de reais). Por uma mensalidade anual de 60 dólares por ano (224 reais), os assinantes podem pedir alimentos com restrições por um valor 25 a 50% mais barato do que o visto em estabelecimentos tradicionais.
A OneMarket funciona de forma similar desde março de 2018, quando inaugurou uma versão beta de seu clube de compras. Após um período de 30 dias gratuitos, o usuário paga 59,40 reais por semestre. Com essa taxa, pode pedir cerca de 800 produtos com um desconto de 20 a 30% em relação a supermercados comuns. Algumas marcas trabalhadas são Bio2, Mãe Terra e Pic-Me.
O negócio atualmente subsidia a redução dos preços com a taxa semestral. Com o maior volume de assinantes, a startup espera conseguir de fato negociar preços de atacado e baixar o valor cobrado de seus usuários.
Os 7.000 assinantes da One Market foram integrados ao clube de compras e não pagam a taxa semestral. Outros 500 usuários trocaram o clube de assinatura pelo clube de compras, enquanto 150 usuários foram direto ao clube de compras nos meses de março, abril e maio.
Para 2018, a One Market espera faturar entre 12 e 13 milhões de reais. Se essa aposta funcionar no Brasil, os supermercados podem voltar a reparar em um setor desprezado nas suas gôndolas.