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O homem transamazônico da Bertolini

Irani Bertolini chegou a Manaus nos anos 70, e se tornou dono de uma transportadora que carrega soja e componentes eletroeletrônicos nos rios que percorrem a floresta

Irani Bertolini, Fundador da Transportes Bertolini (Rodrigo Baleia)
DR

Da Redação

Publicado em 20 de fevereiro de 2011 às 08h00.

Na década de 70, o gaúcho Irani Bertolini, hoje com 64 anos, se tornou caminhoneiro e precisou entregar móveis em Manaus. Naquela época, a maioria das estradas para o Norte era muito precária. “Foi a maior aventura da minha vida”, diz. “As condições eram péssimas, mas valeu a pena.” Ao constatar o quanto a região era carente em serviços de transporte de carga, decidiu empreender. Com três caminhões, em 1978 ele criou a Transportes Bertolini. No início, ele mesmo fazia as viagens entre o Norte e outras regiões, que podiam levar até três semanas. Em três décadas, Bertolini construiu uma empresa que faturou cerca de 400 milhões de reais em 2010. Neste depoimento a Exame PME, ele fala sobre como foi erguer uma empresa no meio da floresta.

Meus antepassados vieram do norte da Itália para o Rio Grande do Sul no início do século passado. Eles se estabeleceram em Bento Gonçalves, onde havia uma porção de italianos com planos de produzir trigo, milho e vinho. Cresci na roça. Meu pai era agricultor e também trabalhava como carroceiro, levando vinho feito pelos vizinhos para Garibaldi e outras cidades próximas. Ele me contava as histórias de suas andanças, que eram apaixonantes para mim. Comecei a sonhar em ser transportador.

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Quando tinha 17 anos, fui trabalhar numa vinícola de Bento Gonçalves. Ajudava a descarregar a serragem usada para esquentar as caldeiras, que chegava num caminhão que eu morria de vontade de dirigir. Ser caminhoneiro e desbravar o Brasil era o meu grande sonho.

Vários vizinhos meus em Bento Gonçalves faziam entregas de produtos agrícolas em caminhonetes. Logo aprendi a dirigir uma. Aos 20 anos, me tornei caminhoneiro. Fiquei três anos indo e voltando do Sul para São Paulo, onde eu pegava roupas e as trazia para lojas de Bento Gonçalves. Nessa época, economizei para comprar meu primeiro caminhão.

O que eu mais gostava na minha vida era pegar a estrada. Àquela altura, já estava casado com uma moça do Sul. Eram os anos 70, e tudo que queríamos era ter uma casa com azulejos coloridos e uma família feliz. Com as viagens, deu para comprar uma casa em Bento Gonçalves e uma Brasília.


Em 1976, surgiu uma viagem para Manaus, para levar móveis fabricados no Sul. Pouca gente se aventurava a ir para o Norte. As estradas eram de terra, com buracos e lama quando chovia. Você se sentia no meio de um filme, daqueles em que a selva vai te engolir a qualquer momento. Levei três semanas para chegar. Fui por terra até Belém e de lá embarquei com o caminhão numa balsa para Manaus — nada tão diferente de hoje.

Quando cheguei, fui à loja que tinha feito a encomenda. O dono me contou que era uma dificuldade encontrar quem transportasse carga na região porque quase ninguém era louco de enfrentar aquelas rodovias horríveis. Aquilo me deu um estalo. Conversei com diversos lojistas em Manaus. Todos me disseram que precisavam de mais produtos para abastecer as lojas. Na mesma hora já comecei a fechar negócios.

Vendi a Brasília e dei entrada em dois caminhões, um usado e um novo. Em 1978, abri oficialmente a Transportes Bertolini junto com meu irmão Ivan, que também era caminhoneiro. Era tanto serviço que, em 1980, eu já tinha dez caminhões. Mesmo quando a empresa já era maior, com vários empregados, eu e meu irmão muitas vezes dirigíamos os caminhões para ajudar a fazer as entregas.

A população do Norte foi crescendo. Era a década de 80, e as pessoas de lá queriam comprar eletrodomésticos. Elas tinham o dinheiro. Mas faltavam produtos, pois a maioria era fabricada no Sudeste e nem sempre havia quem os levasse. Passei a ser procurado para transportar geladeira, fogão e móveis para o Amazonas.

Manaus crescia, e como. Comecei a transportar matéria-prima do Sudeste para as indústrias da zona franca, que estava se desenvolvendo. No início dos anos 90, minha empresa já tinha uns 35 caminhões. Em 1992 veio uma crise forte na economia. Comecei a discutir com meu irmão sobre o que fazer para que os negócios crescessem naquele cenário. Tínhamos opiniões diferentes e acabamos desfazendo a sociedade. Dei 40% dos caminhões para ele.

Foi um momento difícil. Para levar a Bertolini adiante, precisava cortar custos. Demiti funcionários e reestruturei a empresa. A administração era centralizada, pois eu e meu irmão acumulávamos funções. Uma das minhas primeiras providências foi contratar um braço-direito, que até hoje está na empresa. Meus quatro filhos também vieram trabalhar comigo. Na época, três deles já tinham terminado o curso de administração e conheciam bem o negócio. Eles deram fôlego novo à Transportes Bertolini.

Em 1993, decidi fazer algo novo. Comecei a fabricar um tipo de reboque — aquele que parece um baú grande, e vai acoplado ao veículo. A fabricação dos reboques ajudou a diminuir custos porque antes tínhamos de comprá-los ou alugá-los a um preço alto. Também passamos a fornecê-los para outras empresas. Hoje, essas vendas representam cerca de 5% do faturamento. Ganhamos mais músculos e ainda passamos a não depender tanto de terceiros. Nessa época minhas retiradas da empresa eram mínimas. Meu objetivo era reinvestir tudo.


A estrutura precária dos portos do Norte atrapalhava nossa competitividade. As mercadorias que chegam a Manaus precisam ser embarcadas em balsas, já que não há estradas ligando a capital do Amazonas a outros pontos logísticos. Acontece que os portos demoravam uma eternidade para movimentar a carga. Os clientes reclamavam dos atrasos. Para resolver isso, em 1998, construímos um porto em Manaus. A Bertolini ganhou muita eficiência por causa disso.

Nem dá para imaginar o crescimento de minha empresa desconectado do desenvolvimento da região. Até o final dos anos 90, a zona franca continuou a se expandir. Passamos a levar cada vez mais carregamentos de cimento e de cargas industriais para lá. Depois, a produção agrícola em Rondônia também aumentou, e começamos a carregar soja de Porto Velho para Santarém, de onde é exportada. Transportamos hoje mais de 1 milhão de toneladas de soja por ano.

Em 2004, minha empresa era grande o suficiente para ter seu próprio estaleiro. Passamos então a fabricar empurradores de balsa e balsas. Sem esse equipamento, a balsa praticamente não sai do lugar se estiver bem carregada. Os empurradores que já existiam não resolviam muito, pois eram fraquinhos. Os meus são bem mais potentes e rápidos.

Deu tão certo que os concorrentes também quiseram — hoje, as vendas dos empurradores e das balsas correspondem a cerca de 8% da receita. Pouco depois, passamos a levar produtos acabados, como televisores, da zona franca para o Sudeste. Com isso, crescemos cerca de 30% em dois anos.

Vamos de vento em popa. Hoje, tenho 1. 986 caminhões e reboques, 90 balsas e cinco portos. A Bertolini é conhecida como uma da transportadoras mais eficientes do Norte. É muita realização para alguém como eu, de origem simples. Há alguns anos contratei uma consultoria para me ajudar na sucessão. Meu filho Paulo César, hoje diretor financeiro, foi escolhido pelos irmãos para ser o próximo presidente. Vou continuar no conselho da empresa, mas sem me envolver demais com o dia a dia.

Pretendo me aposentar logo. Quero cuidar da minha fazenda no Rio Grande do Sul, onde crio gado, e ficar mais perto de minha mulher— é lá que a Martinha passa a maior parte do ano, pois ela não se adaptou ao calorão de Manaus, como eu. Também quero viajar para Las Vegas, Miami e Europa. Estou com 64 anos e mereço um descanso.

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