Para startups, falhar no começo pode ser vantajoso
Quanto mais rápido interromper um projeto em andamento que não se mostra vantajoso, melhor
Carolina Ingizza
Publicado em 20 de novembro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 20 de novembro de 2019 às 07h00.
No basquete, o jogador interrompe uma jogada e sem mexer o pé de apoio olha para os lados antes de escolher outra opção de passe que julga ser melhor. Não é só no jogo que esse movimento é comum. A metáfora ajuda a explicar quando a startup resolve “pivotar”, isto é, mudar de direção para um modelo de negócio mais promissor, situação recorrente entre os participantes dos programas de inovação do Sebrae-SP.
Na avaliação do gestor estadual do Startup SP, Fabio Zoppi, os empreendedores ficam muito focados no desenvolvimento do produto, “amam muito a solução e o negócio” e, muitas vezes, não dão atenção para os potenciais clientes. Quando recebem a ajuda dos especialistas, vão a campo testar hipóteses e ouvir o que o cliente tem a dizer, eles acabam descobrindo que estavam no caminho errado. “O programa quer ajudar a startup a realmente atender seu público-alvo, ajudar o empreendedor a dominar o que o cliente precisa naquele momento”,destaca.
Quanto mais rápido interromper um projeto em andamento que não se mostra vantajoso, melhor. É o chamado fail fast, ou “fracasse rápido”, explorado por Eric Ries no livro “Lean Startup” (Startup Enxuta). “O autor basicamente fomenta a necessidade de criar algo, interagir com o público-alvo, aprender com isso e modificar. É um ciclo: quanto mais curto, mais rápido, melhor. Você não vai precisar criar um megaprojeto, investir tempo e dinheiro, e só no final descobrir que não era esse o caminho”, ressalta Zoppi.
Pivotar foi essencial para a sobrevivência da startup criada pelo empresário Paulo Alberto Lança. Ele identificou uma oportunidade: com a aprovação do marketing baseado no terrorismo. Com a ajuda do Sebrae começamos a estudar o mercado e entender a necessidade dos estabelecimentos. Eles desconheciam a legislação ou não estavam preocupados se teriam problemas na Justiça por causa da lei. O que eles tinham era muita dificuldade de conhecer os consumidores e aumentar o tíquete médio”, conta Lança.
Foi aí que a Big Data Wi-Fi virou Big Data CRM e passou a desenvolver uma série de ferramentas para capturar os dados dos clientes e usá-los para melhorar o relacionamento por meio de cupons promocionais, sorteios, ações com QR Code e aplicativo, por exemplo. “Começamos a criar algoritmos para analisar comportamentos e dados para contribuir para o aumento do faturamento do estabelecimento”, explica Lança. Hoje, mais de mil estabelecimentos contam com a solução da Big Data CRM, com destaque para o atendimento de supermercados e atacarejos. Ouvir o público-alvo também foi fundamental para a QECO. A ideia inicial era um marketplace para conectar compradores e vendedores de carros usados. O fundador Renato Bon testou por 40 dias um MVP, sigla de Minimum Viable Product, ou Mínimo Produto Viável.
Ao participar do processo de incubação do Sebrae-SP, a startup optou pela mudança para uma solução chamada end to end, ou de ponta a ponta, para ajudar mulheres a comprar ou vender carros com segurança. Foram entrevistadas 102 mulheres para entender que o problema de segurança na hora de comprar ou vender um veículo era algo que precisava ser revolvido. "A proposta de valor anterior, economia de tempo, não pareceu ser uma dor muito importante durante as interações realizadas para validação”, conta Bon.
A fase atual é de acerto no modelo de monetização. “Estamos desenvolvendo nosso primeiro algoritmo para mapeamento de perfil, escolha e comparação de veículos, que resultará em um produto que possibilitará o primeiro passo para escalarmos”, afirma Bon.
Simplificação
O modelo inicial de negócios da Macaluxi era complexo: um programa de fidelidade ajustado com vendas diretas e marketing de rede. A proposta era que a startup participasse da criação e distribuição de todos os produtos que fossem comercializados dentro do aplicativo.
A participação no Startup SP ajudou na redefinição do modelo para fazer apenas a conexão do consumidor interessado para o comércio local, criando uma plataforma de negócios. “Nossa motivação foi ouvir nosso cliente, estava pensando em algo muito complexo, e quando fomos ouvir os potenciais clientes, descobrimos uma necessidade muito mais simples”, conta Vítor Vidal, fundador da Macaluxi.
“O programa do Sebrae foi fundamental para conseguirmos enxergar a necessidade de pivotagem, trabalhando de forma consistente para não anular totalmente a ideia ou até mesmo invalidar todo o projeto. A pivotagem foi uma decisão importante que tomei dentro do programa para simplificar o caminho de acesso ao mercado”, completa.
A Macaluxi está na fase de acesso ao mercado, com mais de 30 empresas cadastradas e mais de 300 usuários após 90 dias de lançamento da primeira versão do aplicativo. A expectativa é crescer em dez vezes a base de usuários ativos até o fim do ano.
Mudança total
O desafio para os sócios Thiago Nato dos Santos e Lucas de Freitas era fazer 100 interações com possíveis clientes. Mas depois de 40 entrevistas eles já descobriram que os entrevistados não estavam procurando nem se interessavam pelo produto que eles estavam desenvolvendo: um ERP, sistema integrado de gestão empresarial, para representantes comerciais.
No caso deles, não foi nem o caso de pivotar. “Nós abandonamos a ideia toda e partimos para um outro projeto do zero”, revela Santos. A troca ocorreu há um ano e hoje a UneCont é uma startup de solução para contabilidade.
Segundo o empreendedor, a empresa está em fase de conclusão da validação do modelo de negócios, com 16 clientes ativos. “Após a validação, vamos estruturar a venda digital e em escala. Estamos conversando com grandes players do meio contábil e estudando parcerias, tanto para utilização do produto quanto para aumentar as vendas”, conta.
Momento
Fabio Zoppi, do Sebrae-SP, ressalta que na educação formal as pessoas não são estimuladas a errar. Por isso, durante o programa Startup SP é incentivada a participação no Failtech, um movimento com objetivo de construir uma comunidade de compartilhamento da falha como parte do processo empreendedor inovador.
“É uma iniciativa que procura levar para todos a ideia de que errar é necessário, é um primeiro passo. Isso tem feito bastante diferença, quando abordamos as startups e, logo de cara, falamos que errar é normal. É um apelo cultural que a gente tem feito no programa para facilitar essas tomadas de decisões”, conta.
E como avaliar que é hora de pivotar? Zoppi reforça a importância de um bom time para discussão constante, análise das informações e interação com potenciais clientes. “Pivotar é um aprendizado. O que não pode fazer é mudar toda hora de direção no achismo. Isso não é pivotar, é desespero”, conclui.