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Que tal fazer o bem e ainda ter lucro? Veja bons exemplos

The Solution Revolution conta como empreendedores, investidores, empresas e governos estão ajudando a resolver grandes problemas do planeta

A americana Leila Janah, da Samasource: emprego para moradores de países africanos (Divulgação/Samasource Press Albums)
DR

Da Redação

Publicado em 8 de maio de 2014 às 13h11.

São Paulo - Prefeituras do mundo todo gastam tempo e dinheiro tentando convencer as pessoas da importância de separar o lixo comum do reciclável — e nem sempre obtêm bons resultados. A empresa americana Recyclebank parece ter encontrado uma maneira de fazer as pessoas se engajarem nessa causa. A inspiração veio das recompensas oferecidas por empresas em programas de fidelidade.

Em parceria com prefeituras de cidades dos Estados Unidos e de países do Reino Unido, a empresa distribui lixeiras equipadas com sensores para os moradores que se cadastram no site.

A cada resíduo reciclável descartado corretamente, o morador acumula pontos, como num sistema de milhagens, e pode trocá-los por descontos em empresas parceiras da Recyclebank, como a rede de lojas de departamentos Macy’s. As receitas da empresa vêm de um percentual sobre o que a prefeitura economizou em custos com aterros sanitários.

Em outra empresa americana, a fabricante de calçados Toms Shoes, a cada alpargata vendida outra é doada a uma criança pobre que anda descalça. Negócios como a Recyclebank e a Toms Shoes promovem o chamado “empreendedorismo para soluções”, que mistura conceitos como filantropia, sustentabilidade, tecnologia e inovação .

Esse cenário é descrito pelos autores William Eggers e Paul Macmillan, ambos executivos da consultoria global Deloitte, em The Solution Revolution, livro editado pela Harvard Business Review Press.

"Nas décadas de 70 e 80, os governos eram responsáveis pelo interesse público", escrevem os autores. "O setor privado devia seguir a máxima liberal do economista Milton Friedman segundo a qual a responsabilidade social de uma empresa é gerar lucro." O empreendedorismo de soluções tende, segundo eles, a eliminar totalmente esse tipo de fronteira.

Nos últimos anos, várias empresas têm ajudado a solucionar problemas considerados tipicamente governamentais, como o tráfego urbano. É o caso da locadora de automóveis Zipcar, fundada em 2000 nos Estados Unidos.


Seus carros ficam espalhados por vários pontos da cidade e podem ser alugados para pequenos deslocamentos ou por horários fracionados. "O modelo facilita a viabilidade de uma vida livre de um automóvel", escrevem os autores.

Outro exemplo, mais recente, é o aplicativo para celular Avego — criado para pedestres que procuram caronas. Ele mostra a rota dos motoristas de carros particulares cadastrados e possibilita que o pedestre inicie uma conversa. Ao final do trajeto, o passageiro paga uma pequena taxa ao motorista por meio do próprio aplicativo.

A Avego recebe uma participação nessa transação. “Nós estamos tornando o carro particular parte da rede pública de transporte”, disse, certa vez, Sean O’Sullivan, criador do Avego.

The Solution Revolution também conta histórias de iniciativas sociais criadas por profissionais com carreiras brilhantes. A Samasource é uma delas. A organização sem fins lucrativos foi fundada pela americana Leila Janah, de 31 anos, filha de um indiano.

Aos 17 anos, Leila decidiu se mudar para Gana para ensinar inglês a crianças. Depois de retornar aos Estados Unidos, se formou em Harvard e trabalhou no Banco Mundial e em uma grande consultoria.

Em 2008, Leila criou a Samasource para realizar projetos como limpeza de bancos de dados, transcrições e moderação de conteúdo para grandes empresas, como Microsoft e Google. Um software fraciona esses projetos gigantescos em pequenas etapas de trabalho, que são repassadas a centenas de pessoas de países como Quê­nia, Uganda, Índia e Haiti.

O trabalho é pago por hora e oferecido a pessoas que antes viviam com menos de 3 dólares por dia. “A Samasource usa o conceito de microtrabalho, só possível por meio das novas tecnologias, para realizar uma função social”, dizem os autores.

Como a Samasource, muitos outros negócios têm usado participação coletiva para ganhar escala e alcançar resultados sociais relevantes. Um exemplo é o site Kiva, por meio do qual pessoas de qualquer lugar do planeta podem emprestar pequenas quantidades de dinheiro a empreendedores de baixa renda.


Outro é o sistema reCAPTCHA. Ele foi criado pelos mesmos desenvolvedores do CAPTCHA — sistema de preenchimento de palavras embaralhadas usado em sites para evitar spams — para ajudar a digitalizar livros. Esses programadores encontraram uma maneira de aproveitar o esforço que pessoas despendem preenchendo aquelas palavrinhas confusas que aparecem depois de formulários na internet para digitalizar obras inteiras.

“No fim de 2011, mais de 10% da população mundial ajudou nesse projeto massivo, simplesmente escrevendo palavras no reCAPTCHA”, escrevem os autores.

O livro também trata de negócios sociais que estão se expandindo por modelos inspirados em redes de franquias de sucesso, como o McDonald’s. Nas escolas da Bridge International Academies — a maior rede de ensino privado da África —, cada exemplo que o professor escreve na lousa e explicação que ele dá a seus alunos estão escritos de maneira detalhada num arquivo enviado para seu e-reader.

Com a definição detalhada do conteúdo, a Bridge mantém um padrão em todas as unidades e pode contratar professores que ainda não terminaram a graduação — o que reduz os custos da rede com salários. Os pais dos alunos podem pagar as mensalidades pelo celular — o que reduz a estrutura administrativa.

O rigor nos processos, inspirado no McDonald’s, permite que a Bridge cobre menos de 5 dólares de mensalidade por aluno e, ainda assim, obtenha lucro.

O modelo de microfranquia da fabricante de cosméticos Avon também inspirou uma iniciativa social — essa sem fins lucrativos. A americana LivingGoods distribui para mulheres de Uganda produtos de primeira necessidade, como remédios e mosquiteiros, que evitam o contágio da malária.

A ideia é que essas mulheres vendam esses produtos porta a porta. Os remédios contra tuberculose, por exemplo, custam 75 centavos de dólar — muitas vezes menos do que o morador gastaria para se deslocar até um posto de saúde que tivesse o remédio no estoque. “Mais barato do que de graça”, costuma dizer Chuck Slaughter, o criador da LivingGoods.

Algumas grandes empresas também têm acompanhado a tendência do empreendedorismo de soluções. A multinacional Unilever criou em 2002 um projeto em zonas rurais da Índia para ensinar às pessoas a importância de lavar as mãos para evitar casos de diarreia e outras doenças.

A empresa também formatou um modelo de venda de sabonetes muito baratos e bem pequenos — muita gente tem o dinheiro contado para comprar sabonete suficiente para durar um ou dois dias.

Até mesmo segmentos de mercado tipicamente associados a retornos financeiros agressivos, como bancos de investimento, estão se tornando parte desse cenário. Há pouco mais de um ano, o Goldman Sachs investiu 9,6 milhões de dólares num programa americano de redução de reincidência criminal entre adolescentes do sexo masculino de uma prisão de Nova York chamada Rikers Island.

O fundo financia a atuação de uma organização sem fins lucrativos no sistema penal. Se a meta desejada pela prefeitura da cidade não for alcançada, o banco perde dinheiro. Se a meta prevista for ultrapassada, o banco obtém lucro, pago pela prefeitura. Quanto menos adolescentes voltarem a cometer crimes, portanto, melhor para o balanço do Goldman ­Sachs. Fazer o bem dá lucro.

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São Paulo - Prefeituras do mundo todo gastam tempo e dinheiro tentando convencer as pessoas da importância de separar o lixo comum do reciclável — e nem sempre obtêm bons resultados. A empresa americana Recyclebank parece ter encontrado uma maneira de fazer as pessoas se engajarem nessa causa. A inspiração veio das recompensas oferecidas por empresas em programas de fidelidade.

Em parceria com prefeituras de cidades dos Estados Unidos e de países do Reino Unido, a empresa distribui lixeiras equipadas com sensores para os moradores que se cadastram no site.

A cada resíduo reciclável descartado corretamente, o morador acumula pontos, como num sistema de milhagens, e pode trocá-los por descontos em empresas parceiras da Recyclebank, como a rede de lojas de departamentos Macy’s. As receitas da empresa vêm de um percentual sobre o que a prefeitura economizou em custos com aterros sanitários.

Em outra empresa americana, a fabricante de calçados Toms Shoes, a cada alpargata vendida outra é doada a uma criança pobre que anda descalça. Negócios como a Recyclebank e a Toms Shoes promovem o chamado “empreendedorismo para soluções”, que mistura conceitos como filantropia, sustentabilidade, tecnologia e inovação .

Esse cenário é descrito pelos autores William Eggers e Paul Macmillan, ambos executivos da consultoria global Deloitte, em The Solution Revolution, livro editado pela Harvard Business Review Press.

"Nas décadas de 70 e 80, os governos eram responsáveis pelo interesse público", escrevem os autores. "O setor privado devia seguir a máxima liberal do economista Milton Friedman segundo a qual a responsabilidade social de uma empresa é gerar lucro." O empreendedorismo de soluções tende, segundo eles, a eliminar totalmente esse tipo de fronteira.

Nos últimos anos, várias empresas têm ajudado a solucionar problemas considerados tipicamente governamentais, como o tráfego urbano. É o caso da locadora de automóveis Zipcar, fundada em 2000 nos Estados Unidos.


Seus carros ficam espalhados por vários pontos da cidade e podem ser alugados para pequenos deslocamentos ou por horários fracionados. "O modelo facilita a viabilidade de uma vida livre de um automóvel", escrevem os autores.

Outro exemplo, mais recente, é o aplicativo para celular Avego — criado para pedestres que procuram caronas. Ele mostra a rota dos motoristas de carros particulares cadastrados e possibilita que o pedestre inicie uma conversa. Ao final do trajeto, o passageiro paga uma pequena taxa ao motorista por meio do próprio aplicativo.

A Avego recebe uma participação nessa transação. “Nós estamos tornando o carro particular parte da rede pública de transporte”, disse, certa vez, Sean O’Sullivan, criador do Avego.

The Solution Revolution também conta histórias de iniciativas sociais criadas por profissionais com carreiras brilhantes. A Samasource é uma delas. A organização sem fins lucrativos foi fundada pela americana Leila Janah, de 31 anos, filha de um indiano.

Aos 17 anos, Leila decidiu se mudar para Gana para ensinar inglês a crianças. Depois de retornar aos Estados Unidos, se formou em Harvard e trabalhou no Banco Mundial e em uma grande consultoria.

Em 2008, Leila criou a Samasource para realizar projetos como limpeza de bancos de dados, transcrições e moderação de conteúdo para grandes empresas, como Microsoft e Google. Um software fraciona esses projetos gigantescos em pequenas etapas de trabalho, que são repassadas a centenas de pessoas de países como Quê­nia, Uganda, Índia e Haiti.

O trabalho é pago por hora e oferecido a pessoas que antes viviam com menos de 3 dólares por dia. “A Samasource usa o conceito de microtrabalho, só possível por meio das novas tecnologias, para realizar uma função social”, dizem os autores.

Como a Samasource, muitos outros negócios têm usado participação coletiva para ganhar escala e alcançar resultados sociais relevantes. Um exemplo é o site Kiva, por meio do qual pessoas de qualquer lugar do planeta podem emprestar pequenas quantidades de dinheiro a empreendedores de baixa renda.


Outro é o sistema reCAPTCHA. Ele foi criado pelos mesmos desenvolvedores do CAPTCHA — sistema de preenchimento de palavras embaralhadas usado em sites para evitar spams — para ajudar a digitalizar livros. Esses programadores encontraram uma maneira de aproveitar o esforço que pessoas despendem preenchendo aquelas palavrinhas confusas que aparecem depois de formulários na internet para digitalizar obras inteiras.

“No fim de 2011, mais de 10% da população mundial ajudou nesse projeto massivo, simplesmente escrevendo palavras no reCAPTCHA”, escrevem os autores.

O livro também trata de negócios sociais que estão se expandindo por modelos inspirados em redes de franquias de sucesso, como o McDonald’s. Nas escolas da Bridge International Academies — a maior rede de ensino privado da África —, cada exemplo que o professor escreve na lousa e explicação que ele dá a seus alunos estão escritos de maneira detalhada num arquivo enviado para seu e-reader.

Com a definição detalhada do conteúdo, a Bridge mantém um padrão em todas as unidades e pode contratar professores que ainda não terminaram a graduação — o que reduz os custos da rede com salários. Os pais dos alunos podem pagar as mensalidades pelo celular — o que reduz a estrutura administrativa.

O rigor nos processos, inspirado no McDonald’s, permite que a Bridge cobre menos de 5 dólares de mensalidade por aluno e, ainda assim, obtenha lucro.

O modelo de microfranquia da fabricante de cosméticos Avon também inspirou uma iniciativa social — essa sem fins lucrativos. A americana LivingGoods distribui para mulheres de Uganda produtos de primeira necessidade, como remédios e mosquiteiros, que evitam o contágio da malária.

A ideia é que essas mulheres vendam esses produtos porta a porta. Os remédios contra tuberculose, por exemplo, custam 75 centavos de dólar — muitas vezes menos do que o morador gastaria para se deslocar até um posto de saúde que tivesse o remédio no estoque. “Mais barato do que de graça”, costuma dizer Chuck Slaughter, o criador da LivingGoods.

Algumas grandes empresas também têm acompanhado a tendência do empreendedorismo de soluções. A multinacional Unilever criou em 2002 um projeto em zonas rurais da Índia para ensinar às pessoas a importância de lavar as mãos para evitar casos de diarreia e outras doenças.

A empresa também formatou um modelo de venda de sabonetes muito baratos e bem pequenos — muita gente tem o dinheiro contado para comprar sabonete suficiente para durar um ou dois dias.

Até mesmo segmentos de mercado tipicamente associados a retornos financeiros agressivos, como bancos de investimento, estão se tornando parte desse cenário. Há pouco mais de um ano, o Goldman Sachs investiu 9,6 milhões de dólares num programa americano de redução de reincidência criminal entre adolescentes do sexo masculino de uma prisão de Nova York chamada Rikers Island.

O fundo financia a atuação de uma organização sem fins lucrativos no sistema penal. Se a meta desejada pela prefeitura da cidade não for alcançada, o banco perde dinheiro. Se a meta prevista for ultrapassada, o banco obtém lucro, pago pela prefeitura. Quanto menos adolescentes voltarem a cometer crimes, portanto, melhor para o balanço do Goldman ­Sachs. Fazer o bem dá lucro.

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