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Pecuária em fase de engorda cria oportunidades de negócio

As oportunidades para os empreendedores na pecuária brasileira, um setor que movimenta anualmente 280 bilhões de reais

Antonio Roberto Corrêa, do laboratório veterinário Biovet, em Vargem Grande Paulista, SP: Faturamento de 79 mihões de reais em 2011, com produção de vacinas, soros e remédios veterinários (Divulgação)
DR

Da Redação

Publicado em 7 de março de 2013 às 18h55.

São Paulo - Diz um velho ditado popular que o olho do dono engorda a boiada. O pecuarista Marcelo Brunelli, de 47 anos, parece levar a sério esse ensinamento. Ele passa boa parte do tempo acompanhando o desenvolvimento de 18.000 cabeças de gado criadas em três fazendas na região oeste de Goiás.

Diariamente, Brunelli avalia uma série de informações sobre a alimentação dos bois, além de dados a respeito do aumento de peso do rebanho e relatórios apontando quantos animais estão prontos para o abate. Apesar de todo o desvelo dedicado à criação, Brunelli pouco põe o pé no pasto — raramente sai de seu escritório em Bebedouro, município do interior paulista, a mais de 700 quilômetros de suas terras. Dali ele administra a fazenda pela internet. "Vou a Goiás no máximo uma vez por mês, e nunca fico mais do que dois ou três dias por lá", diz ele.

Para acompanhar o rebanho a distância, Brunelli usa um software desenvolvido pela Prodap, de Belo Horizonte. Produtores como ele têm feito o faturamento da empresa mineira crescer nos últimos anos. Em 2011, as receitas da Prodap chegaram a 47 milhões de reais, três vezes mais que em 2009. Na época, seu negócio se resumia a revender programas de computador simples, usados para auxiliar criadores de gado a controlar o caixa da fazenda, além de rações especiais.

Foi quando o veterinário Leonardo Sá, sócio da Prodap, percebeu uma oportunidade. "Vários de nossos clientes tinham dificuldade para administrar a produção", afirma ele. "Muitos ainda controlavam dados essenciais, como o faturamento com a venda de animais, em cadernos que pareciam saídos de um filme do Jeca Tatu."

Brunelli faz parte de uma geração de produtores rurais que procura aplicar em suas propriedades boas práticas de gestão presentes há muito tempo no cotidiano dos negócios urbanos. Os 30 funcionários que ele emprega em suas fazendas têm metas a cumprir. Os responsáveis pela nutrição dos animais são cobrados, por exemplo, por manter o custo da ração sob controle.

Quem cuida da fase de engorda das reses precisa prestar contas sobre os índices de ganho de peso, enquanto outros funcionários têm o desempenho medido pelo volume de carne efetivamente produzido por cada boi. "No final do ano, todo mundo que atinge as metas ganha bônus em dinheiro, de acordo com os resultados alcançados", diz Brunelli.


Há vários fatores impulsionando o fenômeno da profissionalização dos produtores rurais. Nos últimos dez anos, o Brasil se tornou um dos principais produtores de carne do planeta — o país é o principal produtor mundial de carne bovina, o segundo maior de aves e o terceiro de suínos. O setor hoje é dominado por grandes grupos, como os frigoríficos JBS e Marfrig, dois exemplos de negócios que despontaram na última década.

Noutros casos, fusões tornaram grandes companhias ainda maiores — as catarinenses Sadia e Perdigão juntaram-se em 2010 para formar a BR Foods. Em2011, a pecuária brasileira movimentou 280 bilhões de reais, 40% mais que em 1999, segundo estimativas do Sindirações, entidade formada por empresas do setor de nutrição animal. O resultado é uma pressão crescente para o aprimoramento da produção dos pecuaristas.

"Hoje, o fazendeiro precisa produzir mais e reduzir custos para manter o negócio viável", diz José Vicente Ferraz, diretor técnico da Informa Economics FNP, consultoria especializada em economia rural. "Estão surgindo muitas oportunidades para pequenos e médios negócios que ajudem os produtores a enfrentar esse tipo de desafio."

Existe demanda por produtos e serviços para engordar o gado mais rapidamente, melhorar o uso do pasto e automatizar a gestão dos rebanhos, entre outras necessidades do mercado.

Foi nesse cenário de profissionalização do campo que Sá, da Prodap, começou a desenvolver seus softwares de gestão para as propriedades rurais. Como, em muitos casos, os pecuaristas teriam dificuldade para lidar com uma tecnologia nova, ele montou um pacote no qual os clientes levam junto o serviço dos técnicos da Prodap — um grupo de 60 profissionais formados em ciências agrárias e treinados pela empresa em técnicas de gestão de negócios.

"Meus funcionários passam a semana no campo, na fazenda dos clientes, e os ajudam a planejar as finanças e a administração das propriedades", diz Sá.

No caso do pecuarista Brunelli, os serviços da Prodap o ajudaram a tirar a produção de gado do prejuízo. "As fazendas pertencem a meu sogro, que estava tendo dificuldade para continuar na atividade", diz ele. "Com o novo sistema de gestão, dobrei o faturamento e as margens de lucro aumentaram."


Por trás da expansão da pecuária nos últimos anos há também o enorme desafio de alimentar um mundo cada vez mais faminto de proteínas. De acordo com dados da agência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a população do planeta vai continuar crescendo até 2050, quando deverá ultrapassar 9 bilhões de habitantes.

A maioria das novas bocas a ser alimentadas estará em países asiáticos e africanos — as duas regiões devem contribuir com 60% do crescimento da classe média no mundo nos próximos anos. Com mais dinheiro, esses consumidores emergentes podem elevar o consumo de carne para cerca de 500 milhões de toneladas por ano, 65% mais do que o patamar atual, segundo as projeções da FAO.

Não será fácil saciá-los. Além de exigir muito espaço para a criação dos animais, a produção de carne necessita de recursos naturais como terra e água para cultivar os vegetais usados como ingredientes na fabricação de ração. "Para atender à demanda, os produtores rurais terão de ser muito mais produtivos", afirma o consultor Roberto Cristiano Duarte, da RC Consultoria, especializada no agronegócio.

Campo profissional

O empreendedor Lanes Migliavacca, de 60 anos, encontrou uma boa oportunidade de crescimento ao ajudar os pequenos produtores a aumentar a produtividade de suas fazendas. Ele é dono da Mig-Plus, fabricante de suplementos para ração de animais com sede no município gaúcho de Casca, a 230 quilômetros de Porto Alegre. A empresa faturou 66 milhões de reais em 2011, 70% mais do que em 2009.

Seus principais produtos servem para alimentar leitõezinhos com pouco mais de um mês de vida — o equivalente, para os filhotes dos porcos, a uma papinha para bebês. "Antigamente, os suinocultores tinham muitos problemas com a alimentação dos leitões", diz Migliavacca. "Os porquinhos passavam mal ao comer a ração e muitos morriam logo depois de desmamados."

O produto desenvolvido pela Mig-Plus ajudou a diminuir a mortalidade dos leitões. A ração também permitiu aos criadores desmamar os porquinhos mais cedo, em torno de um mês após o nascimento — antes, os animais começavam a desmamar, em média, 70 dias depois de nascer. Com a diminuição do prazo, as matrizes dos suínos podem dar até mais de duas ninhadas por ano, mais que o dobro do que era comum até o começo dos anos 90, quando o produto foi lançado no mercado.


Desde então, a Mig-Plus ampliou a linha de produtos para outras fases de vida dos suínos e criou suplementos para colocar na ração de aves, ovelhas, bois, peixes e animais domésticos. Agora, Migliavacca está investindo 27 milhões de dólares na construção de uma nova fábrica de rações — a previsão é que as obras fiquem prontas em novembro de 2013.

A unidade vai produzir nutrientes para aumentar a produção de leite das vacas. "Há muitos laticínios com capacidade ociosa por falta de leite no mercado", afirma Migliavacca. "Nosso produto pode ajudar os criadores a aumentar a produção sem ter de ampliar o rebanho."

Graças ao emprego da tecnologia nas fazendas, os criadores estão conseguindo produzir mais com menos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, desde 1996 as áreas de pastagens encolheram 10% no país — boa parte do terreno perdido deu lugar a lavouras de milho e soja.

No mesmo período, o rebanho brasileiro cresceu 12%. A produtividade também aumentou. Hoje, um boi criado em confinamento pode ser abatido com dois anos e meio de idade — antigamente o gado tinha de ruminar cinco anos no pasto até chegar ao peso adequado para ir ao matadouro. Há três décadas um frango demorava 50 dias para atingir 1,8 quilo, peso mínimo para o abate.

Atualmente, um frango é enviado para o frigorífico com 41 dias de vida, quando em média pesa 2,5 quilos, segundo estatísticas da União Brasileira de Avicultura (Ubabef).

Mais eficiência

A busca por mais produtividade abriu oportunidades na cadeia da pecuária para empresas que tradicionalmente atuavam em outros setores. Foi o que aconteceu com a fabricante de produtos químicos MCM Industrial, sediada em Cesário Lange, no interior paulista. A empresa recolhe fios de cobre descartados pelas companhias telefônicas e os tritura para formar um pó.

A MCM surgiu na década de 80, quando seu fundador, o economista Marcelo Scaléa Jr., de 66 anos, acreditava haver mercado para esse tipo de produto entre estaleiros e metalúrgicas. "Esse pó de cobre é usado para revestir metais que precisam ser resistentes à corrosão, como cascos de navios e tubulações de água", afirma ele.

Com o tempo, Scaléa começou a ser procurado por outros tipos de cliente — eram fabricantes de rações interessadas em usar o pó de cobre como ingrediente de seus produtos. "Como todos os mamíferos, o gado precisa ter uma dieta rica em sais minerais, e o cobre é um deles", afirma Scaléa.


Para atender a nova clientela, a MCM diversificou a linha de produtos e passou a produzir pós de outras substâncias usadas na composição das rações, como zinco, cobalto e manganês. Hoje, grandes indústrias de nutrição animal — como Purina e Tortuga — respondem por 70% do faturamento da empresa.

Em 2011, as receitas da MCM chegaram a 73 milhões de reais, duas vezes mais que em 2009. "Com o aumento da demanda, tivemos de começar a importar minério de fornecedores chineses", diz Scaléa.

Em 2011, as exportações brasileiras de carne somaram 14,4 bilhões de dólares — em menos de 12 anos, as receitas do setor no mercado externo foram multiplicadas por 8. Para manter o crescimento nas vendas para o exterior, as empresas do setor enfrentam o desafio de superar as crescentes barreiras comerciais em mercados importantes, como os Estados Unidos e os países da União Europeia.

Os consumidores desses locais têm pressionado seus governos para aumentar as restrições sanitárias à carne comprada no mercado internacional. Em alguns mercados, por exemplo, há proibições à venda de carne com resíduos de medicamentos aplicados aos animais durante seu desenvolvimento.

"Empresas capazes de desenvolver vacinas e remédios que não deixam traços na carne industrializada terão mais chances de competir na cadeia da pecuária", diz Rosemeire Cristina dos Santos, superintendente técnica da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Para o mundo todo

O veterinário Marcelo Huber, de 46 anos, está aproveitando essa oportunidade. No começo da década passada, ele começou a desenvolver, em parceria com os laboratórios da Universidade Federal do Paraná, uma série de vitaminas e outros nutrientes que poderiam ser usados para melhorar a digestão dos animais.

Seu objetivo era criar produtos para fortalecer o organismo de aves e suínos — mais fortes, os animais ficariam mais resistentes a doenças, diminuindo a necessidade de aplicar antibióticos e outros tipos de medicamento.


Huber teve a ideia de investir nesse negócio depois de passar 20 anos trabalhando como representante das agroindústrias — seu trabalho era revender insumos e dar assistência técnica aos produtores. "No meu dia a dia, eu via muitos pecuaristas preocupados em se adaptar às exigências do mercado internacional", afirma ele. "Não havia, no entanto, muitas alternativas aos medicamentos que fossem acessíveis aos produtores rurais."

As pesquisas de Huber deram origem à Sanex. No começo, ele encomendava a produção a um laboratório veterinário do interior paulista. Seus primeiros clientes foram grandes frigoríficos especializados em carne de frango e suínos, como Seara e Big Frango. Em 2006, Huber construiu uma fábrica em Curitiba.

Hoje o catálogo da empresa inclui vitaminas e alimentos funcionais, cuja função é auxiliar no tratamento de doenças animais causadas por vírus e fungos. Em 2011, a Sanex faturou 17 milhões de reais, quase o triplo de 2009.

Rastro da expansão

O laboratório veterinário Biovet, de Vargem Grande Paulista, no interior de São Paulo, é um bom exemplo de negócio que cresceu na esteira das profundas transformações da pecuária brasileira nas últimas décadas. A empresa foi fundada na década de 70 pelo veterinário Antonio Roberto Corrêa, hoje com 62 anos. De lá para cá, o Biovet se beneficiou da expansão da produção de carne em escala industrial.

Seus principais clientes foram frigoríficos como Sadia e Perdigão, que popularizaram um modelo no qual centenas de suínos ou milhares de frangos ficam confinados em viveiros, com alimentação controlada, para facilitar o manejo do rebanho e diminuir o tempo para o abate.


Embora seja mais produtivo, o sistema tem seus efeitos colaterais. Com mais animais concentrados num espaço pequeno, aumentam os riscos de uma doença ou um parasita se alastrar. "Começamos fornecendo vacinas e remédios para os produtores que vendiam aves e suínos para a agroindústria", diz Corrêa.

Quase três décadas depois de iniciar o negócio, Corrêa trabalha para manter a expansão no Biovet. Para isso, ele firma convênios com faculdades de veterinária de regiões de produção pecuária no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste do Brasil. Com os pesquisadores dessas escolas, os técnicos do Biovet procuram desenvolver vacinas para combater as doenças mais comuns em cada local.

Esses projetos ajudaram o laboratório a identificar, nos últimos anos, sete tipos de protozoário causadores de uma doença chamada coccidiose aviária, cujos prejuízos somam anualmente quase 1 bilhão de dólares no mundo inteiro. Antes, os criadores tratavam a doença com antibióticos, que há seis anos passaram a ser proibidos pela União Europeia, um dos maiores mercados para as aves produzidas no Brasil.

Como não sofrem restrições sanitárias no exterior, as vacinas se tornaram um dos principais produtos do Biovet. A empresa faturou 79 milhões de reais em 2011, 40% mais que em 2009. "O Biovet acompanhou a expansão da pecuária industrial", afirma Corrêa. "Queremos continuar crescendo no rastro da pecuária brasileira."

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São Paulo - Diz um velho ditado popular que o olho do dono engorda a boiada. O pecuarista Marcelo Brunelli, de 47 anos, parece levar a sério esse ensinamento. Ele passa boa parte do tempo acompanhando o desenvolvimento de 18.000 cabeças de gado criadas em três fazendas na região oeste de Goiás.

Diariamente, Brunelli avalia uma série de informações sobre a alimentação dos bois, além de dados a respeito do aumento de peso do rebanho e relatórios apontando quantos animais estão prontos para o abate. Apesar de todo o desvelo dedicado à criação, Brunelli pouco põe o pé no pasto — raramente sai de seu escritório em Bebedouro, município do interior paulista, a mais de 700 quilômetros de suas terras. Dali ele administra a fazenda pela internet. "Vou a Goiás no máximo uma vez por mês, e nunca fico mais do que dois ou três dias por lá", diz ele.

Para acompanhar o rebanho a distância, Brunelli usa um software desenvolvido pela Prodap, de Belo Horizonte. Produtores como ele têm feito o faturamento da empresa mineira crescer nos últimos anos. Em 2011, as receitas da Prodap chegaram a 47 milhões de reais, três vezes mais que em 2009. Na época, seu negócio se resumia a revender programas de computador simples, usados para auxiliar criadores de gado a controlar o caixa da fazenda, além de rações especiais.

Foi quando o veterinário Leonardo Sá, sócio da Prodap, percebeu uma oportunidade. "Vários de nossos clientes tinham dificuldade para administrar a produção", afirma ele. "Muitos ainda controlavam dados essenciais, como o faturamento com a venda de animais, em cadernos que pareciam saídos de um filme do Jeca Tatu."

Brunelli faz parte de uma geração de produtores rurais que procura aplicar em suas propriedades boas práticas de gestão presentes há muito tempo no cotidiano dos negócios urbanos. Os 30 funcionários que ele emprega em suas fazendas têm metas a cumprir. Os responsáveis pela nutrição dos animais são cobrados, por exemplo, por manter o custo da ração sob controle.

Quem cuida da fase de engorda das reses precisa prestar contas sobre os índices de ganho de peso, enquanto outros funcionários têm o desempenho medido pelo volume de carne efetivamente produzido por cada boi. "No final do ano, todo mundo que atinge as metas ganha bônus em dinheiro, de acordo com os resultados alcançados", diz Brunelli.


Há vários fatores impulsionando o fenômeno da profissionalização dos produtores rurais. Nos últimos dez anos, o Brasil se tornou um dos principais produtores de carne do planeta — o país é o principal produtor mundial de carne bovina, o segundo maior de aves e o terceiro de suínos. O setor hoje é dominado por grandes grupos, como os frigoríficos JBS e Marfrig, dois exemplos de negócios que despontaram na última década.

Noutros casos, fusões tornaram grandes companhias ainda maiores — as catarinenses Sadia e Perdigão juntaram-se em 2010 para formar a BR Foods. Em2011, a pecuária brasileira movimentou 280 bilhões de reais, 40% mais que em 1999, segundo estimativas do Sindirações, entidade formada por empresas do setor de nutrição animal. O resultado é uma pressão crescente para o aprimoramento da produção dos pecuaristas.

"Hoje, o fazendeiro precisa produzir mais e reduzir custos para manter o negócio viável", diz José Vicente Ferraz, diretor técnico da Informa Economics FNP, consultoria especializada em economia rural. "Estão surgindo muitas oportunidades para pequenos e médios negócios que ajudem os produtores a enfrentar esse tipo de desafio."

Existe demanda por produtos e serviços para engordar o gado mais rapidamente, melhorar o uso do pasto e automatizar a gestão dos rebanhos, entre outras necessidades do mercado.

Foi nesse cenário de profissionalização do campo que Sá, da Prodap, começou a desenvolver seus softwares de gestão para as propriedades rurais. Como, em muitos casos, os pecuaristas teriam dificuldade para lidar com uma tecnologia nova, ele montou um pacote no qual os clientes levam junto o serviço dos técnicos da Prodap — um grupo de 60 profissionais formados em ciências agrárias e treinados pela empresa em técnicas de gestão de negócios.

"Meus funcionários passam a semana no campo, na fazenda dos clientes, e os ajudam a planejar as finanças e a administração das propriedades", diz Sá.

No caso do pecuarista Brunelli, os serviços da Prodap o ajudaram a tirar a produção de gado do prejuízo. "As fazendas pertencem a meu sogro, que estava tendo dificuldade para continuar na atividade", diz ele. "Com o novo sistema de gestão, dobrei o faturamento e as margens de lucro aumentaram."


Por trás da expansão da pecuária nos últimos anos há também o enorme desafio de alimentar um mundo cada vez mais faminto de proteínas. De acordo com dados da agência da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), a população do planeta vai continuar crescendo até 2050, quando deverá ultrapassar 9 bilhões de habitantes.

A maioria das novas bocas a ser alimentadas estará em países asiáticos e africanos — as duas regiões devem contribuir com 60% do crescimento da classe média no mundo nos próximos anos. Com mais dinheiro, esses consumidores emergentes podem elevar o consumo de carne para cerca de 500 milhões de toneladas por ano, 65% mais do que o patamar atual, segundo as projeções da FAO.

Não será fácil saciá-los. Além de exigir muito espaço para a criação dos animais, a produção de carne necessita de recursos naturais como terra e água para cultivar os vegetais usados como ingredientes na fabricação de ração. "Para atender à demanda, os produtores rurais terão de ser muito mais produtivos", afirma o consultor Roberto Cristiano Duarte, da RC Consultoria, especializada no agronegócio.

Campo profissional

O empreendedor Lanes Migliavacca, de 60 anos, encontrou uma boa oportunidade de crescimento ao ajudar os pequenos produtores a aumentar a produtividade de suas fazendas. Ele é dono da Mig-Plus, fabricante de suplementos para ração de animais com sede no município gaúcho de Casca, a 230 quilômetros de Porto Alegre. A empresa faturou 66 milhões de reais em 2011, 70% mais do que em 2009.

Seus principais produtos servem para alimentar leitõezinhos com pouco mais de um mês de vida — o equivalente, para os filhotes dos porcos, a uma papinha para bebês. "Antigamente, os suinocultores tinham muitos problemas com a alimentação dos leitões", diz Migliavacca. "Os porquinhos passavam mal ao comer a ração e muitos morriam logo depois de desmamados."

O produto desenvolvido pela Mig-Plus ajudou a diminuir a mortalidade dos leitões. A ração também permitiu aos criadores desmamar os porquinhos mais cedo, em torno de um mês após o nascimento — antes, os animais começavam a desmamar, em média, 70 dias depois de nascer. Com a diminuição do prazo, as matrizes dos suínos podem dar até mais de duas ninhadas por ano, mais que o dobro do que era comum até o começo dos anos 90, quando o produto foi lançado no mercado.


Desde então, a Mig-Plus ampliou a linha de produtos para outras fases de vida dos suínos e criou suplementos para colocar na ração de aves, ovelhas, bois, peixes e animais domésticos. Agora, Migliavacca está investindo 27 milhões de dólares na construção de uma nova fábrica de rações — a previsão é que as obras fiquem prontas em novembro de 2013.

A unidade vai produzir nutrientes para aumentar a produção de leite das vacas. "Há muitos laticínios com capacidade ociosa por falta de leite no mercado", afirma Migliavacca. "Nosso produto pode ajudar os criadores a aumentar a produção sem ter de ampliar o rebanho."

Graças ao emprego da tecnologia nas fazendas, os criadores estão conseguindo produzir mais com menos. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, desde 1996 as áreas de pastagens encolheram 10% no país — boa parte do terreno perdido deu lugar a lavouras de milho e soja.

No mesmo período, o rebanho brasileiro cresceu 12%. A produtividade também aumentou. Hoje, um boi criado em confinamento pode ser abatido com dois anos e meio de idade — antigamente o gado tinha de ruminar cinco anos no pasto até chegar ao peso adequado para ir ao matadouro. Há três décadas um frango demorava 50 dias para atingir 1,8 quilo, peso mínimo para o abate.

Atualmente, um frango é enviado para o frigorífico com 41 dias de vida, quando em média pesa 2,5 quilos, segundo estatísticas da União Brasileira de Avicultura (Ubabef).

Mais eficiência

A busca por mais produtividade abriu oportunidades na cadeia da pecuária para empresas que tradicionalmente atuavam em outros setores. Foi o que aconteceu com a fabricante de produtos químicos MCM Industrial, sediada em Cesário Lange, no interior paulista. A empresa recolhe fios de cobre descartados pelas companhias telefônicas e os tritura para formar um pó.

A MCM surgiu na década de 80, quando seu fundador, o economista Marcelo Scaléa Jr., de 66 anos, acreditava haver mercado para esse tipo de produto entre estaleiros e metalúrgicas. "Esse pó de cobre é usado para revestir metais que precisam ser resistentes à corrosão, como cascos de navios e tubulações de água", afirma ele.

Com o tempo, Scaléa começou a ser procurado por outros tipos de cliente — eram fabricantes de rações interessadas em usar o pó de cobre como ingrediente de seus produtos. "Como todos os mamíferos, o gado precisa ter uma dieta rica em sais minerais, e o cobre é um deles", afirma Scaléa.


Para atender a nova clientela, a MCM diversificou a linha de produtos e passou a produzir pós de outras substâncias usadas na composição das rações, como zinco, cobalto e manganês. Hoje, grandes indústrias de nutrição animal — como Purina e Tortuga — respondem por 70% do faturamento da empresa.

Em 2011, as receitas da MCM chegaram a 73 milhões de reais, duas vezes mais que em 2009. "Com o aumento da demanda, tivemos de começar a importar minério de fornecedores chineses", diz Scaléa.

Em 2011, as exportações brasileiras de carne somaram 14,4 bilhões de dólares — em menos de 12 anos, as receitas do setor no mercado externo foram multiplicadas por 8. Para manter o crescimento nas vendas para o exterior, as empresas do setor enfrentam o desafio de superar as crescentes barreiras comerciais em mercados importantes, como os Estados Unidos e os países da União Europeia.

Os consumidores desses locais têm pressionado seus governos para aumentar as restrições sanitárias à carne comprada no mercado internacional. Em alguns mercados, por exemplo, há proibições à venda de carne com resíduos de medicamentos aplicados aos animais durante seu desenvolvimento.

"Empresas capazes de desenvolver vacinas e remédios que não deixam traços na carne industrializada terão mais chances de competir na cadeia da pecuária", diz Rosemeire Cristina dos Santos, superintendente técnica da Confederação Nacional da Agricultura (CNA).

Para o mundo todo

O veterinário Marcelo Huber, de 46 anos, está aproveitando essa oportunidade. No começo da década passada, ele começou a desenvolver, em parceria com os laboratórios da Universidade Federal do Paraná, uma série de vitaminas e outros nutrientes que poderiam ser usados para melhorar a digestão dos animais.

Seu objetivo era criar produtos para fortalecer o organismo de aves e suínos — mais fortes, os animais ficariam mais resistentes a doenças, diminuindo a necessidade de aplicar antibióticos e outros tipos de medicamento.


Huber teve a ideia de investir nesse negócio depois de passar 20 anos trabalhando como representante das agroindústrias — seu trabalho era revender insumos e dar assistência técnica aos produtores. "No meu dia a dia, eu via muitos pecuaristas preocupados em se adaptar às exigências do mercado internacional", afirma ele. "Não havia, no entanto, muitas alternativas aos medicamentos que fossem acessíveis aos produtores rurais."

As pesquisas de Huber deram origem à Sanex. No começo, ele encomendava a produção a um laboratório veterinário do interior paulista. Seus primeiros clientes foram grandes frigoríficos especializados em carne de frango e suínos, como Seara e Big Frango. Em 2006, Huber construiu uma fábrica em Curitiba.

Hoje o catálogo da empresa inclui vitaminas e alimentos funcionais, cuja função é auxiliar no tratamento de doenças animais causadas por vírus e fungos. Em 2011, a Sanex faturou 17 milhões de reais, quase o triplo de 2009.

Rastro da expansão

O laboratório veterinário Biovet, de Vargem Grande Paulista, no interior de São Paulo, é um bom exemplo de negócio que cresceu na esteira das profundas transformações da pecuária brasileira nas últimas décadas. A empresa foi fundada na década de 70 pelo veterinário Antonio Roberto Corrêa, hoje com 62 anos. De lá para cá, o Biovet se beneficiou da expansão da produção de carne em escala industrial.

Seus principais clientes foram frigoríficos como Sadia e Perdigão, que popularizaram um modelo no qual centenas de suínos ou milhares de frangos ficam confinados em viveiros, com alimentação controlada, para facilitar o manejo do rebanho e diminuir o tempo para o abate.


Embora seja mais produtivo, o sistema tem seus efeitos colaterais. Com mais animais concentrados num espaço pequeno, aumentam os riscos de uma doença ou um parasita se alastrar. "Começamos fornecendo vacinas e remédios para os produtores que vendiam aves e suínos para a agroindústria", diz Corrêa.

Quase três décadas depois de iniciar o negócio, Corrêa trabalha para manter a expansão no Biovet. Para isso, ele firma convênios com faculdades de veterinária de regiões de produção pecuária no Sul, no Sudeste e no Centro-Oeste do Brasil. Com os pesquisadores dessas escolas, os técnicos do Biovet procuram desenvolver vacinas para combater as doenças mais comuns em cada local.

Esses projetos ajudaram o laboratório a identificar, nos últimos anos, sete tipos de protozoário causadores de uma doença chamada coccidiose aviária, cujos prejuízos somam anualmente quase 1 bilhão de dólares no mundo inteiro. Antes, os criadores tratavam a doença com antibióticos, que há seis anos passaram a ser proibidos pela União Europeia, um dos maiores mercados para as aves produzidas no Brasil.

Como não sofrem restrições sanitárias no exterior, as vacinas se tornaram um dos principais produtos do Biovet. A empresa faturou 79 milhões de reais em 2011, 40% mais que em 2009. "O Biovet acompanhou a expansão da pecuária industrial", afirma Corrêa. "Queremos continuar crescendo no rastro da pecuária brasileira."

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