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Setor de energia alternativa está em alta voltagem

Investimentos em empresas que geram energia a partir de fontes alternativas ao petróleo ultrapassaram 8 bilhões de dólares no Brasil em 2011 e movem os negócios no setor

Mauro Pacheco, sócio da AQX (Michel Teo Sin)

Mauro Pacheco, sócio da AQX (Michel Teo Sin)

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Da Redação

Publicado em 16 de agosto de 2012 às 17h27.

São Paulo - Não é difícil encontrar o endereço do aposentado Evaldo Rodrigues, de 61 anos  - mesmo quando falta luz no bairro onde mora, situado numa das praias de Arraial do Cabo, no Rio de Janeiro. "Só na minha casa as lâmpadas continuam acesas", diz Rodrigues.

Há alguns anos, ele e a mulher, Mirian, de 61 anos, instalaram no quintal um gerador que parece um ventilador gigante. A brisa do mar move uma hélice que, por sua vez, aciona uma turbina que produz eletricidade. "Metade de nossa energia é produzida com a força do vento", diz Rodrigues. Outra parte, usada para esquentar a água do chuveiro, advém de um aquecedor que utiliza o calor do sol. "Só 30% do consumo é eletricidade fornecida pela distribuidora", diz. 

Histórias como a dos Rodrigues devem ser cada vez mais comuns no Brasil nos próximos anos. A produção de energia por fontes alternativas - como vento, sol e  biomassa (resíduos como lixo e bagaço de cana-de-açúcar) — vem aumentando rapidamente. Em 2011, os investimentos em negócios ligados ao setor ultrapassaram 8 bilhões de dólares no país, segundo a consultoria Bloomberg New Energy Finance.

Para cada brasileiro, foram investidos 42 dólares - quatro vezes o valor de seis anos atrás. Os recursos foram para parques eólicos, usinas solares, termelétricas movidas a biomassa e fornecedores de produtos e serviços da cadeia produtiva. Até 2020, esses investimentos devem elevar a participação das fontes alternativas no total de energia produzida no Brasil de 10% para 16%, de acordo com a estimativa da Empresa de Pesquisa Energética, do Ministério de Minas e Energia.

Para os empreendedores, esses números significam um grande mercado. "A demanda por produtos e serviços para novas usinas vai aumentar, e muito", diz Mauro Passos, presidente do Instituto Ideal, organização não governamental que acompanha as tendências no setor. "As pequenas e médias empresas devem ser as principais beneficiadas."

A procura já está acontecendo. As usinas estão comprando hélices, geradores, painéis solares, caldeiras, cabos de alta tensão, medidores de consumo e serviços como treinamento de mão de obra e transporte. O gerador a vento no quintal de Rodrigues, por exemplo, foi produzido pela Enersud, fabricante de torres e turbinas localizada em Maricá, no Rio de Janeiro.


A empresa nasceu há dez anos, quando o engenheiro mecânico Luiz Cezar Pereira, de 71 anos, se aposentou da Petrobras. Pereira começou a pesquisar modelos de hélices e turbinas para iluminar sua casa no litoral fluminense com a força do vento marítimo. "Só encontrei equipamentos importados", diz ele. "Desenvolvi um modelo e o patenteei." Pereira passou, então, a vender as máquinas a moradores de áreas sem luz elétrica nos arredores de Niterói e a fazendeiros do interior de São Paulo e Minas Gerais.

Ao longo dos anos, Pereira montou equipamentos mais potentes e conquistou como clientes empresas que consomem grandes quantidades de energia em áreas remotas, como transportadoras que instalam antenas em estradas pouco movimentadas para rastrear o tráfego de suas cargas.

No início, uma pequena equipe de vendas recebia as encomendas, feitas por telefone ou pela internet. "Chegou um momento em que não dávamos mais conta de tantos pedidos", diz Pereira. Nos últimos meses, foram feitas parcerias com lojas do Sul e do Nordeste - regiões onde o vento mais forte e constante permite aos equipamentos da Enersud gerar energia o tempo inteiro.

Os novos pontos de venda devem ajudar a empresa a fechar o ano com 2  milhões de reais em receitas - um aumento de 10% em relação ao ano passado.

O cenário para pequenas e médias empresas inseridas na cadeia de produção de energia de fontes alternativas é favorável no mundo todo. Eis as principais razões:

• O aumento no consumo mundial de energia deve crescer 36% entre 2010 e 2035, segundo a Agência Internacional de Energia (AIE) - puxado, sobretudo, pela força da economia de países emergentes, como o Brasil. A maior demanda deve colaborar para a elevação do preço dos combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, que hoje fornecem 81% da energia consumida no mundo.

Segundo a AIE, novas reservas terão de ser encontradas. É provável que elas estejam escondidas em camadas terrestres menos acessíveis do que hoje - é o caso, por exemplo, do pré-sal brasileiro. O custo da extração, portanto, tende a aumentar. Para atender ao aumento do consumo nas próximas duas décadas, a AIE prevê que serão necessários 8 trilhões de dólares — quatro vezes o valor do produto interno bruto brasileiro em 2011. 


• O Protocolo de Kyoto estabeleceu metas de cortes de até 5% nas emissões de gás carbônico em vários países até 2020. Novos acordos desse tipo devem ocorrer, o que requer desestimular a queima de combustíveis fósseis, que contribuem para a maior parte da liberação de gás carbônico na atmosfera. 

• Há cada vez menos áreas que podem ser alagadas para a geração de energia. E, mesmo quando existem, a usina custa uma fortuna. Três Gargantas, na China — a maior hidrelétrica do mundo —, custou 22 bilhões de dólares e gera apenas 2% da energia consumida pelos chineses.

• Por outro lado, o custo das tecnologias para produção de energias alternativas caiu drasticamente nos últimos anos. Na Europa, o custo da eletricidade gerada por painéis solares, por exemplo, está cada vez mais competitivo em relação ao de fontes como carvão, gás natural e atômica, segundo a Epia, associação europeia do setor de energia solar. 

Os especialistas acham que a combinação desses fatores vai inverter a lógica do setor, o que favoreceria pequenas e médias empresas. Prospectar petróleo e erguer grandes hidrelétricas é só para companhias enormes, como a Petrobras, a maior empresa do Brasil em faturamento.

Grande parte do custo vem da necessidade de intervenções agressivas na natureza. O petróleo precisa ser extraído das profundezas do planeta. Três Gargantas exigiu a inundação de uma área equivalente a duas vezes o tamanho de Curitiba e desalojou 1,3 milhão de pessoas.

Mas vento e sol estão por aí, prontos para ser usados. Em seu livro Terceira Revolução Industrial, recentemente lançado no Brasil, o economista americano Jeremy Rifkin diz que a primeira revolução energética - a da máquina a vapor, inventada em 1698 - resultou, no século seguinte, em poucas e grandes empresas fornecedoras de carvão.

A segunda, iniciada em 1870, quando o petróleo e o gás derivado de petróleo começaram a ser usados como combustível, produziu magnatas que enriqueceram rapidamente. Nos dois casos, a certo ponto o setor fechou as portas para a entrada de novos empreendedores.

Rifkin acha que, desta vez, as energias alternativas formarão um mercado muito mais descentralizado e baseado no comércio entre milhões de pequenos e médios fornecedores de energia. 

Desse ponto de vista, pode-se dizer que a terceira revolução já começou no Brasil. Em abril, a Aneel, órgão do governo federal que regula o setor elétrico brasileiro, autorizou domicílios e empresas que produzem mais energia do que consomem a liberar o excedente nas redes das distribuidoras.

Em troca, recebem descontos na conta de luz nos períodos chuvosos ou sem ventos, em que a produção própria costuma ser menor do que o consumo. Os especialistas do setor acreditam que um dos resultados disso é o aumento na demanda por painéis solares — sobretudo pelos fabricados na China, onde são produzidos esses equipamentos a baixo custo. 


Uma das importadoras desses painéis é a Blue-Sol, de Ribeirão Preto, no interior paulista. "Temos recebido encomendas de todo o país", diz José Renato Colaferro, de 27 anos, sócio da empresa. Colaferro calcula que a Blue-Sol vá faturar 8 milhões de reais em 2013 - quatro vezes mais do que neste ano.

"Agora, o desafio é encontrar mão de obra para atender tantos clientes", diz ele. Para isso, a Blue-Sol criou cursos de treinamento abertos a qualquer pessoa. "Em um ano e meio já formamos mais de 700 profissionais", diz. 

Outro empurrão para as energias alternativas no Brasil veio do programa Minha Casa, Minha Vida - iniciativa governamental para facilitar a aquisição de residências populares. Uma das normas do programa, editada no ano passado, prevê que as casas direcionadas às famílias com renda inferior a 1.500 reais sejam obrigatoriamente equipadas com aquecedor solar. 

Um dos empreendedores que estão aproveitando essa oportunidade é o engenheiro Luiz Antônio dos Santos Pinto, de 53 anos, dono da Solis, com sede em Birigui, no interior de São Paulo. Ele desenvolveu um modelo de aquecedor popular e vendeu quase 300 unidades para a construtora paulista CDM, que está instalando os equipamentos num conjunto habitacional com casas de 43 metros quadrados em Bragança Paulista, no interior de São Paulo. Em 2012, a Solis prevê faturar 7 milhões de reais.

O Brasil tem uma grande vocação para gerar energia com fontes alternativas. A insolação - quantidade de radiação solar por metro quadrado — é o dobro do que na Alemanha, país que atualmente mais produz eletricidade a partir do sol. A produção de etanol também gera grande quantidade de bagaço de cana-de-açúcar. 

O bagaço de cana que sobra nas usinas alcooleiras abriu espaço para empresas de engenharia, como a Proeng, de Jaboticabal, no interior paulista, especializada em projetos de centrais elétricas em usinas de cana. Uma dificuldade dos clientes da Proeng é conseguir financiamento para levar esses projetos adiante, que incluem equipamentos como caldeiras de alta pressão e linhas de transmissão potentes.

"Os bancos querem como garantia que os usineiros provem que já têm clientes para os próximos dez anos", diz o engenheiro Renato Pinto, de 52 anos, um dos sócios da empresa. 


Segundo Renato, a conta não fecha porque a maior parte dos compradores potenciais para a energia gerada por seus projetos são shopping centers e indústrias, que hoje fecham com as distribuidoras contratos de fornecimento de cerca de cinco anos. "É difícil encontrar clientes interessados em acordos de longo prazo", diz ele. 

Renato então teve a ideia de procurar investidores interessados em colocar dinheiro nos projetos dos clientes da Proeng - e conseguiu convencer os gestores de fundos dos bancos BTG Pactual e Fator. Em seis anos, a empresa participou da construção de três usinas, que já estão em funcionamento no interior paulista. Há mais 17 projetos em andamento. O faturamento da Proeng nesse período cresceu dez vezes e deve atingir 15 milhões de reais em 2012.

O potencial do mercado brasileiro está chamando a atenção de muitos investidores estrangeiros. Os recursos externos em empresas brasileiras do setor somaram 4 bilhões de dólares no ano passado, segundo dados da consultoria inglesa fDi Intelligence - valor dez vezes maior que há seis anos.

A mineira Limpebrás foi uma dessas empresas. Fundada em 1995 para cuidar da limpeza urbana de Uberlândia, no Triângulo Mineiro, a Limpebrás administra dois aterros sanitários que ocupam uma área equivalente a 60 campos de futebol. 

No ano passado, a Limpebrás se associou à italiana Asja, dona de 24 usinas de biogás na Itália e mais duas no Brasil, para gerar eletricidade com a decomposição de lixo nos aterros de Uberlândia. As duas empresas criaram uma terceira, a Energás, para administrar o investimento de 15 milhões de reais a ser feito nos próximos cinco anos.

Além do investimento, a empresa italiana foi responsável pela escolha dos fornecedores para a construção de uma usina e pelo contrato de venda da eletricidade à Cemig, concessionária de energia de Minas Gerais. "A parceria nos deixou seguros da viabilidade do negócio", diz Domício Ricardo Borges, de 64 anos, fundador da Limpebrás. A nova unidade de negócios deve faturar 4 milhões de reais neste ano, o que deve ajudar a Limpebrás a elevar 12% as receitas, previstas para chegar a 65 milhões de reais.


Os investimentos em fontes alternativas também incluem projetos de pequenas centrais hidrelétricas. Nessas usinas, as represas medem no máximo 3 quilômetros quadrados - um laguinho se comparados aos 1.500 quilômetros quadrados inundados para dar lugar à usina de Itaipu.

Hoje há no país 422 pequenas centrais hidrelétricas - o dobro de uma década atrás, segundo dados da Abragel, a associação de empresas do setor. Boa parte dessas usinas foi feita por empresas interessadas em reduzir a conta de luz ou por distribuidoras de energia com programas de prevenção contra blecautes.

Esse mercado abriu espaço para empresas como a AQX, de Florianópolis, fabricante de equipamentos que monitoram geradores. Entre os clientes da AQX estão distribuidoras de energia, como a mineira Cemig e a paranaense Copel, que construíram pequenas hidrelétricas nos últimos anos. Por enquanto, as receitas da AQX, estimadas em 2 milhões de reais em 2012, vêm da venda do equipamento. “Logo vamos oferecer o monitoramento como uma prestação de serviço pago em mensalidades”, diz Mauro Pacheco, de 44 anos, sócio da empresa. “Será uma alteração importante no nosso modelo de negócios, pois permitirá obter receitas recorrentes que vão sustentar nosso crescimento”, diz ele.

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